sexta-feira, 29 de abril de 2022

Senhor do meu próprio Destino...

Era apenas o sonho de uma noite de Outono.

A lua foi chegando, ainda durante a tarde,

sem alarde e sem que alguém prestasse atenção.

Antecedeu o desfile de corpos celestes

que pontuariam o firmamento.



Aqui e ali um pássaro se acomodou na copa de uma árvore,

para dormir ou procurando um lugar melhor

que permitisse contemplar o espetáculo que se anunciava.

Na barra que tingiu o horizonte,

o Sol insistia em se manter presente,

multicolorindo a sua despedida.



A curiosidade e o encanto

não permitiam que tirasse os olhos dos céus.

Quedei-me em silêncio,

ao pressentir a grandiosidade dos

astros e estrelas que venciam o breu da noite.



Por horas fugidias, a Lua se apresentou como protagonista,

tendo, no seu corpo de baile, artistas que

não se importavam se tinham brilho próprio ou não.

Apenas desfilaram as Três Marias, a Menina, a Carina, a Maya, a Mira...

E, por fim, quando já ameaçam os primeiros raios do Sol,

a eterna dama da madrugada, a Estrela Dalva.



Quando o sono pesou os meus olhos,

o melhor caminho foi seguir, dentro da noite.

À espera de que, do outro lado da escuridão, surgisse a aurora,

com a promessa de um novo dia.



No tempo em que a escuridão adensa e a noite se despede,

o sereno da manhã me encontrou preso no meu próprio abraço.

No limiar do sonho, o derradeiro encanto:

faço parte desta imensidão que beira ao Infinito.

O Universo que me acolhe murmura:

o caminho por entre astros e estrelas

é o desafio de me tornar Senhor... do meu próprio Destino!

terça-feira, 26 de abril de 2022

Educação: o lugar onde se concretizam sonhos

As recentes denúncias de que “pastores” intermediavam verbas do Ministério da Educação com prefeituras, mediante propina, deveria ser chamada de “ponta do iceberg” para tornar transparente (republicana) a forma como se faz política (e politicagem) no Brasil. Nos últimos anos se viu uma promiscuidade entre o setor público e lideranças religiosas – tradicionais ou não - que se deixaram seduzir pelo apelo do dinheiro e do poder. Podem até ser “bem-intencionados”, mas não se pode esquecer que, no ditado popular, se diz: “de bem-intencionados, até o inferno está cheio!”

Homens e mulheres ditos “consagrados” – sem importar o tamanho de sua igreja - não podem priorizar atividades administrativas e financeiras. As religiões cristãs tradicionais demonstram que não conseguiram formar adequadamente novas lideranças, mesmo com escolas e universidades confessionais. Com isto, funções elementares de controle foram assumidas por seus líderes. A proliferação de igrejas neopentecostais, com menos quadros ainda, expôs as fragilidades de uma atividade centralizadora, sem o compromisso de prestar e tornar as contas transparentes.

Infelizmente, não existem políticas reais de preparação de lideranças. O que leva, em alguns casos, a buscar, no mercado, profissionais que respondam pelo processo administrativo e financeiro. Eles têm os vícios e as manhas de origem, consequentemente, até podem ser cristãos, mas não têm visão cristã de responsabilidade social. Alguns podem até ter, mas é exceção, não a regra. No caso das igrejas tradicionais, o fato de que os líderes ocupem tal função significa que não confiam na competência dos leigos, por um lado, e que não foram capazes de formar lideranças, por outro.

Passando pela discussão ética e moral, para além da religiosa, estão sendo expostas as entranhas de negócios sujos que possuem a bênção de alguns mercenários da fé. O mais difícil, nesta hora, é vestir a túnica da humildade. Talvez a veste mais “apertada” (questionadora) de se colocar sobre o corpo, já que é comum que mais próximos os coloquem em patamares onde se julgam sabedores de todos os assuntos e capazes de dirigir qualquer atividade. Hoje, não é assim. Lideranças mais antigas sentem-se perdidas num tempo em que são ouvidas de menos e atendidas menos ainda.

O aparelhamento do Ministério da Educação e Cultura por supostos religiosos é danoso ao país e às religiões, em todos os sentidos. Infelizmente, os gastos com o setor público têm se mostrado bem maior do que os investimentos que efetivamente retornam aos alunos e às escolas. Gasta-se com a máquina – mal ou bem – aquilo que não se gasta com o cidadão. O país já vinha de mal a pior antes da pandemia e o fechamento das escolas por mais de 200 dias transformou-se num recorde da incompetência e do descaso, longe de alcançar uma média de qualidade sofrível.

