terça-feira, 29 de setembro de 2020

Suicídio: "me estende a tua mão"


O depoimento do religioso foi carregado de tristeza. Especialmente quando contou o caso do rapaz que praticou suicídio e sua congregação não queria permitir que o corpo fosse enterrado no cemitério da pequena localidade. Aos que diziam: "o senhor não pode!" ele respondia: "não sou eu que vou negar a chance deste infeliz chegar às portas dos Céus, lá, vai ser entre ele e Deus!" Já não haviam argumentos, mas sobraram corpos e mentes destroçados. De alguma forma, sentia-se responsável por não ter entendido aquele "grito silencioso por socorro".

Mesmo que já se esteja no final do setembro amarelo, com a proposta de se afinar os ouvidos para ouvir "um grito silencioso por socorro" é preciso entender que pessoas que chegam a este extremo estão desesperadas por acabar com a dor, não em dar cabo da própria vida. Acompanhou a família, mas tinha muita pena da dor em que passou a viver a mãe do rapaz, que repetia como um mantra: "ele era bom, ele era bom", como se tentasse se convencer de que, numa cultura enraizada no culto à vida, sua criança não havia cometido nenhum crime ou pecado...

Sua tristeza o levou para diante do Sagrado, onde se perguntou porque jovens, pessoas maduras e crianças chegam a este ponto. Recentemente, esta estatística silenciosa foi encorpada por homens e mulheres de religião que talvez tenham dado sinais de que esqueceram da beleza de sua missão para se transformar em empregados do sagrado ou burocratas de algum senhor, tendo perdido por completo o sentido de viver e não encontraram quem os pudesse auxiliar neste reencontro...

O suicídio é a ponta de um iceberg. A Unicamp publicou estudo demonstrando que 17% dos brasileiros já pensou em dar cabo da própria vida. O certo é que, na maioria das vezes, estes sinais são aparentes, sendo possível evitar que os pensamentos virem realidade. O primeiro e mais importante elemento é, com certeza, uma cultura da vida: não ter medo de falar a respeito, quando necessário buscando informações ou apoio de profissionais, já que os números são preocupantes: hoje, no Brasil, 32 pessoas por dia cometem suicídio.

Os números beiram a catástrofe quando se fala da população mundial: a cada 40 segundos uma pessoa se mata, totalizando quase um milhão de pessoas todos os anos. Estima-se que de 10 a 20 milhões tentam, a cada ano. O efeito se transforma em cascata ao se perceber as consequências, especialmente na família: de cada suicida, de seis a dez outras pessoas são diretamente impactadas, sofrendo consequências difíceis de serem reparadas e aliviar pressões de cobranças sociais, culpa, remorso, depressão, ansiedade, medo, fracasso, humilhação...

Especialistas dizem que há um momento em que as marcas da dor são visíveis, mas ainda há resquícios da vontade de viver, resistindo ao desejo autodestruição. A Unicamp recomenda: "quem precisa ajudar não deve se preocupar com o que vai falar. O importante é estar preparado para ouvir". Não é hora de conselhos e apelos religiosos, mas consciência do desejo de dizer "me estende a tua mão!". Ou ser capaz de, juntos, lançar um brado por socorro...

domingo, 27 de setembro de 2020

Santiago dos meus sonhos!

Quem já esteve como peregrino, ouviu a narração ou assistiu documentários e vídeos de viagem de alguém que percorreu os caminhos de Santiago de Compostela (na Espanha), sabe que são necessárias cumprir etapas para as trilhas que duram, em média, de uma semana a um mês, algumas saindo do outro lado do país, ainda na França. Percorrer estradas e caminhos pode ser apenas um exercício físico, uma atividade religiosa, mas também uma parada, um momento de reencontro consigo.

A primeira semana é tempo de acostumar o corpo. Na segunda, vencidos ajustes físicos como as bolhas e o cansaço, enfrenta-se o período mais difícil: a crise - aparecem os ajustes da interação com os companheiros, quando é necessário negociar e ceder, a mente passa a trabalhar as relações humanas e afetivas. Na terceira, se tem a perspectiva da chegada o que intensifica a experiência de grupo. No final das contas, inicia-se a experiência de fé entre você e Deus e um balanço do que já se conseguiu.

