domingo, 26 de julho de 2020

O feiticeiro da beleza

Sábado, no final da manhã: sai de casa para buscar comida e deixar flores de Camélia para a Roberta e a Renata, que estavam atendendo no salão de beleza; além da Nice (minha mana), arrumando os cabelos. Já sabia que o "feiticeiro da beleza" não estava lá, porque passou ruim, com dor de dente, esteve numa Unidade de Pronto Atendimento e teve que ser hospitalizado. Levava galhos de louro para o Paulo Sérgio e já reparti pelo caminho. A conversa me distraiu e esqueci de dizer o que havia dito quando apareceram as primeiras flores, entreguei quatro: uma para cada um deles, inclusive o Emerson...
Na terça-feira (21 de julho), a notícia, dada pela outra Nice, a vizinha: o Emerson havia falecido. Nas duas quadras percorridas para fazer compras, o assunto e o sentimento eram sempre os mesmos: perplexidade, tristeza, uma saudade sentida e ressentida porque uma vida em toda a sua plenitude curvou-se diante da morte... Percorri meus baus de lembranças: cerca de cinco anos atrás, sua instalação numa casa vizinha, minha irmã e sobrinha vindo até a "tenda dos milagres" e contando, carinhosamente, o quanto era bom ser atendida por um profissional e pessoa que se mostrava amiga.
Depois que cunhei a expressão "tenda dos milagres", num finalzinho de tarde o encontrei em frente ao portão e me chamou de "seu Manoel". Brincou que já sabia da história. Foram tantas conversas no seu local de trabalho antigo e no novo que deixei de pensar em pedir que não me chamasse de "seu Manoel". Achava que sendo este nome do meu pai, não o merecia... Porém, a história vira páginas: seguidamente, digo para vizinhos mais novos que o pai haveria de ser um bom companheiro de papo, inclusive para um cabeleireiro
que veio se instalar na sua própria casa...
No seu aniversário, foi a última vez que pudemos conversar. Uma tarde de chuva, fria, já demonstrava aquilo que acreditava ser um problema com seus dentes. Mais alguns dias, ainda conseguia ouvi-lo em conversas com clientes. Em alguns momentos, eu tinha que rir, porque ambos levantavam o volume por causa do secador e, quando já estava desligado, o tom continuava alto como se não se dessem conta de que só restara o silêncio... e as suas vozes. Em nenhum momento, era uma voz desagradável ou agressiva, ao contrário...
Embalando sonhos, concluía curso na área da saúde. Já olhava o mercado potencial, na Serra, onde minha sobrinha Daniele se dispôs a encaminhar currículos... No entanto, os sonhos também acabam e o que restou do Emerson foram as memórias de uma pessoa que tinha tudo para ser deslumbrada, mas ouvia com atenção, atendia da mais simples à mais chata, reconhecido como "parceiro", no local de trabalho. Na Vila Silveira e entre quem teve o privilégio de conviver com ele, deixou um sentimento de tristeza... sua partida tornou-se um sopro de carinho e de muita saudade... A gente tá triste pela tua partida, Emerson, mas tá feliz, porque tivemos o privilégio de um dia conviver contigo.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Educação: o envelope da saudade

