domingo, 28 de janeiro de 2018

Sinais dos tempos...

Difícil assistir sem se emocionar as inúmeras homenagens, gestos de silêncio e de protesto que marcaram os cinco anos do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria. Quem acompanhava rádio na madrugada foi surpreendido quando começaram a elencar o número das vítimas, até chegar a 242 pessoas que não conseguiram escapar.
Impossível não ser solidário com pessoas que buscam em São Paulo vacina contra a febre amarela. Embora não estando em regiões de risco, sentem a inoperância dos serviços públicos que deveriam ter tomado as providências: anteriormente, o controle e, agora, disponibilizar vacinas em número suficiente para todos.
Não há como ficar indiferente à nova edição do Big Brother Brasil (BBB), que já "inovou" em todos os quesitos de baixarias e, agora, mostra sua capacidade de ainda surpreender. Escancarando não uma suposta liberdade dos indivíduos, mas a capacidade em distorcer valores éticos e morais.
Em comum? Uma sociedade incapaz de se indignar com o que ela mesma criou. A máquina pública que não faz justiça, incapaz de atender às demandas da saúde, ou inoperante em orientar jovens para comportamentos sadios, precisando ser tratada, com urgência, mesmo que não se tenha claro qual é o remédio.A sirene que tocou na manhã de domingo alertando para os horrores da Boate Kiss se repete a cada ano; os macacos morrem num desastre anunciado, não sendo transmissores do vírus, mas prenúncio de que os humanos serão os próximos; o BBB indica que vendemos a alma e a consciência para a indústria do entretenimento.
Os pais que choram por seus filhos buscam Justiça. Já conseguiram mais: questionar a própria Justiça! As lideranças "de fato" abrem os olhos, deixando de lado políticos de estimação, e se engajam na luta pela sobrevivência! Os educadores sabem que falharam e precisam se reinventar para não perder seu sentido!
O estado que temos é feito à nossa imagem e semelhança. Os homens e mulheres que se adonaram da máquina pública a engessaram até se tornar este totem incapaz de qualquer ação ou reação, fazendo parte da ilha da fantasia que já não é apenas Brasília, mas todo o lugar onde alguém se julga "imexível".
A costura do tecido social passa por um pacto de respeito mútuo. Dizer que a educação é prioridade é óbvio. A questão é: que educação? Infelizmente, não há no horizonte um projeto ou liderança aglutinadora capaz de fazer com que todos sentemos juntos e, mais do que discutir, trabalhemos pelo Brasil.
As eleições podem ser este passo para a mudança. Mas vão repetir os mesmos erros se não se aprender com o que aconteceu na Boate Kiss, continuar assistindo indiferentes ao confronto pela saúde ou achar apenas brincadeira que um programa entre todos os dias em nossas casas e faça a cabeça, especialmente, de nossos jovens e crianças...


domingo, 21 de janeiro de 2018

Um sentido para viver e morrer

O médico tivera sensibilidade. Seu pai passou duas semanas na UTI. 93 anos, saúde debilitada, definhara. Foi transferido para o quarto. Ali podia ter companhia quando despertava de seus sonos. Semiconsciente, perguntava por pessoas que já tinham morrido. Seus olhos sossegavam e fechavam quando sentia a presença do filho.
Sentado ao lado sabia que era o tempo de esperar. E de lembrar. Cerca de um mês atrás estavam na praia e tinha achado estranho ver o pai com um e seu neto com outro andador. Somente então entendeu quando ele dizia que a vida era um intervalo entre nascer e morrer. E que dependia de cada um o jeito como a preencheria.
Na semana que passou diversas pessoas conhecidas deixaram esta vida. Em algum momento fizeram parte da rotina do meu dia a dia e, mesmo estando longe, por diversos meios, ainda conseguia acompanhá-las, sabendo que a velhice ou a doença já anunciavam seu fim. E que outros foram surpreendidos.
Depois de uma certa idade, os números começam a se igualar: os que partiram são tantos quanto os que iniciaram a vida conosco e acompanharam na juventude. Na maturidade vem o afastamento. Trabalhamos e nos divertimos com grupos mais restritos, mais próximos, quando não se aprende a fazê-lo praticamente sozinho.
Ao notarmos que o tempo passou vêm as reclamações. Em especial: "quando jovens éramos dispostos e sem recursos. Agora, temos recursos e não temos disposição". A Natureza é caprichosa e oferece múltiplas oportunidades, em especial de que não é o tempo que nos magoa, mas as opções de vida que cada um tomou.
O problema está em aceitar que já não somos jovens, que muitos com os quais convivemos já se foram e que também no horizonte começa a se prefigurar a hora da própria partida. O senhor que me contou a história disse que ao despertar de suas lembranças sentiu que a mão do pai já não segurava mais a sua.
Fez uma concha e abrigou as mãos que lhe fariam tanta falta. Não mais embalariam netos, não fariam pequenos concertos na volta da casa, não dariam o carinho necessário para situações difíceis. Porém, mesmo na partida, nas pequenas coisas, havia uma lição: não se entende a morte se não se encontrou um sentido para viver!

