domingo, 25 de novembro de 2018

A cultura do preconceito

Um quadro com duas imagens. Na primeira, o viaduto que cedeu em São Paulo, mostrando o desencontro da estrutura. Na outra, Nestor Cerveró, que possui deficiência onde uma vista fica num plano mais elevado que a outra. E a mensagem infame: "em entrevista, Cerveró diz não ver problemas na marginal..."
A festa transcorreu na normalidade... Até o final quando o pai da menina transbordou a sua raiva com a filha, ao ponto da agressão, por um simples motivo: entre os convidados - inclusive que tinha dançado com a jovem - havia um negro. "Você estragou tudo! Deixou nossa família mal diante das pessoas..."
O porta voz de uma igreja quis explicar a denúncia e o pedido de que pessoas envolvidas com pedofilia sejam julgadas e, se condenadas, paguem por seus crimes. Mas que o atentado ao pudor contra crianças e adolescentes é um número menor entre religiosos do que entre professores de educação física, por exemplo.
Nos três casos, um problema comum: o preconceito - explícito ou implícito. Infelizmente, usar a deficiência física para o humor é recurso comum, o insensato é receber cópia de educadores... O pai aguentou durante a festa porque precisava aparentar normalidade... O representante de um credo esqueceu que a sociedade espera de religiosos que sejam referência da ética e da moral!
A Internet, ao mesmo tempo, torna mais democrático o acesso à informação e, também, escancara o preconceito de uma sociedade que diz aceitar e ser tolerante de fachada, mas que, para defender privilégios de seus setores corporativos, afia suas garras. É neste contexto que se admite que se faça graça... sem ter graça alguma!
A imagem dos dois meninos que rasparam a cabeça achando que poderiam passar um pelo outro tinha um pequeno detalhe: um era negro... o outro era branco. Acontece que o racismo e o preconceito não estão na origem das pessoas, mas no seu ambiente cultural: vão aprender, com o tempo, aquilo que na infância é pura inocência.
O ambiente pode ser familiar, vizinhos, escola, trabalho... Uma figura importa: o educador. Seja pai, professor, chefe de seção... na medida em que reproduzir papeis que podem se tornar a diferença na relação com deficientes, cores da pele, opção sexual... Fazer brincadeira é abrir mão da referência que a sociedade espera.
"À mulher de César não basta ser honesta, tem aparentar ser honesta". Um pedido de coerência especialmente dos formadores de opinião. Espera-se de pessoas que cobram atitude o exemplo de vida. Falar em teoria sobre relações é fácil. Difícil é não se perder entre o discurso e prática... Até numa simples brincadeira partilhada no intuito de fazer rir, mas que alimenta a deformação cultural que se chama preconceito!

domingo, 18 de novembro de 2018

Os acordes que embalam o coração

Manhã de segunda, aguardo participação no programa Hora Marcada, do Sérgio Corrêa. O telefone está em linha e ouço o comentário do apresentador, além da trilha musical selecionada pelo Otávio: o Café com Música. Somente os sucessos das décadas de 70 e 80, com direito a dançar juntinhos... Fico divagando, sozinho, e até para a vassoura ao lado da geladeira acabei olhando, pensando em dar alguns passos...
A Clarice mostrou um vídeo onde o governador Eduardo Leite dançava com desenvoltura. Os rapazes e moças de um CTG programaram uma apresentação a partir de uma gaiteira deficiente visual. O pessoal do grupo do Edinho já fez diversas apresentações - inclusive com tango - sendo portadores da Síndrome de Down.
O vídeo mostra um casal em dança de salão. Eduardo tem a música no sangue, não somente para dar seus passos, mas vem de família o gosto por uma boa roda musical. Uma forma de aliviar tensões e receber o afago que merece em tempos tão bicudos em que a arte de embalar o corpo diz tudo da sua capacidade de empatia e superação.
A turma do CTG precisou vencer preconceitos. A preparação os fez usar vendas e compartilhar de um mundo onde as cores e as imagens desaparecem. O desafio não está em deixar de enxergar, mas superar os próprios limites, indo além do que se julgava capaz. Exercitar a dança, a sincronia, sem mais nada a não ser a sensibilidade musical, com o mesmo ritmo que embala os ouvidos e orienta os passos.
Os meninos e meninas da Síndrome de Down dançam por prazer. Subir ao palco é apenas um detalhe. Não creio que tenham a compreensão da admiração e do sucesso que alcançam. Brincam com o próprio corpo, repetem coreografias ensaiadas com a delícia de verem um conjunto que pode deixar a desejar no sentido de "perfeição" daqueles que são considerados "normais", mas que, para eles, é o máximo!
Tirando o meu bailado com a vassoura - que não aconteceu - as demais mostram o quanto dançar é daquelas artes com mil e uma utilidades. Pode até ser erótica (e porque não?), mas vai além: embriaga todos os sentidos e cada uma das fibras de nosso corpo. Para o dançarino se sair bem não é somente necessário atender à coreografia, mas fazer com que a própria alma se entregue ao prazer!
Às vezes esquecemos nosso pé na África e no meio indígena, gente que dança até em cerimônias religiosas. Vez que outra, nossas origens são mais fortes e, mesmo com um canto religioso, não resistimos em balançar o corpo! Um daqueles instantes em que matéria e espírito se dão ao direito de estarem juntos. Pode parecer loucura, mas há momentos em que apenas quem necessita da música é capaz de ouvir os acordes que nos fazem dançar, embalados pelo sussurro do coração!