Homens e mulheres que se dizem “crentes” deveriam se preocupar com as previsões negativas da educação, que deve ser leiga, a serviço de toda e qualquer pessoa, com ou sem religião. Aumentou em 60% o número de crianças não alfabetizadas e as mais velhas, em Português e Matemática, voltam dez anos atrás. Quem deveria testemunhar a palavra de Deus, como instrumento de denúncia e transformação, torna-se algoz da sua própria gente. Solapam um ministério que deveria ser o lugar onde se concretizam sonhos. Hoje, torna-se, dolorosamente, o lugar onde morrem as esperanças…

domingo, 24 de abril de 2022

Precisa-se de uma família...

Não era sequer um caminho, apenas um trilho formado no arrastar dos pés por sobre a grama que ainda viceja na encosta, ligando os bairros Quartier e Quinta do Lago. Embora acidentado e irregular, fiz passagem, na caminhada, lugar bom para fortalecer as pernas. Na manhã de sábado, vi um casal que descia acompanhado de um menino e esperei. Quando a criança me viu, soltou-se na encosta e desceu rápido, com os bracinhos abertos. Segurei-o e os pais se mostraram surpresos: “ele nunca fez isto!”. Respondi: “pensou que era o avô”. E o pai, sentido: “mas ele não tem avós!”

No dia 5 de junho, completo 67 anos. Na mesma data, completaria 80 anos meu primo e padrinho, o Valdemar. Poderia brincar que fui o presente de 13 anos para ele. Próximo da mãe, convidaram para ser meu dindo. Por toda a vida, ganhei um amigo e um anjo que acompanhou, especialmente a dona França, até o seu finalzinho. Daqueles “padrinhos” que assumem o compromisso em auxiliar os pais, no meio rural, zelando por seu afilhado. Na véspera do dia em que seu coração parou, pude tomar um chimarrão, sozinho com ele, para aquilo que mais gostava: uma boa e gostosa conversa.

A live Partilhando recebeu o casal Carlos André e Adriana. Referências para a Pastoral Familiar e o Movimento Familiar Cristão de Rio Grande e, hoje, em nível nacional. Quando falaram do material para trabalhar com futuros casais, confesso, fiquei preocupado. Achei “burocrata”, mas, também, com uma pulga atrás da orelha ao dizerem que eram “catequistas”. Como assim? Foi um belo testemunho, ao mostrarem que transformam teoria em prática, acolhem um casal em suas casas para que conheçam, na realidade do dia a dia, como se acerta e como se erra em constituir uma família.

O Movimento Familiar Cristão de Pelotas está programando a sua volta às atividades presenciais e tem um grande desafio que foi sintetizado na proposta do encontro que pretendem fazer no final de junho: “A volta das famílias à Igreja e aos Movimentos, no pós-pandemia”. Pensando que muitos querem voltar, outros ainda tem receios e alguns acabaram ficando ao longo do caminho… Atividades religiosas são marcadamente presenciais, o que não impede que se busquem formas adequadas de tratar de doentes e idosos, por exemplo, que ainda precisam de resguardo e atenção.

A família, hoje, não é formada apenas por pais e filhos. Quando este grupo se restringe, perde o sentido, especialmente do que é o afeto de avós, primos, tios, dindos, “agregados”, com ou sem laços de sangue. Em muitos casos, quem vive sob um mesmo teto divide a responsabilidade de cuidar uns dos outros. Aprende o respeito pelo espaço alheio e defender o grupo com o qual eu até posso brigar, mas que ninguém se julgue no direito de fazer o mesmo! Ali, as conquistas da vida iniciam por pequenos reconhecimento de acertos, mas também no consolo dos erros que se cometem.

Precisa-se de um grupo de acolhida e de referência para uma sociedade que emerge desta pandemia fragmentada e fragilizada. O pós-pandemia confirma problemas que se tinha e que grupos sociais – incluídas igrejas – precisam focar na educação e na família. Educação é o lugar para recuperar referências do conhecimento, em especial, os profissionais. Na família, encontra-se o necessário suporte afetivo. Não é fácil. Família não vem com manual de instruções. Entre rusgas e colos, é o porto seguro onde se recarregam energias e se encontra o sentido para fazer a vida valer a pena!

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Fragmentos de memórias esquecidas...



São muitas as vozes que emergem com as minhas lembranças.

São muitos os risos que voltam com as minhas memórias.

Trazem junto os rostos, as expressões, o jeito de ser

de cada um daqueles que cruzaram e marcaram minha vida.