A primeira semana - quando o corpo se acostuma com a jornada - pode ser o objetivo do percurso. E não tem nada demais para quem não se sente em condições de buscar respostas para a sua fé ou amadurecer para vencer mais uma etapa na vida. O segundo caso é mais complicado: pessoas de todos os credos enfrentam um tempo de busca pela identidade. Não são somente cristãos/católicos, mas respostas que o dia a dia não oferece pelo fato de que caímos na rotina das nossas relações ou no cumprimento de "deveres" religiosos que sufocam a capacidade de desafiar os próprios limites.

O exemplo citado por muitos caminhantes, na primeira semana, é um pouco da transição que se espera para a jornada: "a mochila passa a ser integrada no corpo", natural para quem cumpre jornadas de trabalho, convivência educacional, de estudos ou religiosos e sabe que, ao passar do tempo, nossas tendências serão sempre estas: vamos incorporando "penduricalhos" físicos ou psicológicos que formam o peso e dificultam o caminhar, mas não sabemos como nos livrar deles ou resumi-los ao essencial.

Tempo de se aprender o desapego do supérfluo e a ausência de pessoas queridas são capazes de nortear diferentes perspectivas. Mais ainda para quem deseja reencontrar referências religiosas. No momento de silêncio, longe dos templos conhecidos e desafiados pela natureza do entorno ou do próprio corpo, sobra o sentimento de que há outros caminhos e outras perspectivas. Especialmente, ao encerrar a jornada, na celebração da acolhida, participando do momento do desapego...

O "Santiago dos meus sonhos"? Gostaria de fazer um "pequeno caminho" comparado aos 800 km que iniciam na França. Caminhada entre amigos (antigos e novos vizinhos, "jovens" do "Em Busca de um Novo Sol" e outros que a vida trouxe). Não teria preparo físico para todo o percurso. Poderia se fazer por "estações". Os que estivessem melhor iniciariam em Pelotas, mas os mais "velhinhos", como eu, começariam ao pé da serra onde fica o Santuário e Pousada de Guadalupe. Com direito a pernoite e, na volta de uma fogueira, percorrer os cadernos de músicas da Lucinha e da Hilda, contando as muitas histórias que ainda guardamos... Ôh, e que histórias!

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Aposentados, mas não mortos 4


A discussão dos últimos dias a respeito de como pagar a conta da pandemia colocou na sala um bode e já despertou reações: a equipe do governo federal vazou a informação de que os burocratas da economia pensavam em diminuir os índices de reajustes dos proventos dos aposentados, assim como, voltava-se a acenar com a possibilidade de que a sua atualização não fosse mais vinculada aos índices com que também se tenta recuperar a capacidade de ganho do salário mínimo.

Percorrendo o Brasil, especialmente em lugares onde sua popularidade não alcançou o que julga ideal para tentar um novo mandato, o presidente apareceu na televisão esbravejando e se fazendo de perdido em meio à papelada e números, afirmando que não tiraria dos pobres para alcançar aos miseráveis... Bravata que gerou, em seguida, reação dos economistas, que voltaram atrás e informaram que não foi o ministro o ameaçado de receber cartão vermelho, mas é certo que alguma cabeça irá rolar...

Engraçado é que, nos mesmos dias, o Congresso anunciou o fim de uma ajuda de custo (correspondendo a um salário), quando os deputados se mudam para Brasília ou saem de lá. Mesmo se reeleitos, recebem novamente o recurso e, se morarem na capital federal, também vão ser agraciados. Este é só um dos muitos exemplos de penduricalhos - mordomias e benefícios - que os políticos se dão ou, pressionados por altos escalões dos três poderes, distribuem como mimo entre seus pares...

Uma das maiores excrescências se chama "auxílio moradia", distribuída às custas do erário público com critérios, no mínimo, duvidosos, legalizados às custas de lobismo no Congresso, onde sua capacidade de "convencimento" é altamente comprovada. Pergunta: a lei não é "igual para todos"? Então, porque para alguns ela parece ser "mais igual"? Se os recursos são públicos (para todos), porque alguns se beneficiam, enquanto a população é arrochada e busca um jeito de não cair na miséria?

"Aposentados, mas não mortos" foi uma série de artigos que escrevi mostrando o quanto a categoria dos aposentados dá sinais de que se mobiliza e pressiona para evitar perdas nos seus benefícios. Já levou um golpe com a antecipação do 13% salário, gasto, muitas vezes, no apoio a familiares que perderam emprego ou tiveram seus vencimentos diminuídos. Não foi por falta de aviso: foi alertado que este dinheiro irá faltar no final do ano para gastos anuais e movimentação da economia...

