domingo, 22 de julho de 2018

Vamos falar em política…

Inicio da década de 80. Para entrar em casa, passava pelo boteco que meu pai mantinha na Vila Silveira. Final de tarde era o horário do pessoal que voltava das fábricas, construção civil, biscateiros tomar alguns aperitivos antes do jantar. Ao voltar do trabalho, de alguma reunião ou mobilização da comunidade fazia uma parada para conversar com o seu Bernardo, seu Borges, seu Delponte…
Numa ocasião em que participei de um evento sobre transporte coletivo, me esperavam e a pauta era a mesma: o que podiam fazer? Não usavam o ônibus - a maioria andava de bicicleta - mas tinham filhos, esposas e vizinhos sendo prejudicados. Em outra ocasião, por diversas vezes reclamaram da iluminação pública: muitos jovens frequentavam o ensino noturno, voltando para casa já tarde.
Não foram atendidos. Mobilizaram-se em torno de uma oficina, conseguiram latões que pregaram nos postes e óleo para acender, fazendo vigia para cuidar de seus filhos e dos filhos de amigos. Em seguida, as luminárias queimadas foram repostas... Foi a maior lição de ação politica que testemunhei. Sem ter noção de preceitos teóricos, faziam o elementar: o cuidado pelo bem comum!
Matéria veiculada por televisão, no Globo Repórter, mostrou o Pantanal da Argentina. Uma imensidão da Natureza abençoada por Deus! E degradada pelo homem... Passados 50 anos, muitas espécies foram extintas. Recuperar a área passou a ser uma necessidade com a colaboração da comunidade internacional. Mas com a desconfiança dos moradores. Foram necessárias ações educadoras, especialmente com as crianças, para tomarem consciência e conscientizar pais e vizinhos.
Todas acabam sendo ações de cidadania que se expressam nas ações políticas, melhorando o dia a dia na vizinhança, bairro, condomínio..., mas também da expressão maior que é a política partidária, onde pessoas e grupos se organizam para melhorar a máquina pública que deve se responsabilizar pelo ensino, saúde, segurança, assim como ações de preservação ambiental.
Vamos falar em política… nas igrejas, sindicatos, botecos, praças públicas. Na democracia, é necessário primeiro que cada um conheça seus deveres. O mais elementar, a responsabilidade sobre quem precisa ser cuidado - idosos, menores, especiais, pessoas em situação de risco. Só então reivindicar direitos. A relativização das leis e o seu descumprimento mancham a política. Recuperar o sentido social é um longo caminho... difícil, muito difícil, mas que não pode ser considerado impossível!

domingo, 15 de julho de 2018

Vamos falar de cidadania...

Uma conhecida precisou atender o filho de uma amiga que havia se acidentado de moto. A primeira visita foi apavorante. O rapaz sequelado, em condições de higiene precárias, com escaras, sem cuidado com os equipamentos e a família acreditando que o importante era que comesse bem, porque o que ele precisava era "ficar forte!"
Amigo disse que o filho ficou pior que guarda de trânsito. Toda a vez que estavam na rua, o menino era um "gps" no banco traseiro: "pai, o sinal vai fechar". "Pai, não joga papel na rua". "Pai, não coloca o braço na janela"... A esposa contou que profissionais passaram pela escola e fizeram palestra simulando acertos e erros no trânsito.
Por definição, "cidadania" é a "condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política". Pensei numa forma mais simples de dizer o mesmo. Veio do comandante que dirigiu o trabalho de resgate dos meninos e treinador na Tailândia: "desejo que sejam pessoas do bem!"
Simples e elementar: cidadania nasce com a pessoa, pois todos passamos a integrar um Estado. No nosso caso, "cidadãos brasileiros", condição que se aperfeiçoa todos os dias. Exatamente o desejo do militar: para desempenhar o que a sociedade espera de seus membros é necessário que cada um se torne uma pessoa do bem!
Vamos falar em cidadania... Assunto que deve ser abordado por pastores, reverendos, padres, sindicalistas, educadores e, até, políticos! Não forjamos cidadãos a partir do nada ou compramos o direito de ser cidadão. O menino que se transformou em fiscal do pai está exercendo cidadania, porque aprendendo da forma correta e exigindo daqueles com os quais convive que também façam o mesmo.
O outro caso é um problema de educação, ou melhor, da falta dela. Uma família que não teve chance de formar princípios e obter informações elementares de cuidados vai pagar, possivelmente, com uma vida. Não iniciou em casa o aprendizado e não aceitou da escola o que as crianças, de alguma forma, sempre trazem. Perdeu a cidadania...
Exercer esta condição é a concretização por excelência da arte de fazer política. Infelizmente a forma como é tratada e, em muitos casos, o deboche para com os seus valores levou a que boa parte da população não se interesse. E pessoas indiferentes são presas fáceis de extremismos de qualquer coloração ideológica.
Cidadania começa por educação, autoestima: aprendo e torno melhor minha vida e daqueles com os quais convivo. Pequenos cidadãos são semente das mudanças que precisamos! Aprendem direitos e deveres e alimentam a esperança de uma sociedade melhor, mais justa, "do bem". Desde que os adultos não atrapalhem pelo caminho...