De todas as idades, de muitos lugares, em variadas circunstâncias.

São etéreos os sinais que deixaram em meus sentidos.

Não dão explicações do porquê das suas aparições,

apenas se fazem presente e acalentam o meu espírito.



Inebriam meus sonhos,

brincam com os meus silêncios,

surgem quando entristeço,

me fazem pedir desculpas quando espero por um rosto

que não mais se pode fazer presente.



Trago a tatuagem inconfundível das lembranças

por sobre todo o meu corpo.

Não tenho o poder de controlar sua presença,

apenas me conformo em saber que

são bálsamo para as minhas feridas

e não me deixam esquecer de que existiram.



Tenho as marcas do fogo da saudade,

que não queimam, apenas aquecem,

e entalham sobre meus olhos a certeza de que pertenço

a um mundo que confunde as fronteiras do tempo,

entre o que é o presente e o que sonhei no passado.



Não importa para onde partiram.

Importa o que me deixaram,

foram muitas as histórias que ficaram guardadas,

confinadas ao sentimento de que ainda estão incompletas.

E que, nas dobras do tempo, escondem-se

fragmentos das memórias que eu não poderia ter esquecido…

terça-feira, 19 de abril de 2022

De novo: alerta aos aposentados!

A partir do dia 25 de abril, o governo federal repete o que já fez recentemente: antecipa o pagamento do 13º salário para aposentados e pensionistas. O mesmo esquema que usou nos últimos dois anos: duas parcelas depositadas em meses subsequentes, iniciando por quem tem vencimentos de um salário e, no início do mês seguinte, aqueles que recebem mais do que este valor. Este é o primeiro alerta necessário: prepare-se para receber agora a metade e a outra metade depois de um mês. Serão parcelas pagas com os vencimentos dos meses de abril e maio, respectivamente.

É necessário não confundir: alguns pensam que é o 14º salário, em tramitação no Congresso, e que, por todas as sinalizações, não sai este ano, sendo um dos fatos mais concretos a própria antecipação do 13º. Na real, é preciso que o aposentado se dê conta de que o dinheiro depositado agora não é nenhum recurso extra, mas o que estava previsto para o final do ano, quando não terá mais nada para receber. Então, se não for necessário, especialmente para saldar dívidas, não caia no canto da sereia de bancos que falam na oportunidade de fazer uma boa compra ou aquela viagem sonhada…

O alerta se deve à experiência realizada em 2020 e 2021. A antecipação é boa para o governo que, em tempos de vacas magras, injeta na economia um volume grande de recursos. Quanto mais dinheiro em circulação, mais negócios são feitos, aumentando a produção. Sabendo que será um dinheiro que vem em plena campanha eleitoral, supostamente, “beneficiando” aposentados. Sem que se tenha aprendido a lição de que gastar com antecedência significa a necessidade de encontrar fonte para, no fim do ano, pagar IPTU, IPVA, além do material para a educação de filhos e netos.

O que é bom para os economistas nem sempre é bom para o cidadão. É o caso da antecipação do 13º para aposentados e pensionistas. Pode até ser vendido com a ideia de que ajuda, mas, com certeza, não resolve os problemas. Especialmente quando as populações de baixa renda veem o seu real valor de compra diminuir com a inflação que não é mais uma perspectiva rondando nossos bolsos, mas a realidade que diminui o poder de compra e a qualidade de vida. Com as experiências mais preocupantes nas compras que são feitas em supermercados, serviços públicos básicos e saúde.

Não se engane com relação à questão política. O governo não está sendo um papai noel antecipado. Os noticiários de economia foram pródigos em salientar que a arrecadação dos cofres públicos nos primeiros meses do ano foram acima do esperado. “Sobrou dinheiro”, o que viabilizou esta antecipação. Não entro aqui na discussão de que outros não fizeram, mas é uma medida oportunista que demonstra o quanto é uma questão de política decidir que o cidadão também tem o direito de receber o retorno dos impostos escorchantes que, compulsoriamente, é obrigado a pagar.

Aposentado e pensionista pense duas vezes antes de gastar seu dinheiro. Nem caia em tentação de ir a um banco negociar a antecipação do 14º. É furada. Não saindo, precisa voltar e renegociar com as regras deles. Meus pêsames! Se está endividado, paciência, use o 13º e pague as dívidas, ganhando algum fôlego. Senão, guarde até embaixo do colchão, longe dos mais gastadores da casa. A pandemia ainda vai mostrar uma face perversa: a conta para restaurar a economia, para que todos nós paguemos. E o que estava ruim, infelizmente, tem todo o jeito de que ainda vai ficar pior…

domingo, 17 de abril de 2022

Páscoa: foi o coelho ou foi Jesus?