Os educadores vivem tempos conturbados. Para quem achava que o período de pandemia se transformaria em férias espichadas deu-se conta de que acabou sendo um grande jogo de xadrez e uma baita dor de cabeça. No ensino particular, professores estão tendo dificuldade de atender a todas as demandas dos alunos pela internet. E, nas redes públicas, tiveram que se reinventar para descobrir formas mais adequadas de alcançar os alunos, especialmente aqueles que vivem em situação precária, nas periferias mais pobres.
O acesso a computadores e tablets é um obstáculo e um desafio que exacerbam o distanciamento. O empobrecimento da população - jogando a classe média baixa para a pobreza e a pobreza para uma miséria com o nariz de fora... -  acirra o que já se discutia sem grandes necessidades de conhecimentos sociológicos: a educação é uma das ferramentas que pode oportunizar mudanças na escala social. Mas, ao que tudo indica, a precariedade do momento faz com que os horizontes estejam se fechando.
Para repassar os conteúdos não basta apenas a decisão das instâncias políticas - que são devagar, quase parando - mas mexer em orçamentos em que a própria máquina consome grande parte dos recursos. Fundamental é o empenho dos professores, apesar de tudo, dando o sangue, o suor e a "cerveja" para não perder o vínculo, especialmente com as crianças. Motivá-las para, num espaço sem ambiente adequado, continuar acompanhando um mínimo necessário para não perder o que ainda resta da sequência pedagógica.
As instâncias básicas do ensino recebem o apelo lúdico, com instruções para realizar pequenas tarefas e interagir a distância. Alunos dos últimos anos estão preocupados com o desempenho para garantir vaga na universidade. Mas uma maioria viu aulas desaparecerem e não tem o que fazer. Ouvi de profissionais o quanto é estressante estar num caminho que poderia ter sido preparado, mas que, a emergência, ao invés de maquinário adequado, alcançou-lhes as próprias mãos para desbravar picadas.
O certo é que todas as "invenções" destes meses de pandemia reforçam o entendimento de que o ensino remoto - por mais que tenha se demonstrado necessário neste momento - é limitado e não consegue atender a toda a população escolar. Seja para o retorno ainda este ano, ou para 2021, o momento de planejar novas estratégias é agora. O tempo em que alguns ficaram isolados ou vagando pelas ruas vai deixar marcas e será necessário pensar tanto na questão dos conteúdos recuperados, quanto do acolhimento emocional...
Professora do ensino básico preparou envelopes e pediu aos pais que retirassem na escola. Atividades e bilhete lembrando de tempos em que estiveram juntos. A emoção da educadora e o retorno de pais e alunos ao perceber a disposição da "profe", que batizou como o "envelope da saudade": ela sabe que educação passa por conteúdos técnicos, mas também por um olhar de carinho que vai além da sala de aula, acompanha a vida e marca um destino!

domingo, 19 de julho de 2020

Preconceito: um suspiro e a falta de um abraço

O que têm em comum a Neca Silva, o Andrei Costa e o padre Edegar Matos? A Neca é conhecida pelas formações realizadas em Rio Grande - e falou sobre o preconceito sobre o câncer... O Andrei tornou-se amigo quando esteve na live "Partilhando", da Arquidiocese de Pelotas - e tratou da toxidade nas relações... O padre Edegar faz parte das andanças pelo estado trabalhando na comunicação - e compartilhou postagem para que se reflita do quanto ainda estamos longe de sermos solidários...
Durante a semana, quase todos os dias, o padre Edegar partilha o seu bom dia, que é uma oração da manhã. No entanto, a postagem  que chamou a atenção dizia: "de tudo o que se sabe, o vírus não procura as pessoas. As pessoas é que se expõem ao vírus. Não discrimine quem testou positivo para o COVID 19. Seja fraterno: ligue e mande mensagem de apoio. Seja solidário: ajude com pequenas ações. Seja ético: não espalhe comentários negativos, preconceito ou mágoa".
A Neca postou texto sobre conhecida que declarou câncer, com estimativa de meses de vida. A pessoa que recebeu a notícia ficou arrasada, mas se controlou pela tranquilidade e fé demonstradas. Já que "câncer é invasivo e destrutivo para o corpo. Mesmo depois da luta, continua um longo processo.... Afetou-nos de alguma forma, diretamente ou na nossa comitiva (um membro da família ou amigo)... Eu tive câncer, entendo esse sentimento e consegui me curar. Preconceito é ignorância."
O Andrei trouxe charge do Armandinho, que, afirma, o "representa". Um dos pais conta a história da Branca de Neve, quando recebe fruta envenenada da rainha má: "a bruxa, disfarçada de velhinha, ofereceu uma maçã à pobrezinha. A moça deu uma mordida e tombou desfalecida." O personagem acomoda as cobertas e sentencia: "Ah! deve ser agrotóxico!" As relações tóxicas que podem acontecer (no caso: madrasta e enteada) entre pessoas que, em tese, poderiam - e deveriam - se dar bem.
A conexão entre as três manifestações pode ser feita pelas palavras "preconceito" e "agrotóxico". Há, ainda, um jeito especial de entender as mensagens quando se diz que "preconceito é ignorância": o jeito como vemos as pessoas enquadrarem outros de forma pejorativa, em caso de doença, deficiência física, mental ou por pensarem diferente... A "toxidade" se dá pela ação ou omissão, nas "maldades" praticadas por supostos "bons", ou por quem se julga "bom" e se omite, para não se comprometer.
A intoxicação por preconceito é sentida quando famílias com pessoas positivadas pelo coronavírus contam do jeito diferente como passam a ser tratadas. Aconteceu comigo. Somente pude entregar encomendas de longe na residência onde, supostamente, um jovem estava infectado. A mãe era tristeza e preocupação. Querendo receber, apenas, um abraço apertado, suspirar e transpirar toda a sua dor... Vai passar. Fico devendo o abraço... mas não fico devendo a minha oração e todo o meu carinho...