O que se precisa, urgentemente, é reformar a máquina pública, preferencialmente, por uma Assembleia Constituinte, onde se faça valer o princípio da igualdade entre todos os brasileiros. Os cofres estão raspados não pelo auxílio destinado aos mais pobres, mas pelo efeito carrapato que sugou os recursos num sistema que se tornou legal, mas demonstra, na parcela da população que jogou na marginalidade, o quanto é imoral!

domingo, 20 de setembro de 2020

20 de setembro: em busca de uma identidade cultural


Este ano, as comemorações do 7 de setembro - Independência do Brasil - e o 20 de setembro - Revolução Farroupilha - estão sendo bem diferentes dos anos passados. Os tradicionais desfiles, em ambas as datas, assim como os festejos, especialmente organizados pelos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), tiveram que apelar para as transmissões pela internet e, claro, não tiveram a mesma graça... Os desafios musicais, de dança e declamações tem muito daquele sabor de pertença que, mesmo que possa ser mal contada, é uma parte da nossa história, ficando ainda melhor quando se veem crianças caracterizadas e até recém nascidos saindo da maternidade com roupinhas típicas.

Um toque de gaita, de pandeiro ou violão num dos ritmos que agitam os bailes e apresentações tem uma chama de identidade. Junto com nossos irmãos do Uruguai e da Argentina, somos os GAUCHOS, mais do que as roupas que vestimos, um sentimento de que ainda mantemos um pouco do nosso orgulho, que foi se deteriorando com tempos em que o próprio Rio Grande deixou de ser referência política, cultural e econômica, entrando em dificuldades bem visíveis quando comparamos com o ranking dos demais estados da federação.

Tristemente, sobrou uma glamourização sem sentido de um gaúcho de representação, em tese "recuperado" a partir de meados do século passado, quando mais se buscaram registros que atendiam a um meio estudantil sedento por criar uma novidade do que representando o então homem do interior, que já sofria com os problemas da pobreza e da miséria e que viveu o êxodo percorrendo estradas difíceis e com muitas dificuldades engrossando a fileira daqueles que já estavam nas vilas e bairros das médias e grandes cidades.

Recentemente, num programa de rádio, lembrei de duas situações que ouvi ou fiz parte. Uma delas era do chimarrão tomado na avenida Bento Gonçalves. Década de 70 e nós, então jovens de grupo da paróquia Santa Teresinha, aproveitávamos o caminhão do pai do Geraldo para juntar a turma e ir passear e chimarrear no point jovem. "Coisa de grosso", como nos diziam, porque ainda não se costumava matear em público. Mas era uma diversão, especialmente andar de caminhão em meio aos carros da garotada que desejava passar, apressadinhos, buzinavam e o Geraldo ameaçava dar ré... e era uma debandada só!

No outro caso, contei que meu pai tinha muitos irmãos - se não estou enganado, ao todo eram 12 - e muito pobres. A farinha comprada para o pão vinha em sacos brancos que eram devidamente lavados e depois transformados em roupas. No caso das meninas, faziam os modelos completos, mas os meninos eram vestidos como um grande camisolão em que se adaptavam o pescoço e os braços, sem usar mais nada... Contava que, quando apareciam visitas eles disparavam em direção aos matos ou às sangas, que ficavam próximos das casas...  Há versões diferentes, mas a do meu pai era esta.

Depois disto, meus pais e muitos dos meus tios e primos foram em direção da cidade... Numa época em que ainda era relativamente fácil conseguir emprego, alugavam uma casa e, sempre com muitos sacrifícios, chegavam a ter a residência própria. Em alguns casos, saíam para servir ao Exército e, já na cidade, de lá não voltavam mais... 

Não convivi com todos eles, mas não lembro de alguém dos meus parentes ou dos jovens das vilas terem sido tradicionalistas dos quatro costados. Eram gaúchos de raiz, de lugares onde a mistura se dava com índios, negros, bugres (nem sei se tinham bem ideia de uma definição do que eram bugres). Uma das discussões que sempre faço nesta ocasião é que, infelizmente, a chamada "cultura gaúcha" virou cultura de grupos organizados, mas não é a cultura da população. Que, aliás, hoje, nem se pode dizer que tem uma cultura. 