Uma das minhas primeiras dúvidas existenciais (deveria ter consultado o professor Jandir Zanotelli, que tenho como referência filosófica) foi na época de Páscoa – a bela tradição cristã que rememora a ressurreição de Jesus, inspirada na festa judaica de Pesach, memória da libertação do povo Hebreu, ao sair do Egito. Para o cristão, é a culminância da Quaresma (40 dias após a Quarta-feira de Cinzas) e, mais próximo, da Semana Santa, iniciada na significativa cerimônia do Domingo de Ramos quando o Rei dos Reis, em toda a sua “glória”, entra em Jerusalém montado num jumento.

Mas voltemos. O meu problema está com o coelho, que considero injustiçado pela tradição “cristã popular”. Na minha infância não existia o Google e sequer sabia como consultar uma enciclopédia. Somente mais tarde fui saber que o dito animalzinho era referência pela sua fertilidade, o que – numa interpretação que eu considero elástica demais – era figura representativa para a capacidade do Cristianismo de semear e disseminar a palavra de Deus, fazendo novos discípulos para a fé cristã. Com todo o respeito, como diziam as crianças: “coitado do senhor coelho!”

Então, vamos ao meu problema. Quando chegamos em Pelotas, eu estava com 4 anos. Fui para a escola com 6. Neste intervalo, ajudava a cuidar dos bichos que andavam pelo pátio, ou num pequeno cercado. Além do cachorro, o Leão, já idoso, desdentado, sem juba e sem urro… haviam as galinhas e um porco. Não sei quem disse para meus pais que uma carne muito boa seria a de coelho. Prontamente, arranjaram um casal que, depois de pouco tempo, apareceu grávido. Foi um susto quando começaram a nascer os filhotinhos… Era coelho que não acabava mais.

Ainda não se tinha acesso a muitas informações e, para nós, as guloseimas de hoje, com chocolate, não existiam. As cestinhas eram de vime, com “barba de velho” ou papel picado, e as especiarias feitas com ovos de galinha esvaziados, secos, pintados e recheados com amendoim recoberto com açúcar em calda. Os chocolates, assim como os ovos de açúcar, apareceram quando já estava na Escola. E o dilema: como é que as professoras diziam que os ovinhos eram dos coelhos? Já tinha ajudado a criar alguns e esta história, com certeza, não estava bem contada…

Os tempos passando trouxeram novas formas de viver a Páscoa, especialmente em família, ou nos meios sociais em que se vive. Gostava de ver os pais fazendo as trilhas que levavam até o lugar onde o coelho (coitado!) tinha deixado seus ovos. Por dentro de casa, ou nos pátios, eram momentos aguardados e farejados com a brincadeira do “tá quente, tá frio”, que faziam mais a felicidade dos adultos do que das crianças. Depois, os festejos organizados em escolas ou igrejas, onde professores e equipes de catequese se esmeravam em juntar aos doces o gosto da festa cristã.

Fico com a impressão de que o coelho “entrou de gaiato no navio”. Mais ou menos como o pai que – emburrado - é “obrigado” a se vestir de papai noel no Natal para que haja a representação do bom velhinho. Como diria um amigo: “faz parte”. Muitas das nossas tradições desapareceram ou estão desaparecendo. É bom quando se vê que alguns destes eventos voltam e, mesmo que seja no espírito da brincadeira, se faça a “festa” que aproxima pais, filhos, vizinhos e amigos. Nestas “grutas” que se chamam família e comunidade é o lugar onde Deus gesta a ressurreição do Seu próprio Filho!

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Sexta-feira de todas as paixões...

Às vezes, me estranho com as palavras.

Confesso que em muitas ocasiões as usei

- e delas judiei – como quem tenta controlar a sua forma,

sem conseguir me apropriar da sua essência.


Foi um tempo em que dizer ou escrever demais era fútil

e as esparramava ao vento,

negando-lhes o direito de existirem livres e soltas.

Presas aos excessos de textos, registros, falas...

Lutando pela própria identidade,

pelo prazer de saborear o seu sentido.


Essência e sentido que estão naquilo que as precede:

o silêncio, grávido de todos os significados.

Não os significados dos dicionários que desnudam as palavras,

mas das humanidades que os revestem com a pureza da alma,

que ama saber o quanto elas precisam ser valorizadas -

quando são ditas ou silenciadas.