domingo, 11 de novembro de 2018

O silêncio da Eternidade

Estávamos aguardando o jantar. Uma amiga fez uma daquelas perguntas com o objetivo de envolver uma pessoa mais velha na conversa. Olhar brincalhão e sorriso brejeiro disse o óbvio: que a resposta era do tipo em que é possível dizer qualquer coisa, mas que a interlocutora queria que afirmasse o que ela mesma pensava. Não era uma disputa intelectual, mas o espírito provocativo de duas pessoas amigas.
Quando dou almoço para minha mãe, na cama - comida liquefeita - vez que outra ela me ignora solenemente. Parto para todas as chantagens: "mãe", "mãezinha", "minha querida"... até que preciso levantar a voz para que abra os olhos e a boca a fim de ingerir o alimento. A resposta vem, mas não sem antes retirar a mão do lado do rosto, colocar sobre os lábios e expressar um pedido de silêncio apenas com um "psiuuu!"
Atender no dia a dia a uma pessoa idosa é uma chance de aprendermos, mais cedo, a lidar com o silêncio. A necessidade de preencher todos os nossos espaços com ruídos vai, no passar dos anos, sendo aplacada pela serenidade de quem já viu muita vida passar e sabe que não consegue evitar o inevitável. No entanto, é capaz de aproveitar melhor as ocasiões de convívio sem nenhuma exigência.
Somente o direito de ter alguém junto. De alcançar olhares prolongados sem ter uma agenda que não lhes interessa, mas como se já gravassem as cenas com as quais poderão fazer a última viagem em direção à Eternidade. Há algo de divino e de sagrado na forma como o tempo perde o sentido e, muitas vezes, apenas querem o direito de estar sós preenchido por histórias e ecos de suas lembranças.
É possível que já não gravem mais os rostos e os momentos da atualidade. Motivo que torna inconveniente as pessoas perguntarem ao idoso se ele as está reconhecendo. O tempo de saber quem é cada um dos que os cerca já passou. Agora sentem-se no direito de apenas usufruir de um sorriso, uma palavra de carinho ou um gesto envolvido no reconhecimento de que fazem parte indispensável de nossas histórias.
Se partimos do silêncio - onde está Deus - e para ele voltamos, torna-se óbvio o provérbio: "temos dois ouvidos e apenas um boca". Explicação para a necessidade de ouvir mais e falar menos. Mesmo as palavras cansadas, ditas sem pressa, necessitam de um estado de espírito disposto a exercitar a paciência. Atropelar um idoso que arrasta seus argumentos é pura maldade. Talvez já tenham vivido com pressa, mas seus próprios corpos vão fazendo valer suas limitações. O que precisa ser dito está muito mais nos seus silêncios e olhares. Algo que, depois da sua partida, nem mesmo a Eternidade é capaz de fazer com que a gente esqueça!

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Respeitar o indivíduo, respeitar a democracia