A pandemia somente acentuou os problemas que já vinham se apresentando e vai tornar mais difícil ainda a arte da sobrevivência... Mas é exatamente nisto que o 20 de setembro, especialmente, pode nos ensinar: a busca por uma cultura que ainda não temos. A revolução de hoje é o sentimento de que "vai passar". O novo normal pode ser, sim, um tempo em que mais gente seja capaz de estender o olhar por sobre as nossas coxilhas, confiantes de que, precisamos plantar a solidariedade... se quisermos colher a a esperança!

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A lição que não aprendemos


A pandemia já está cansando, mas ainda não mostrou por completo suas garras: elas serão a consequência do que irá acontecer a partir do momento em que se tiver uma vacina e estabelecer um marco real de mudanças - o resto são especulações - de como a vida vai continuar no chamado novo normal. Atenção e cuidados com a saúde, a economia que já estava fragilizada tentando se recuperar dos escombros e relações pessoais refazendo um patamar que precisa de especial atenção dos educadores.

O problema é que se misturam "alhos com bugalhos", no caso, agora, eleições com o retorno às salas de aula. Embora se negue, esta pressa em reativar o ensino presencial tem, claro, a pressão de muitos pais que enfrentam problemas para manter os filhos em casa, mas também de autoridades que deveriam tomar a si o ônus da responsabilidade e, literalmente,"bater pé", impedindo que se viva, aqui, as dificuldades que outros já viveram pelo Mundo, quando se deixaram seduzir por argumentações duvidosas...

Verdade, que um dos problemas está nas famílias, onde pai e mãe que ainda têm emprego e precisam continuar trabalhando. Muitos casos onde um deles necessita se atrasar para deixar o filho na escola; em outros, abandonam o emprego para ficar em casa cuidando das crianças; ou perdem o trabalho por se ausentar em turnos em que, de outra forma, deixariam os menores sozinhos. Sentem-se abençoados quando um familiar mora próximo e podem dividir a responsabilidade como cuidadores.

As imagens do retorno às atividades presenciais, de longe, deixam claro que os alunos não estão voltando para as "suas" antigas escolas. O novo normal se assemelha a um ambiente hospitalar, onde imperam cuidados com a higiene, o distanciamento, o uso de máscara. Alegria e folguedo deram lugar a rostinhos que preocupados, pois, se de um lado, gostam das "profes", dos coleguinhas e dos ambientes, sabem que não é aquele ambiente do qual sairam, nem o mesmo para onde pensaram em retornar...

Há uma lição que não aprendemos e, que, infelizmente, não vamos aprender. Um passo adiante na nossa capacidade de empatia seria fazer concessões, apertar os cintos, abrir mão de privilégios, ou, ao menos, simplificar gastos e adiar investimentos. É um tempo de continuar ou entender como lidar com a solidariedade, iniciando em família, passando por quem está em necessidade, também por campanhas de doação de sangue e vaquinhas (vakinhas) arrecadando recursos para tratamento médico.

Não é hora de retornar às atividades presenciais. Assim como não é hora de eleições... A educação é o desafio da pós-pandemia. Reformatar a vida pode, sim, passar por um "ano perdido" na caderneta de notas, porém com o "reforço" na primeira escola que se chama família, onde se dá o básico: a formação do caráter. Então, se for o caso de escolher entre ficar mais pobre ou a saúde das crianças, de fato, não há o que discutir...

domingo, 13 de setembro de 2020

Novo normal: "trupicando" na comunicação

A conversa estava indo muito bem, até que a minha amiga esqueceu que estávamos em videoconferência e foi virando o celular... lá pelas tantas, só enxergava o topo da sua cabeça e uma boa parte do teto. O idoso que fazia sinais desesperados reclamava que não conseguia ouvir o que os demais participantes do grupo estavam dizendo... até que se deu conta: não havia ligado o microfone! A comunicação iniciou muito boa, até que a conhecida quis se exibir... resolveu ligar o viva voz do celular e começou aqueles altos e baixos, assim como o som se mostrando truncado!