domingo, 14 de janeiro de 2018

Um andarilho chamado Francisco

Quando o papa Francisco tomar sua maleta e embarcar rumo ao Chile e Peru esta semana sabe que nem tudo serão flores. Ao contrário, ao passar por sobre sua terra, a Argentina, pedirá que seus compatriotas rezem por ele a fim de que possa cumprir a missão de ser referência na concretização de valores humanos e espirituais.
Uma das manchetes dos jornais é "Francisco volta à América Latina, mas evita a Argentina". Os argentinos o aguardam e, num futuro próximo, irão recebê-lo. Mas também sabe que a manipulação política e midiática será grande - como aconteceu no Brasil - e agora já mais calejado quer, se não for possível evitar, ao menos minimizar.
Em todas as terras por onde passou apelou à reconciliação, paz e diálogo, não se esquivando de ser - ele mesmo e a igreja - como citou um de seus analistas, "partidário da cultura do encontro, da cultura do diálogo, da cultura de buscar os pontos em comum para poder trabalhar em longo prazo em benefício da comunidade".
Francisco mostrou ter clara a sua missão universal. O Mundo é bem maior que a sua terra. Em cinco oportunidades, com bispos de sua pátria, disse que Deus vai indicar o momento de voltar não por nostalgia, mas quando as instituições estiverem amadurecidas e sirva como fator que une, gera condições de diálogo e de consenso.
Às vezes cansado, mas sem perder o jeito simples de sorrir lembra um dos mais simpáticos personagens da literatura mundial, o Pequeno Príncipe. Depois de deixar seu planeta, enfrentar dificuldades, sabia que, em algum momento, seria preciso enfrentar a própria História. A Rosa que ficou dava sentido em não desanimar.
Francisco também fez uma longa viagem. Por estradas que não levam às estrelas, mas sim às terras dos homens, onde vislumbrou muito de bondade. Mas também que, em suas próprias fileiras - por vaidade, cobiça, ânsia pelo poder, despreparo - encontrou quem impeça o renascer da esperança, a realização do jeito Cristão de viver e ser feliz.
Um andarilho amparado pela oração de homens e mulheres de boa vontade, tentando encontrar socorro para marginalizados (nesta viagem a questão indigenista). Precisa de um Pequeno Príncipe que lhe estenda a mão e murmure: "há um longo caminho até voltarmos para casa. Mas vale a pena. Você vai ver, há uma rosa à sua espera!"