A sexta-feira de todas as paixões, é um tempo de escuta.

A “paixão” da velhice, que aumenta as minhas perdas;

a “paixão” da ausência, que lateja nos meus sentidos;

a “paixão” do corpo definhando,

que encontra arrimo nas minhas lembranças…


A alma não tem idade e a mente pode não envelhecer,

mesmo que o corpo dê sinais de que

é necessário se libertar da tirania da beleza,

aceitar que o tempo marcou nossas faces e saber

que as paixões já não serão arrebatadoras como na juventude.


Com o tempo, as palavras fazem um pacto com a solidão.

Relógio implacável mostrando que a natureza segue o seu curso.

No tic-tac das horas, resta um coração em busca de um afago,

mendigando o direito de compartilhar sonhos

que não permitam que a alma envelheça…

terça-feira, 12 de abril de 2022

O tempo do pão, da vida e da esperança

João ajudou nos preparativos para a última ceia do Senhor e pensou que teriam apenas mais uma refeição com os demais apóstolos e aqueles que os acompanhavam. Também esteve com Jesus na agonia que precedeu a prisão no Jardim das Oliveiras. Ainda não conseguia entender o que acontecera, inclusive quando Judas apareceu e tudo se tornou ainda mais confuso. Acompanhou a mãe do Senhor, Maria, com as demais mulheres que fizeram a peregrinação pelos lugares onde foi julgado, os caminhos por onde carregou a cruz, até a morte, retirada do madeiro e sepultamento.

Naquele sábado em que ainda não tinha certeza do que aconteceria, voltou a todos os lugares por onde passaram naquela última quinta-feira em que o Filho do Homem estivera vivo. Foi no Jardim das Oliveiras que ficou sozinho e pensando a respeito dos momentos especiais em que Jesus fazia com que parassem, não importava o que estivessem fazendo, para abençoar o alimento. De uma forma especial, o pão e o vinho, repetindo o que já se tornara comum, partindo e repartindo, como a primeira lição, sempre repetida, nos três anos de peregrinação pelas terras da Judeia e da Galileia.

Tinha o gosto das lembranças que vinham das histórias contadas por Maria. O pai, José, era de uma cidadezinha próxima de Jerusalém, Belém, conhecida por ser a “casa do pão”. Lembrava o nascimento de Jesus, porque era uma das memórias mais remotas do carpinteiro e confirmada durante o tempo em esperaram para fazer a apresentação do menino no Templo. No pequeno vilarejo, quando estavam nas primeiras horas do dia, o barulho das moendas de trigo antecediam a alvorada e, ao nascer do Sol, o aroma de pão invadia os cantos mais remotos da cidade de Davi.

Quando o conheceu, João era jovem, cheio de sonhos e ideais. Temperamento forte, dominado pela paixão, que lhe valeu o apelido, dado pelo mestre, de “filho do trovão”, junto com seu irmão, Tiago. Os apóstolos sabiam que se dispusessem de raios nas mãos, os demais estariam em dificuldade. Foi o jeito do Homem de Nazaré que o conquistou. As palavras revestiam-se de vida. Muitas vezes, não o conseguia entender, então, era suficiente segui-lo e fazer o que dizia. Especialmente quando, com muito carinho, entregava um pedaço do pão a cada um, olhando na profundidade dos seus olhos.

O primeiro milagre da multiplicação dos pães o deixara atrapalhado… Como era possível um homem fazer aquilo? Viu Jesus olhar entristecido para a multidão que o acompanhava, com sinais de fome e cansaço. Aconselharam a dispersá-la e fez uma pergunta absurda: “quantos pães e peixes tendes?” Como assim? Não se parecia com a reunião de amigos em que bastava passar no mercado em busca de pão. Eram milhares de pessoas… No entanto, pães e peixes de um menino, abençoados pelo Mestre, se multiplicaram e não davam conta de alcançar àqueles que se espalharam sobre a grama!

No dia seguinte, completavam três dias: o tempo em que prometera ressuscitar. Não compreendia tudo o que anunciara, mas se tornava necessário continuar o caminho com Pedro, Maria e os outros. Ver Seu corpo depositado na sepultura e fechado com uma pedra era a dor da ausência de quem somente fizera o bem. Não seria fácil. Ainda tinha vontade de ser o “filho do trovão”, mas, na última ceia, sobre o peito de Jesus, ouviu que, agora, era o “filho do amor e da esperança”.

Esperança tem gosto de amor. Esperança tem gosto de Deus. Esperança tem gosto de Ressurreição!