Até o inicio da pandemia, as redes sociais eram coisas para a gurizada e as atividades a distância engatinhavam. N
o desespero, começaram a aparecer como a salvação da lavoura. Ajudam nas atividades profissionais, com uma significativa parcela de pessoas atuando desde as suas casas; assim como servem de escape para pacientes que estão em isolamento não perderem o vínculo com pessoas mais próximas. E, ainda, aqueles que estão em grupos de risco pensarem duas vezes antes de se exporem nas ruas, quando podem fazer compras, buscar informações sobre atividades de grupos, assim como manter o relacionamento pessoal e familiar.

A comunicação é uma atividade intrínseca ao ser humano. Um dos fatores mais importantes das nossas vidas é a interação com o outro, que somente pode ser feita pela comunicação. Minhas atividades relacionadas a esta área com grupos de formadores de opinião sempre iniciam pelo elementar: o primeiro e maior instrumento de comunicação que se tem é o próprio corpo. Ele é o cartão de visitas para apresentarmos nossas mensagens. A postura, as ações, a expressividade reforçam ou dificultam a assimilação do que se tem para dizer.

Quem prestou atenção a como se desenvolveram estes processos sabe que os mais jovens praticamente nasceram usando e abusando das novas mídias. Para os de meia idade, é como aprender a dirigir mais tarde: tenho que pensar que vou fazer uma primeira, passar para uma segunda e, até, que fiz algo errado e vou bater! Mas é nos olhos dos idosos que vai se vendo o encanto: as primeiras imagens ainda eram vistas com a cobrança pelas fotografias impressas, depois o prazer de manipular um tablet e encontrar pequenas alegrias e o carinho com que se pode falar com filhos e netos, mesmo à distância.

As redes sociais são meios de comunicação poderosos para se viver de forma diferente, este momento. Uma mensagem pré-pronta, um recado de voz, um bilhetinho... lembranças de que alguém, de alguma forma, esta preocupado e gastou um instante de carinho para dizer o quanto lhe somos especiais. Mas é apenas um meio, que pode ser utilizado ou não, abençoado ou amaldiçoado, empoderado ou desprezado.

Toda a comunicação - da grande mídia até aquela que alimenta as relações pessoais - é instrumento que deveria auxiliar no processo de humanização. Não se pode condenar o meio, quando é o homem que lhe atribui a possibilidade de ser bem ou mal usado. As conferências em família, as reuniões de trabalho, as aulas a distância, as lives de formação, de reflexão e entretenimento, as transmissões de Missas e Cultos... 

Um mundo de alternativas que passa por um novo olhar sobre um velho "instrumento": o homem, capaz de se reinventar e ressignificar a forma como estabelece seus relacionamentos. Como diriam os mais antigos: às vezes "trupicando", mas não deixando de fazer caminho, especialmente quando este caminho nos leva para mais próximo daqueles que a gente ama!

terça-feira, 8 de setembro de 2020

O rosto da fome: um choque de realidade


O rapaz que está a serviço de uma instituição foi designado para atender, com o seu grupo, a um sopão coletivo. Seu trabalho era recolher as vasilhas que as pessoas da vila traziam para o alimento servido de acordo com o número de pessoas da família, declarado num cadastro. Toda a preparação foi feita no ritmo de jovens que se empolgam em realizar uma ação e estão mais para festa do que para o trabalho. Até que começou a se formar em frente à barraca montada para o serviço um autêntico desfile da miséria e da fome...

Alguns chegavam com panelas velhas, latas, recipientes reaproveitáveis, como caixas de leite e garrafas pets cortadas. Contou para a mãe que nunca tinha visto o olhar e o rosto da fome... Em "velhos" - idosos, mesmo, ou envelhecidos pelas dificuldades; mulheres que disputavam a tapa até os resquícios de comida que ficavam espalhados pelas mesas; mas, especialmente, crianças, onde o olhar já não tinha mais sentido, apagado, sem perspectiva, achando difícil continuar mendigando, nem que fosse o pão nosso de cada dia.

O número de atendimentos saltou e, o que se vê, é que a caridade praticada por alguns têm sido insuficiente, especialmente porque as ações governamentais, em todos os níveis, têm sido discretas, quando não ausentes. A Igreja Católica, em Pelotas, movimenta-se pelo Instituto de Menores, Cáritas Diocesana, Banco de Alimentos Madre Tereza de Calcutá, paróquias e comunidades. Mas, também, evangélicos, espíritas, umbandistas, do meio judiciário, banco de alimentos de Pelotas estão na ativa e sentindo o quanto precisam e poderiam fazer mais.