domingo, 7 de janeiro de 2018

Fraternidade e cidadania

Casal alimentou durante muito tempo o sonho de comprar uma chácara e morar no interior. Uma vida simples, mas com a facilidade de recursos - luz, água, comunicações. Mudaram de ideia depois da compra e - antes de lá morar - receber a visita de ladrões. Na segunda vez, com a família na casa, não encontrando objetos que pudessem carregar destruíram o que restara. E judiaram com os donos.
Deram queixa na polícia - o que já não é comum porque as pessoas não acreditam em retorno - e numa delas ouviram o "conselho" de que procurassem em casas que vendem móveis usados, poderiam encontrar alguns de seus pertences. Mais: pensassem num vigia para cuidar da propriedade!
Uma história comum, de pessoas comuns, que vivem uma das facetas da violência, já entranhada no dia a dia e que, infelizmente, passou a ser "aceita" porque "é assim", num sistema desajustado, onde pessoas marginalizadas viram, efetivamente, marginais, alimentando discussões intelectuais, sem efeitos práticos.
É o receio que se tem quando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil define a Campanha da Fraternidade deste ano. O tema será "Fraternidade e superação da violência" e o lema "Vós sois todos irmãos". Busca parcerias para fazer o que o sonho ainda não alcançou: mudanças estruturais que reformatem, a médio e longo prazo, a coexistência social.
No ano que a Igreja Católica dedica aos leigos - segmento que ainda não encontrou a sua identidade dentro da instituição - precisa tomar a frente das discussões da vida que passa pela política - poderes legislativo e executivo, mas também do quanto estamos longe de um poder Judiciário que atenda as necessidades dos cidadãos.
O fatalismo do "é assim" corre paralelo ao voto descomprometido de quem elege e não fiscaliza. A Campanha da Fraternidade pode - e deve - ajudar em ações concretas para que a comunidade se proteja de todo o tipo de violência, inclusive as da política. Impedindo aproveitadores de repetir velhos e batidos discursos.
A fraternidade deve fazer parte do espírito de cidadania. Cristão consciente encontra sua força no espaço religioso, mas atua no Mundo. Sabe que o violentador de hoje foi o violentado de ontem. São necessárias ações para impedir este ciclo vicioso. Mas também atacar os problemas quotidiano que impedem a vida das pessoas comuns.
Acabar com a violência é impossível, mas é possível o seu controle. Mesmo assim, as marcas, para quem foi atingido, ficam para sempre. A sua existência comprova que já perdemos diversas batalhas. O momento é delicado, pois precisamos sair da indiferença para a indignação. O único jeito para que não se perca também a guerra!

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

A magia de ser simples

Um "mágico" (ilusionista) com passagem por casas de espetáculos e turnês nos Estados Unidos resolveu pegar a mochila e percorrer o Leste Europeu. Sua escolha foi pelas regiões remotas onde ainda predomina um estilo de vida simples e de crenças arraigadas. Seu objetivo era se redescobrir, mas foi surpreendido.
Além, muitas vezes, de desconhecer a língua, ainda encontrou populações envelhecidas e crentes de que "magia" é coisa do Diabo, ou de mais jovens e decepcionados com a vida que, sabedores de que são truques, mostram-se descrentes e incapazes de interagir, ao menos, para um momento de diversão.
Difícil não admirar a disposição do jovem em buscar suas origens, surgidas quando com um baralho fez um primeiro truque para a mãe. Embora tenha percorrido o caminho do show business perdera o elemento principal: de forma simples e direta, encantar plateias, cativar a atenção para o "mistério" de sua mágica.
A virada de ano é assim: grandes decisões - deixar de fumar ou beber, fazer um regime, iniciar uma ginástica, voltar a estudar... - soçobram ao passar dos dias. Ficando apenas o dia a dia onde a vida se repete sem que, em algum momento, se pare a fim de redescobrir o quanto é simples a busca pelo sentido da existência.
Qual é a diferença entre ser simples e humilde? Ser humilde é qualidade intrínseca. Não se qualifica alguém, reconhece sua vivência, até no jeito de fazer alguma coisa. Mas há pessoas que - pela forma de vestir - se julgam simples (em muitos casos são apenas relaxadas), sem que sua atitude demonstre o mesmo.
Necessitam apregoar o que não são porque desejam aparentar qualidades que não alcançaram. O mágico desejando retornar às suas origens buscava o tempo em que "encantava" pessoas e plateias. Da mesma forma com que viramos o ano novo: a magia está em, apenas, tornar melhor a vida de alguém mais próximo.
Qualquer um pode simplificar seu jeito de viver para que, no fluir do tempo, haja encantamento em quem se assusta com a velhice, tornou-se desinteressado pelo doente ou perdeu o respeito pelo diferente. Vai precisar da mágica, da mágica de um olhar carinhoso para não desistir e fazer valer a pena iniciar um ano novo!