Páscoa, é tempo de esperançar. Feliz e abençoada Ressurreição!

domingo, 10 de abril de 2022

O tempo do silêncio das imagens encobertas

Não tenho memórias religiosas da primeira infância. Tudo o que sei é de ouvir contar ou de alguma rara fotografia. As visitas de padres católicos ao lugar onde nasci – Três Porteiras, 5º Subdistrito de Canguçu – eram poucas, quase sempre anuais. Não era uma região povoada e, pior, distante do centro urbano para os padrões da época. Então, quando aparecia um, era a ocasião para batizados, casamentos e registros – nascimentos, matrimônios ou mortes. Igrejas eram poucas, então, a “venda” (tipo “mercadarejo” de hoje) recebia a procissão de carroças e charretes/faito com os fiéis.

Em Pelotas, passamos a frequentar a Igreja Paroquial de Santa Teresinha, do então padre Roberto Oliveira da Silva. É de lá que me vêm as lembranças mais remotas de religiosidade, neste tempo, com as cerimônias da Semana Santa. Fiquei surpreso quando entramos na Igreja, no início de uma Quaresma, e vimos todas as imagens cobertas com panos roxos. Logo associei com o que fazia minha mãe, em dias de tempestade, especialmente quando havia raios e trovões: arrumava panos que recobrissem as poucas imagens de santos e também os espelhos que haviam pela casa.

O engraçado é que não lembro dos santos que tivemos. No entanto, ficou marcado que, chegando em Pelotas, o pai havia negociado o direito de sucessão de um “bar e armazém” com seus donos, conhecidos por “Três Patetas” e, quando se mudaram, deixaram escassas mercadorias e, sobre a porta principal, um sinal de religiosidade: um negro velho e uma figa. Meu pai demorou para se associar ao grupo que frequentava o catolicismo e, mesmo depois, quando construiu sua própria casa e se mudou, levou as duas imagens, que continuaram sobre a entrada principal da casa.

Tempo de respeito e reverência. Mesmo sem explicações teológicas, ainda no interior, quinta-feira Santa à tardinha, as poucas cabeças de gado eram recolhidas e somente voltavam para o pasto no domingo. No meio urbano, celebrações de quinta (Instituição da Eucaristia), sexta (Paixão e Morte), sábado (Ressurreição) e domingo (Páscoa) eram o programa que se prolongava por uma vigília em que se restringiam as atividade sociais e a alimentação. Na sexta e no domingo era preciso ter cuidado, porque o peixe e o churrasco justificavam alguns excessos com bebidas alcoólicas…

No domingo (03), pela manhã, fui à Missa na Igreja da Luz. Não recordava, recentemente, de ter voltado a ver as imagens recobertas, como estavam a própria Nossa Senhora e o cruzeiro suspenso entre a assembleia e o altar (uma lembrança parecida com a Catedral do Redentor, da Igreja Anglicana, que tem um em situação parecida). As lembranças voltaram às muitas ocasiões onde a memória brincava entre os santos encobertos e a noite de sábado, em que todas as luzes mantinham-se apagadas até que, com a descoberta da Cruz, as demais também voltavam a ser expostas à luz.

Gosto das igrejas como um lugar de silêncio. Que também pode ser um lugar de oração. Lugar de introspecção onde se vai para “repousar” em Deus. A Quaresma – e todos os seus rituais - prepara para a maior festa da Cristandade: a Ressurreição! O “velatio” (encobrir) das imagens ajudava os fiéis a não se distraírem nesta época e apontava para o mistério pascal de Cristo. O “desvelar” é um jeito de Deus abrir uma fresta na imensidão do seu amor e a oportunidade de se contemplar o que a vida e a esperança podem fazer brotar, mesmo que se passe por um momento de tristeza e de dor!

sexta-feira, 8 de abril de 2022

As paisagens e as marcas das lembranças

O tempo que passa é o grande fiador das nossas histórias.

Acumulam-se memórias de vivências, pessoas e lugares.

Tornamo-nos depositários das saudades que marejam nossos olhos.



Um grupo de jovens que percorre a serra e desce

em direção ao Rio das Antas.

Acima, um céu azul com um calor que acaricia a pele,

aproveitando o Inverno.

Abaixo, a incerteza, uma nuvem por

onde se passa, espreitando o caminho...



Final de tarde em Itá.

Depois de muitas andanças e boas risadas,

os últimos suspiros do Sol em frente à lagoa

com os serros emoldurados por raios

no reflexo das águas e dos campos.



O trem que margeia o rio leva crianças de todas as idades.