O Instituto de Menores dispensou as crianças por orientação do poder publico, sem deixar de atender às famílias, também não se negando a auxiliar aqueles que vem de outros bairros. Seu serviço se dá com a retirada de ficha um dia antes e, tristemente, faltam gêneros, porque o número daqueles que procuram é bem maior do que as sacolas que arrecadam. Intensificaram o recolhimento por conta bancária, retirada nas casas e convênios com alguns supermercados, onde, na compra de uma cesta de alimentos, a empresa dobra a doação.

Frei Cleiton Oliveira participou da live Partilhando (arquidiocese de Pelotas). Falou sobre o projeto "laços e afetos de solidariedade", realizado no bairro Fragata.,,, Trabalham a necessidade de se tomar consciência das perdas de pessoas queridas, que pode ser um estímulo a se continuar vivendo, em especial, atendendo àqueles que estão carentes e sem condições de esperar que se acionem os mecanismos emperrados das máquinas públicas. 

O menino viu nas pessoas atendidas o rosto da fome e tomou um choque de realidade. Os ambientes protegidos onde circula em família, entre amigos, na escola, não prepararam para o quadro da miséria e da dor, de homens e mulheres embrutecidos por suas carências. Levou um tempo para recuperar o sorriso fácil e brincalhão. Mas, ao contrário, infelizmente, o isolamento social, em muitos casos, serve apenas de desculpa para que se assista ao "espetáculo" de quem tropeçou na vida e busca a solidariedade, que está se tornando cada vez mais difícil...


domingo, 6 de setembro de 2020

Vacina: cuidar de si, cuidar dos outros...

Quem transita pelo bairro Santa Terezinha e passa pela avenida Vinte e Cinco de Julho, em frente à igreja do mesmo nome, encontra o condomínio Terra Nova. Nem imagina que, antes do conjunto residencial, ali era uma nesga de terra que costeava a Vila Silveira, até a última de suas ruas. Mas, antes ainda, havia um mato de eucaliptos, lugar de brincadeiras para a gurizada e de estadia nos finais de tarde mais quentes. Paralelo às ruas da quadra havia um caminho que costeava as cercas e facilitava o acesso ao colégio do Padre Roberto (era a Escola Paroquial de Santa Teresinha) e o posto médico.

Aí começava o problema. Nossa família se revesava quando precisava de algum atendimento para as crianças, especialmente os mais novos, o Renan e a Daniele. Normalmente, era a minha irmã, a Leonice, ou o pai, seu Manoel, que os levavam para consultas ou para as vacinas. Numa das ocasiões, nem lembro porque, tocou para que eu os levasse. Saímos muito bem, até chegar ao fim da primeira entrada da vila, quando iniciava o caminho, já bem próximo do posto. A Daniele, ao avistar a fila de pais, responsáveis e crianças, já foi anunciando: "eu vou chorar!" e, de fato, abriu o berro, antes mesmo da picada da vacina. O Renan foi taxativo de que não iria chorar, e se manteve valente, não chorou...

A dona Alda foi nossa vizinha por longos anos. Parceira do chimarrão, sempre tinha histórias para contar e gostava de ficar à janela, numa banqueta mais alta, para "frestear" o movimento da rua. Em muitas ocasiões, reclamava que não passava ninguém. Hoje, iria se fartar de tanta gente. Mas, não vem ao caso... Quando apareceram as vacinas contra as gripes para os idosos, foi taxativa: não iria se vacinar. Meus pais já iam ao posto todos os anos e bateu a curiosidade: o que a impedia? Depois de muitas conversas, comentou: um parente tinha lhe dito que a vacina era um jeito do governo matar os velhinhos. Com isto deixaria de pagar os salários da previdência...

Quando meus pais já não tinham mais condições de ir até o posto de saúde a pé, ainda, por alguns anos, levei-os de carro, sem muitas dificuldades. Quando começou a se tornar difícil, solicitei e prontamente passaram a ser atendidos a domicílio, com um efeito colateral: eu também passei a me vacinar e o podiam fazer todos os que estivessem na casa. Numa ocasião, estavam trabalhando na limpeza uma menina e um rapaz (juro que não vou dizer o nome) que é o nosso faz tudo, desde pintura, consertos, limpeza de vidraças e caixas d'água... Avisei que, se quisessem, poderiam ser vacinados. Quando as técnicas terminaram conosco, procurei por eles: pura e simplesmente, tinham desaparecido!