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Criança tem cada uma!

Uma editora do centro do País publicava, a cada final de ano, uma obra chamada “Criança tem cada uma”. No primeiro semestre, especialmente pais e parentes reuniam histórias em que o personagem principal era uma criança, enviavam e aguardavam pela seleção que rendia, além de um dos livros mais vendidos, gostosas gargalhadas. Tenho falado da minha vontade de realizar projeto parecido, pois somente na minha família já teria algumas dezenas a serem enviadas. Claro que não basta a história ser engraçada, precisa ter um toque especial que apenas a criança sabe dar.
Meu sobrinho, Renan, ficou conhecido ao protagonizar algumas, criando bordões repetidos em família até hoje, como: “além de pobre, é surdo” ou “tu não sabes nem cuidar de uma criança!” No primeiro caso era a mania que tinha, ainda pequeno, de entrar na conversa dos adultos e querer vez e voz. Quando não era “respeitado”, registrava seu protesto dizendo que as pessoas “além de pobres, eram surdas”. Não bastava apenas uma desgraça, eram duas.
A segunda história se passou quando ele esperava pelo café, ajoelhado numa cadeira e balançando para frente e para trás. Avisado de que corria perigo, nem se importou. Meu pai foi para a cozinha e, em seguida, ouviu o barulho de cadeira indo ao chão. Voltou e viu o pequeno já se levantando sem problemas. Seu pecado foi ter rido da situação. Entre o chão e a cadeira, o pequeno sentenciou: “tu não sabes nem cuidar de uma criança!”
Mas as gerações se sucedem e se modernizam. Agora é a vez do Murilo, sobrinho-neto, de seis anos. Dia destes, em plena Missa, enquanto sentávamos e levantávamos nos momentos oportunos, ele sussurrou bem sério para a tia: “o que me cansa nestas Missas é este senta-levanta!”. Na mesma ocasião, ao anunciarem um cântico, olhou para mim e tascou: “qual é mesmo o canal?”
Estas são algumas das histórias que conto e despertam nas pessoas a vontade de narrar as suas, pois a sagacidade vem junto com a presença de espírito de pequenos que desejam ocupar um espaço na vida. Na simplicidade, dão lições que não esperamos ouvir. Infelizmente, as crianças de hoje já não são as mesmas e se envolvem com as mazelas da vida cada vez mais cedo. Suas tiradas já não merecem a devida atenção, pois queremos - em muitos casos, pela miséria e a guerra, por exemplo – que sejam miniaturas de adultos. Não o são e merecem respeito em cada etapa, com suas características, especialmente, o encantamento.

domingo, 8 de julho de 2018

Passou a Copa, tem eleições no meio do caminho...