Sou viciado em zapear. Me explico: quando não há algo muito interessante, troco de canal e, muitas vezes, repito este processo. Em algumas ocasiões, lembro daqueles que assistiam à Sessão da Tarde. Hoje, teriam muitas "sessões da tarde", às vezes, como dizia meu pai, "com filmes inéditos... esta semana!"
Também gosto de acompanhar o final dos filmes, a parte em que as coisas se resolvem. Numa noite de sábado acompanhei dois: Nanny McPhee, a baba vivida por Emma Thompson, tendo em Colin Firth o viúvo desesperado para criar sete pestinhas! E a célebre frase: "quando precisam de mim e não me querem eu fico. Quando não mais precisam de mim, mas me querem, aí eu vou embora".
O outro foi Toy Story 3, quando Andy vai para a faculdade e decide levar, de seus brinquedos, apenas o Xerife Woody. O que fazer com o resto da turma? Cada um fez parte de uma parte de sua vida. É como se restassem as lembranças dos momentos - bons e maus - que deram sentido às etapas da infância e do início da adolescência.
A cena emblemática ficou por conta do momento em que, decidido, precisa entregar todo o seu tesouro. Mesmo o Xerife Woody... Por um instante, sua decisão balança. É o tempo de deixar que outros vivam as etapas da vida das quais se sugou bem mais do que se admite, mas estão vencidas. Deixando a impressão de que se leva as marcas que sinalizam o próprio amadurecimento.
Fazer a transposição é saber que muitas são as pessoas que se tornam importantes num momento e, noutro, passam a fazer uma ausência saudosa. Pela morte, distanciamento físico ou apenas por se deixar de conviver seguiram seu destino... E a vida espera que cada um encontre forças suficientes para continuar.
Foi no que pensei ao me deparar com a guerra de informações que se vive ainda em função das eleições. A sensação é de que estamos órfãos de lideranças fortes e consolidadas que auxiliem "quando precisam de mim". Mas que, ainda carentes e engatinhando, o confronto se dá por birra ou infantilismo político.
Esta é uma fase do amadurecimento: as eleições deveriam ser um processo em que fosse natural a alternância de poder (entregar os brinquedos). Mas não o é. Aprende-se pelo jeito mais difícil que o confronto demanda tempo para ser resolvido.. e curar feridas! Tristemente, os projetos são deixados de lado e ambos tem seus "políticos de estimação". Como alertava Albert Einstein: "o meu ideal político é a democracia, para que todo o homem seja respeitado como indivíduo e nenhum seja venerado".

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Fazer política, fazer pastoral...

Falar de eleições, neste momento, é repetir o óbvio: eleitos o governador e o presidente deixam de ser de um partido e passam a administrar o bem de todos. Mas, infelizmente, não é o que vai acontecer. A perspectiva é de que se tenha um país cindido entre os que se julgam vitoriosos e pessoas ressentidas.
O processo eleitoral dividiu os brasileiros. Costurar este tecido rasgado é um trabalho que somente políticos calejados poderiam fazer. E não temos no horizonte lideranças que se mostrem com esta capacidade. Ao contrário, mesmo aqueles que tentam apaziguar os ânimos acabam colocando mais lenha (ou gasolina) na fogueira.
Este deveria ser um dos papeis de lideres religiosos: exercer a profecia sem que se faça o estouro do rebanho. Saber que num momento delicado é preciso ter sensibilidade para ouvir muito, calar outro tanto, e ajudar vitoriosos a voltarem ao equilíbrio e aos derrotados a transformar feridas em experiências.
Conversando com lideranças falava a respeito da palavra "pastoral", da qual se perdeu o sentido original, transformando a atividade em burocracia, especialmente reuniões. Vale recordar: a palavra vem de "pastor", quem cuida de ovelhas. A imagem do "bom pastor" é a figura de Jesus tendo um animalzinho ao colo e dando-lhe o devido cuidado. Não é um tratador de animais que tem uma agenda na mão ou um manual!
Jesus dizia: "conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem." No frigir dos ovos, duvido que muitos destes "homens e mulheres de Deus" conheçam efetivamente o seu rebanho. Por isto mesmo se mostram escandalizados que os meios de comunicação falem em "católicos e evangélicos" apoiando este ou aquele candidato.
A religião se afastou tanto da vida das pessoas que passou a ser mais uma opção... assim como torcer para Brasil ou Pelotas, Grêmio ou Colorado... "Não vou a Igreja, não concordo com os princípios que ela prega, mas me acho no direito de dizer que eu, enquanto "membro" de uma delas, defendo a direita, o centro ou a esquerda..."
Os tempos que se aproximam exigem presença de espírito de todas as lideranças, até as religiosas. Com a definição dos papeis de governo tornam-se mais claras as políticas públicas, mostrando as "unhas" de quem até agora se escondeu sob o manto de um discurso marqueteiro. Como disse um bispo: "a hora de despertar a profecia!"
Reorganizar a sociedade é reunir os dispersos e não deixar que percam a esperança. Uma ovelha no colo e um olhar no horizonte é tudo o que um bom líder precisa. Há um longo caminho a percorrer, porque fazer política, assim como fazer pastoral, é alimentar o sonho de um mundo melhor... quem sabe, a sociedade sonhada por Deus!