Foi do que lembrei quando passou a se discutir a questão da obrigatoriedade da vacina ou não. O próprio presidente da República defende que não se pode obrigar ninguém a se vacinar. Por outro lado, tenho que concordar com aqueles que defendem que os contrários à vacina também devem ser proibidos de receber tratamento em caso de contágio. Embora saiba que, na prática, isto é impossível. No Brasil, o direito à saúde é universal e negar qualquer atendimento é um cerceamento constitucional. Triste pensar que autoridades estimulem a que pessoas possam se infectar e transmitir o vírus, especialmente para aqueles que estão em grupos de risco, sem que sejam responsabilizados.

A vacinação de idosos mais recente mostrou um aumento substancial na adesão. Pena que não por consciência do bem que lhes faz e dos benefícios na relação com as outras pessoas. O que motivou muita gente a ir aos postos e receber a vacina foi o medo da morte e do sofrimento causado pelo coronavírus. A tecla continua sendo a mesma: é uma questão de educação. Que precisa gerar a cultura da prevenção: um jeito da gente cuidar de si mesmo e do meio onde se vive para que, o que se chama de qualidade de vida, não seja apenas um sonho, mas uma realidade palpável para um maior número possível de pessoas.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Falsos pastores e a fé popular


Conversando com pessoas de variadas filosofias e religiões, a pergunta é: "o que está acontecendo?" Gente simples desejando saber o que se passa com padres, pastores, pais de santo, lideranças espíritas... Não sei explicar o que transtorna quem se diz representante de Deus e acaba, exatamente, mostrando caminhos diferentes: a ganância por dinheiro e poder. Um tempo difícil em que a fé das pessoas é posta à prova por aqueles e aquelas que deveriam ser testemunhas vivas dos seus credos.

O curandeiro João de Deus levou para Abadiânia (Goiás) pessoas desesperadas. Inicialmente das redondezas, passou a atrair a atenção de todos os cantos do Brasil e virou fenômeno na mídia internacional. Além do povo, políticos e artistas chegaram à casa Dom Inácio de Loyola em busca de cura e de consolo. O médium que dizia fazer  a intermediação com o divino foi denunciado e condenado pelo estupro de mais de 300 mulheres, falsidade ideológica, corrupção, coação e posse ilegal de armas.

Pastora, cantora e deputada federal, Flordelis é a mulher que chegou a afirmar que sua família era seu bem maior. Atualmente com 55 filhos, entre acolhidos e de fato, transformou-se em organização criminosa, apontada como responsável pela morte de Anderson do Carmo (que antes sofreu tentativa de envenenamento). Inicialmente, adotado por ela, passou a ser "genro" - namorava uma de suas "filhas" - e acabou sendo seu marido, com o qual fundou a Comunidade Evangélica Ministério Flordelis.

Preso, no Rio, o pastor Everaldo é acusado de participar de esquema de corrupção e lavagem de dinheiro, especialmente recursos destinados ao enfrentamento da pandemia do coronavírus. Mentor do então "católico" Jair Messias, que batizou no Rio Jordão, preparando evangélicos para a sua escalada ao Planalto. Depois, trouxe Wilson Witzel (agora em processo de impedimento como governador do estado do Rio de Janeiro) para a política, "inventando" a candidatura de um desconhecido juiz federal.

Abatido e acuado. Esta era a imagem do padre Robson na entrevista ao Fantástico. Chegou ao ponto de dizer que o desvio e lavagem de dinheiro vindo da doação de fieis "foi com a melhor das intenções", esqueceu de que, de bem intencionados, até o inferno está cheio... O destaque da TV do Divino Pai Eterno foi traído por um sonho megalomaníaco: a construção da basílica de Trindade, em Goiânia. Com todos os ingredientes dos livros e filmes de suspense, envolvendo dinheiro, poder e sexo.

Líderes carismáticos que manobram a fé popular: a tentativa do povo de se expressar, nos grotões ou nos meios urbanos. Por simplicidade e carências, precisa de quem zele por sua religiosidade. É então que encontra aproveitadores - Jesus os chamou de "falsos pastores". Desprezam a crença alheia e dela se aproveitam. A hipocrisia de quem não tem consideração com a fé dos outros e mostra a pobreza do seu caráter.