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Um coração agoniado...

As previsões dos especialistas em saúde pública começam a se confirmar. Para quem assistia de longe o aparecimento de casos do coronavírus, achando que era apenas mais uma gripe e que os avisos eram exagerados - já que não havia um grande número de mortes, agora começa a ficar preocupado. Afinal, na região, o número de infectados passou de mil e os mortos de 30. E também confirma o alerta de que, depois de chegar ao centro e regiões nobres das cidades, agora começa a percorrer vilas e condomínios nas periferias.
Amiga que está em isolamento social com o filho tem bom relacionamento com vizinhos do prédio. Lembrou que muitos moradores tinham, em outros invernos, problemas com gripe, precisando de atendimento emergencial. Este ano, no condomínio onde mora, cinco casos foram declarados com o coronavírus. Coincidentemente, um deles, de pessoa que achava exagero a reclusão, dizendo que não daria em nada. Precisou ser levada para uma unidade médica e foi enviada para casa; quatro horas depois necessitou de internação, sem retorno...
Conhecido contou o caso do garoto (na casa dos 20 anos), seu parente, que trabalha há poucos anos. Começou como estagiário numa instituição e, depois, foi contratado para atendimento. Simpático e desenvolto, estava acertado que, a partir desta segunda, trabalharia em casa, auxiliando a parte burocrática. Quinta, como todos os colegas, fez o exame e positivou. Pelos próximos 15 dias fica em quarentena, na esperança de que se recupere, mas deixando pais e irmãos numa forte angústia, comum a todos aqueles que têm alguém infectado.
Inúmeros casos de agentes da saúde que, silenciosamente, trabalham no atendimento e confessam que, no dia a dia, até esquecem do que tratam. Infelizmente, este "esquecimento" tem levado a muitos contágios. Um número crescente e preocupante que propiciou a diminuição de profissionais em condições (muitos estão em grupos de risco), assim como encontrar pessoal para reposição das vagas. Como disse uma técnica em enfermagem: "descuidei, contraí o vírus e foi como se um caminhão tivesse passado sobre meu corpo".
As portas e janelas da área de circulação do condomínio passaram a ficar abertas, numa situação triste e deprimente; a casa perdeu a alegria do menino que se entretinha muito com a internet, mas também era capaz ajudar nos cuidados de seus irmãos mais novos; a técnica tem medo de ficar próxima do filho pequeno e dos pais com idade avançada. São corações agoniados que podem até terem tido preocupações, mas era tão forte o que amigos, vizinhos e parentes falavam a respeito destas "bobagens" que acabaram descuidados...
Na região, o problema, agora, não é dos outros, mas bem nosso. Tem razão quem diz que, nas vilas e condomínios pobres, é difícil ficar em casa e por este motivo tanta gente zanza pelas ruas dos centros sem necessidade... Não vai ser fácil, mas o menino que, agora, vê a mãe - técnica em enfermagem - apenas pelo celular eternizou na folha de papel a promessa que precisa ser feita por todos, enquanto sociedade: "vai passar, mamãe, e eu ainda vou cuidar bem de você"!