Minha torcida nesta Taça da FIFA apenas confirmou o que já disse um dia o Jorge Malhão: "o Manoel não entende nada de futebol". Afinal, torci um pouco pela Seleção que representava o Brasil e deu no que deu... Minha segunda opção era o Uruguai, que deu com os burros na água e voltou mais cedo para casa!
Não tive paciência para assistir a nenhum jogo na integra. Até porque, vendo a relação dos salários dos jogadores brasileiros que variavam entre meio milhão e 12 milhões de reais esperava mais destes atores de um dos espetáculos mais bem pagos do mundo do entretenimento. Não tenho muita paciência para choros e lamentações de quem não corresponde àquilo que recebeu como investimento.
Mas tive, sim, que admirar o quanto os estrategistas desta área conseguiram movimentar para que os meios de comunicação fossem atendidos e confundissem o que deveria ser apenas um bom e saudável passatempo em exercício de cidadania. Guardando ranços de um tempo que se deseja esquecer alguns apelaram para a pátria da bola e identidade nacionalista, fazendo com que muitos confundissem o foco.
Declarações politicamente corretas e outras carregadas de interesses pessoais e econômicos. Uma "fake news" (notícia falsa) vinda do treinador do Uruguai propiciava uma das mais sensatas ao aproveitar a exposição da mídia para pedir mais investimentos em educação. Sabendo que os níveis daquele vizinho país já são dos melhores da América, fica a sensação de que, se não disse, deveria ter dito.
De outro lado, um narrador de rede nacional de televisão pediu mais investimentos públicos no futebol como forma de melhorar o desempenho. Ora, em que mundo vive este cidadão sem noção! A solução dos problemas do país não se encontra em propiciar que o futebol se desenvolva - ele já é um grande negócio - e se tem alguém que deveria investir são aqueles mesmos que depois vão ganhar com seus resultados!
Nossas dificuldades iniciam pela educação de base. Quando se pede reformulação e mais investimentos se pensa no seu início, as séries básicas, com estrutura adequada, professores devidamente preparados e bem pagos para exercer uma das missões mais sublimes do processo de aprendizagem: auxiliar no início da vida cidadã!
Ainda falta o elementar: temos adultos que não frequentaram a escola, jovens desmotivados e crianças que saem para trabalhar. O que se oferece é insuficiente. No intervalo entre uma e outra copa teremos duas eleições. Um bom momento para se começar a fazer o dever de casa: repensar o sistema político, a máquina administrativa e, quem sabe, ter a humildade de aprender um novo jeito de viver a cidadania!

domingo, 1 de julho de 2018

A Floricultura da Vânia

A Vânia trabalhou conosco durante um ano. Chegou no dia 1º de junho de 2017 e, no dia 12 de junho deste ano, ainda esteve conosco pela manhã. À tarde, um ataque fulminante do coração a levou. Cuidava da casa e, em especial, da mãe, dona França, com quem disse que aprendeu a lidar, dizendo ter sido uma escola pois não a infantilizava e tudo o que a idosa de 93 anos precisava era feito de comum acordo.
Era noite de Inverno quando o Reinaldo e a Clésia trouxeram a senhora que, segundo eles, preenchia os requisitos de ser alguém de meia idade e com espírito religioso. Não me importava o seu credo, mas que tivesse princípios ligados a uma fé e que não tentasse fazer "conversões". Depois, reconheci ao casal que havia sido uma bênção: os cuidados com a casa, a mãe e o pátio ajudaram a transformar a moradia em um lar.
Com a família fui saber que o problema com a coluna que a levara a diminuir a atividade era uma desculpa. Na verdade já sabia que não poderia trabalhar, o coração não permitia. Mas não queria nos deixar. Até o fim, queria continuar fazendo alguma coisa, estando presente em nossas vidas como um anjo designado por Deus.
Fui conhecendo sua história e sua vida na Igreja Quadrangular. Atenta, comentava o que ouvia nos cultos, nas pregações, nas ceias. Também queria aprender para motivar as senhoras do seu grupo. E mantinha um espírito de oração com um cantinho da casa reservado para momentos especiais, onde alimentava a sua ação.
Brincava que um dia ainda chegaria em casa e encontraria uma placa: "Floricultura da Vânia". Que pena, não chegou a este ponto... O primeiro texto que escrevi que dizia "vai fazer falta" foi da Vera, esposa do Chico. Acho que estou ficando acostumado a usar esta expressão. Não que ela me deixe triste, ao contrário, tem sido sempre para pessoas especiais que deixaram marcas em suas famílias, nas comunidades e em nós.
São Pedro vai ter problemas nos céus. Naqueles lugares por onde as pessoas passavam e sempre viam as mesmas coisas, aparecem flores, verdes, um pouco da natureza mostrando o quanto tem de especial. Pelos dedos de quem trata com carinho de uma alameda, um passeio, um pátio, escorre uma fé profunda e um sentido místico.
Olho para o céu e sei que um dia verei uma trepadeira abrindo caminho por entre as nuvens. Deve ter o dedo da Vânia. Acolhida, encontrou o seu lugar: uma estrela que nunca quis brilhar sozinha, mas enche o Céu de vida e de cores. A Vânia vai fazer falta... Infelizmente, as "Vânias" já não estão na moda. Mas sem elas, com certeza, os pátios são mais tristes, os jardins mais sem graça e até o galho de flor roubado em meio ao caminho perde o seu sentido...