Mistura música, comida, conversas,

o gosto de uma manhã de domingo, depois da chuva,

com seu cheiro de mata esgueirando-se pelas janelas.



Andar acompanhado pelas margens da lagoa,

serena, coberta pela cerração dos primeiros frios de Outono,

ocultando o horizonte, preenchendo finitudes,

onde a estrada tem mais caminho andado do que por se percorrer.



Memórias são murmúrios dos tempos passados.

Quando menos se espera, retornam e fazem um carinho na alma.

Nas lembranças, os lugares percorridos são molduras,

eternizando aqueles que marcaram nossas vidas!

terça-feira, 5 de abril de 2022

O pós-pandemia e a violência

Estava chegando em Porto Alegre. Havia deixado o carro numa garagem no centro, procurando por uma loja de calçados que vendia galochas (hoje chamadas de capas para calçados) e duas livrarias. Haviam alertado para ter cuidados naquela região próxima ao Mercado Público e ao camelódromo. Ao perceber que fechara, voltei em direção à praça XV. Num lance rápido, senti um safanão no pescoço. Voltei-me assustado e percebi um rapaz que fugia. Tentou arrebentar minha gargantilha. Sem conseguir colocar a mão entre a corrente e o corpo, não teve chance de concretizar o roubo.

No domingo passado, o programa Fantástico voltou a falar a respeito de violência nas escolas nestes tempos em que, para o meu gosto, apressadamente, se fala em pós-pandemia. Os índices indicaram aumento do número de jovens que apela para a violência sem que se consiga uma explicação razoável. Muitas teorias e ainda um maior número de dúvidas. Para orientadores pedagógicos e psicólogos, o confinamento afetou mais as crianças e os jovens que, pela própria idade, precisam de tempo ao ar livre ou em espaços em que possam circular e interagir.

Uma das primeiras áreas que sofreu com a pandemia foi a do emprego formal. Aumentaram os índices de desemprego e a diminuição da renda, que elevou o número de assaltos e furtos, especialmente nos médios e grandes centros. Mais pessoas sem conseguir uma forma de sustento – bicos, limpeza - levam ao desespero e à necessidade de continuar colocando alimentação na mesa, assim como ter o mínimo para a sobrevivência. Infelizmente, os números apresentados não são precisos e até a informalidade, que era a salvação da lavoura, não tem sido alternativa para renda.

Muitos ficaram confinadas em espaços diminutos, aumentando a irritação e o número de registros de agressões contra mulheres e crianças, especialmente. O modelo de habitação que se oferece para as classes mais pobres, com apartamentos em torno de 50 metros quadrados, restringiu a circulação de famílias que, mesmo pequenas – casal, muitas vezes mais dois filhos – tinham que exercitar a nem sempre fácil arte de conviver. Não tenho dúvidas de que, em determinados momentos, é necessário “colocar o nariz na rua” para desopilar e diminuir as reações intempestivas.

O uso do carro é outro termômetro desta violência. Durante quase dois anos, as estatísticas foram reduzidas a números civilizados. No entanto, bastou que se acenasse com liberações, aumentando o tempo das pessoas na rua – consequentemente o seu deslocamento – para voltar a se ter estatísticas preocupantes de mortes no trânsito, tanto no meio urbano, quanto nas vias estaduais e federais. Grande parte sendo resultado da imprudência ou do uso de álcool antes de dirigir. Sem contar os inúmeros casos de sequelados que atormentam a vida dos prontos-socorros nos fins de semana.

A constatação é básica, mas precisa ser assimilada e transformada em ação: a pandemia não nos deixou melhores, enquanto sociedade. Me atreveria a dizer que nem piores… Já se tinha problemas com a violência, um flagelo que encarcerou o cidadão atrás de muros, grades e sistemas de alarme. Os governos acenam para medidas na segurança pública. Não será suficiente se a sociedade não se mobilizar para fazer a sua parte: o processo educacional precisa gerar uma cultura da paz. Desarmar os espíritos é um bom início se o objetivo for transformar o Mundo num lugar melhor para se viver.

domingo, 3 de abril de 2022

Tamancos, chinelos e a roda da infância

Domingo à noite recebi um emoji (desenho para a internet) enviado pelo Lupi Scheer dos Santos. Uma palavra: “arrebentou”, acompanhada do desenho de um chinelo de dedo com a tira cortada na parte que fica entre os dedos do pé. Reação às fotos publicadas de um encontro em Porto Alegre, onde estive com grandes amigos: padre Attílio Hartmann, dom Carlos Rômulo e padre Pedrinho Guareschi. Respondi dizendo que dava pra colocar uma tachinha. Acrescentei que a piada era sem graça, “tu não és tão velho e nem foi tão pobre para arrumar o chinelo com um prego atravessado...”