domingo, 12 de julho de 2020

As lembranças que dão sentido à vida

Quem ainda não assistiu, deve assistir; quem já assistiu vai aproveitar melhor se assistir de novo o filme "Viva - a vida é uma festa". O desenho animado conta a história/parábola do menino de 12 anos, Miguel, que sonha ser um músico famoso, mas precisa lidar com sua família que é contra. Querendo mudar o comportamento da sua gente, desencadeia uma série de situações tentando entender  o mistério que resultou no banimento da música - e dura quase 100 anos. Miguel vai à Terra dos Mortos e aí...
A história se baseia no Dia de Finados celebrado no México e que tem diversos ritos populares. Um deles é relatado quando Héctor (um guia malandro no além) obtém um violão com seu amigo Chicharrón, velho esqueleto amargurado e boêmio que desaparece por ter sido esquecido por seus parentes e amigos. A "parceria" é feita para que, quando Miguel retornar ao mundo dos vivos, recupere a foto e a memória de Héctor, a fim de que não tenha o mesmo fim de Chicharrón.
Esta cena me veio à lembrança quando comecei a acompanhar homenagens prestadas àqueles que tombaram como vítimas do coronavírus. De todos os jeitos, de todos os lados - agentes públicos, ilustres desconhecidos - surgiram registros de tentativas de não deixar esquecer... Pessoas que, em muitos casos, parentes e amigos sequer tiveram como dar um último adeus e a derradeira lembrança foi num corredor de hospital enquanto uma maca ia em direção a uma unidade de tratamento intensivo.
"Não há quem goste de ser número. Gente merece existir em prosa". É assim que o artista Edson Pavoni apresenta a plataforma digital "Inumeráveis", memorial que lembra mortos em todo o Brasil por conta do coronavírus. Ao desfilarem rostos e histórias pelos blocos do programa Fantástico, há um misto de esperança e tristeza. Sentimento de que uma história compartilhada ajuda a mitigar a própria dor e que, não há como acabar com a tristeza, mas fica envolta na sensação de que restou a saudade...
Nas grandes e pequenas cidades, nos templos e nos lugares públicos, tem havido um instante de silêncio impregnado de dor. A emoção de quem perdeu e a ameaça constante sobre a cabeça de todos. Poderemos ser motivo de lembrança, ou alguém vizinho, amigo, parente, da nossa casa que não resistiu. A sensação de que, enquanto sociedade, tivemos oportunidade para ter feito mais e assim tivéssemos menos perdas e ainda pudéssemos aproveitar destas presenças (agora ausências) por mais tempo...
Cruzes nas praias, sites na internet, projeções em edifícios, sinos nas igrejas e a imagem de um homenageado que, quando se aproxima, identifica outros também mortos durante a pandemia. Rostos ausentes, pessoas que farão falta: doloridas lembranças de memórias e afetos. Presentes em sonhos e recordações, certos de que a vida pode não ser sempre uma festa, mas deixaram marcas que a ausência não pode e não vai apagar!

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Depois que o coronavírus for embora...