Os três silêncios do comunicador cristão

O Encontro Regional de Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, realizado dia 20, em Pelotas, colocou como desafio tratar do tema: "a espiritualidade do comunicador cristão". Dom Carlos Rômulo, bispo de Montenegro e referencial para o Rio Grande do Sul em Comunicação abordou o conceito de espiritualidade e coube a mim a tarefa de trabalhar "os três silêncios do comunicador cristão".
Nos grupos que me convidam para tratar do assunto apresento slide com uma frase: "toda a comunicação inicia pelo silêncio". Falo da oração, meditação e reflexão. Termos utilizados no meio religioso e também nos espaços leigos. Um tempo de amadurecer e formatar uma mensagem, de tal forma que ela tenha o destinatário adequado, seja condizente com o meio e a melhor estrutura para atingir objetivos.
O primeiro elemento - oração - tem tudo a ver com a relação pessoal com Deus, a fé. Neste caso, a comunicação é um benefício colocado à disposição de um dom maior que é o amor. Pode-se dizer que alguém que não tenha resolvido esta relação com a divindade dificilmente será um bom comunicador religioso, porque terá o envólucro de um pacote, mas não terá a essência do presente.
A meditação embasa uma prática religiosa, o jeito como pessoas que possuem a mesma fé acabam vivendo em comunidade. É quando o amor e a misericórdia tomam a forma que traduz para os outros a essência do cristianismo: apresentar uma mensagem que faz sentido para além das paredes das Igrejas. A meditação não é uma teoria que preenche o coração de alguém, mas o combustível necessário para se fazer a diferença no Mundo.
A presença na sociedade tem como substância a reflexão. Que fica transparente numa imagem utilizada por Jesus: "eu sou a videira, vós sois os ramos", a "teia" que une as pessoas a Deus, da mesma forma que as comunidades que existem hoje. Eis porque no centro da espiritualidade na Igreja Católica está a afirmação feita pelos bispos em Aparecida: não estamos sós, "somos a presença da Igreja no coração do Mundo e a presença do Mundo no coração da Igreja."
No trabalho com as dioceses conclui: "fazer comunicação cristã concretiza o sonho de Deus. Somos o rosto, as mãos, os pés d’Aquele que propôs parceria neste fantástico empreendimento que se chama Evangelizar!"  A confiança de que o caminho vale a pena está resumido no pensamento de Luther King; "suba o primeiro degrau com fé. Não é necessário que veja toda a escada, apenas que dê o primeiro passo!"

No dia seguinte...

Não era uma senhora idosa, mas quando subiu um degrau mais alto em direção à seção em que votava precisou ser ajudada por uma moça. Já na porta, levou a mão ao peito e tomou fôlego para entrar na fila. Foi quando ouvi a outra dizer: "força, não podemos desistir!" Do pouco que escutei deu para perceber que já tinha tentado votar e não conseguiu. Parou na biometria. Agora ia dar certo, a filha ajudaria.
Dizer que temos muito o que aprender com o resultado das eleições é o chamado "óbvio ululante". Cientistas e analistas políticos têm em suas mãos uma riqueza de material que precisa ser destrinchado. Até porque, as coisas não foram como pareciam ser. Além das dificuldades que o aprimoramento técnico exige, há um descontentamento por partidos e políticos, não importando a coloração ideológica.
Com toda a aversão que se criou pelo horário eleitoral, nas campanhas anteriores sempre encontrava um ou outro que tinha assistido. Neste ano, absolutamente ninguém! O mesmo se deu para os debates. Fora do meio político ou de familiares de algum candidato - ou com interesses outros... - a apatia foi generalizada. E aí mora uma dúvida, seria mesmo desinteresse ou havia muita gente na moita?
Fomos para as urnas com a impressão de que, em nível nacional, a decisão aconteceria ainda no primeiro turno. A diferença entre as pesquisas e a boca de urna consolidou a maioria silenciosa que entrou calada e saiu no mais absoluto silêncio, achando que precisa participar - nem que seja obrigada - mas com a sensação de inutilidade.
Para os comunicadores, a impressão é de que a aposta em meios tradicionais como o rádio e a televisão já não têm a abrangência propalada. A polarização entre duas candidaturas se deu pela desidratação das demais, reforçando o sentimento de que não houve a decisão por um candidato, mas a rejeição da proposta adversária.
Não importaram os latifúndios de exposição porque se consolidou a informação (e a desinformação) pelas redes sociais, que se prestaram para esclarecer ou sedimentar mentiras travestidas de verdades (fake news). Repetidas por pessoas "idôneas" difícultaram saber quem estava com a razão. Se é que há um lado com razão.
Posso estar enganado, mas se aproximam tempos bicudos. Não apenas até o segundo turmo, mas, especialmente, no pós-eleição. Os panos quentes tem servido mais para esconder estocadas naqueles que não são adversários mas inimigos. No meio de tudo, fica uma população em que aumenta o descrédito, especialmente vendo o resultado das urnas. No dia seguinte, embora no fundo do poço, a única receita é a da senhora cansada, mas que não abriu mão do seu voto: "força, não podemos desistir!"