Não uso emojis nas minhas mensagens, mas reconheço que algumas pessoas fazem uma bela ilustração com eles. Este me fez percorrer as lembranças de infância no interior de Canguçu e na Vila Silveira. Tendo como precursor um belo par de tamancos. Hoje, é apenas um artefato utilizado pelo sexo feminino como acessório de beleza. Na época, início da década de 60, era o que se tinha para caminhar com os pés protegidos. Plataforma de madeira com cobertura de couro. Havia um acréscimo de luxo que era um solado feito com borracha para impedir o “tec-tec” nos pisos.

Já devia estar com dez anos quando ganhei o primeiro par de chinelos de dedo. Eram fantásticos! Absolutamente silenciosos, fáceis de limpar e com mil e uma utilidades! Nos pés de crianças arteiras (de mau comportamento e não de artista) podiam ser a goleira dos jogos de futebol de rua, assim como a própria bola, ou instrumento de defesa e ataque nas disputas com outros garotos. Pilhados e elétricos, não havia roupa ou calçado que resistisse. Nem mesmo o corpo e acumulavam pernas quebradas (minhas foram duas) e braços quebrados (uma do meu irmão Cláudio).

O pior é que também podia ser o meio para que a mãe aplicasse uma “palmada pedagógica”, depois que fizemos desaparecer inúmeras varas de marmelo que guardava em cima de um armário. Não éramos caprichosos, mas sabíamos que era preciso cuidar para ter. A plataforma de borracha ficava gastinha, mas ainda tinha uso. O que não durava muito eram as tiras, que precisavam ser compradas e repostas. Numa emergência, quando a bolinha que segurava as tiras por baixo do solado se partia, achava-se um prego pequeno o suficiente para que se furasse de lado a lado da tira e segurasse o pé.

Não tenho lembranças da infância sem que um destes tipos de calçados estivesse presente, no verão e no inverno. Mesmo já maiorzinhos, a gente tinha os chinelos para o dia e, à tardinha, depois de lavar os pés (não lembro muito de banho durante a semana), recebia um par de meias e as tamancas indo para a cozinha fazer os temas, sabendo que, no frio, havia o calor do fogão a lenha e o aroma da janta sendo preparada. Lembro de um banco encostado à parede, ao lado da mesa, no qual subia, deixava os calçados escorregarem para o chão e as perninhas ficavam balançando…

Passei muito tempo usando calçados de todos os tipos para diversos afazeres. No entanto, somente os chinelos têm gosto de infância. Aposentado, é o que uso em praticamente todas as estações. Não preciso mais arrumar um prego para concertar um estrago, assim como são oferecidos muitos modelos que apregoam mais conforto. Ainda prefiro os comuns e antigos, estilo havaianas. Não se troca um amor antigo por muitos amores novos… eles têm a história que passou pelos nossos pés, ainda brincam com a imaginação e chegam ao lugar onde são guardadas as nossas saudades!

sexta-feira, 1 de abril de 2022

O gosto pelo ritmo da vida

Preciso fechar os olhos para escutar melhor.


É quando o silêncio encosta janelas e acalma meu coração.

Descanso na dolência do tic tac de um relógio

e no balanço da cadeira que acomoda meu corpo...


Cumprido o ritual, é então que ouço música!


Não sei de onde vem, quem toca,

ou sussurra ao meu ouvido.

As vozes soam harmoniosas,

dispensam afinação,

surpreendem sem serem intensas ou estridentes...

Apenas e tão somente

emocionam, embalam, acarinham.


Tem uma música no ar:

a sua música,

a minha música,

a nossa música,

a daqueles que já não conseguem ouvir os acordes

somente sentidos quando se tem no corpo as marcas das

muitas e sofridas andanças.


Acordes que pulsam no jeito fluido da existência,

as notas que desnudam o passado

e propiciam o reencontro com fantasmas

que espreitam dos recônditos da alma.


Ouço a música que embala meus devaneios.

Uma mistura das muitas que ouvi

e agitaram a minha imaginação...


Voltar é o momento em que descerro os olhos

para o tempo presente...


O agora, precioso, no despertar de um encanto.

A magia propagada na cadência da própria história,

permeando o sentido das minhas saudades,

acalentando meus sonhos,

não permitindo que esqueça o gosto pelo ritmo da vida.

Valeu a pena e, com as marcas e as dores pelo corpo,

já não há sentido em desistir!