O pronunciamento do governador Eduardo Leite, na última quinta-feira (02), foi alerta e conclamação. O Rio Grande do Sul atinge o pior momento na pandemia, assim como a necessidade de mobilização da sociedade para que não se enfrente o pior dos piores: o estrangulamento do sistema de saúde e o caos no atendimento. O momento em que o volume de infectados precisando de unidades de tratamento intensivo seja tão grande que não se tenha mais recursos, inclusive humanos.
Como disse a jornalista Kelly Matos, a manifestação foi "dura, sensível e necessária". A síntese de um político preocupado em não medir esforços para que as decisões de saúde pública sejam sensatas; ao máximo, isentas de pressão e balizadas por indicadores técnicos. Que auxiliem a tomar decisões o mais próximo possível para a melhoria da qualidade de vida de quem já sofre com a doença, assim como vai ser vítima das consequências nas áreas econômica, social, educacional...
"Dura", porque há falta de consciência a respeito do problema, parecendo estranho que pessoas abastadas julguem-se fora do alcance do vírus. Assim como a população de periferia, com tantos problemas que este ainda parece ser dos menores diante da sobrevivência. Dito de forma clara e didática, estão ali elementos para um juízo de valores, faltando somente que o governo tenha que inserir em material publicitário pessoas perecendo arfantes para sentirem a dor da morte um contaminado...
"Sensível", na forma e jeito da apresentação. Eduardo usa de simpatia - e apela para a empatia - para mostrar que é governador de todos os gaúchos, num momento em que o que menos importa são diferenças ideológicas, políticas, religiosas, esportivas... A "grenalização" assim como a "brapelização" regional perdem sentido diante da sobrevivência e busca de formas para que, entre "mortos e feridos", escapemos todos, sabendo que, depois, poderemos voltar às antigas e eternas rixas...
"Necessária", porque há muita gente falando demais num momento em que é necessário concentrar a atenção numa liderança que pode até errar, mas tem mostrado disposição de conduzir o estado pelo rumo certo. Quando a crise chega a um momento como este, precisa-se apostar no que é apontado como caminho, baseado, especialmente, no conhecimento técnico. Exatamente o que se está vendo, embora comentaristas de plantão teimem em ver ferida no detalhe sem se dar conta de que o corpo pode morrer de infecção generalizada...
Depois que o coronavírus for embora, Maragatos e Chimangos podem voltar a exacerbar suas vaidades, num jogo político que transformou o estado no que é hoje: pobre e marginalizado. Cheio de problemas: gafanhotos à vista, ciclones, secas, vírus... faltando pessoas que poderiam estar conosco se déssemos ouvido à voz sensata de um estadista que foi duro, disse o que era necessário, sem ter perdido a ternura por sua gente...

domingo, 5 de julho de 2020

Atitude: o entendimento da própria dor e da dor do outro...

O Desafio Farroupilha (RBS TV) deste ano tem como tema "Conte Comigo". No sábado (dia 4) apresentaram os primeiros passos para se reinventar e fazer a produção das apresentações de grupos artísticos gaúchos de forma virtual. A motivação será a atuação dos profissionais da saúde em tempos de pandemia e - para iniciar bem - trouxeram o depoimento do jovem que foi o paciente número 1 a vencer o coronavírus e um de seus cuidadores.
Reticentes, no início, foram se reconhecendo pela voz, já que tiveram longo período com protetores, que impedia a identidade facial. O difícil caminho foi vencido pela determinação de quem adoeceu, assim como daqueles considerados pelos artistas como "super heróis", dispostos a fazer de tudo para recuperar uma vida. Se preciso - em muitos casos - sem medir sacrifícios, para ver, um por um, percorrer os corredores em direção à porta de saída dos hospitais e ter a certeza de que a experiência mudou a própria existência.
Na quinta-feira, fizemos a live "Partilhando", da arquidiocese de Pelotas. Destaquei, com o padre Marcus Bicalho, que esta determinação chama-se atitude e lembrei a primeira experiência litúrgica com o religioso, quando, no aniversário de morte da minha mãe, fui à Missa no Carmelo. 7 da manhã, acreditei estar meio dormindo quando vi o padre acessar o altar devidamente paramentado, mas descalço. Repensei conceitos para entender que, naquele ambiente, impregnado de oração e simplicidade, o comportamento condizia com o meio.
Seus depoimentos me levaram à última pergunta: como tratar de populações num pós pandemia em que estarão mais pobres e as instituições enfrentando mais dificuldades (ele é dirigente do Instituto de Menores - que tem como lema "Ele não pesa, é meu irmão") . Contou que no dia em que foi impedida a continuidade do atendimento dos menores na casa resolveu abrir as dispensas, distribuir a alimentação estocada e pedir à sociedade que auxiliasse uma área extremamente carente - o "fundão do Areal". Até agora, já foram entregues mais de 3.500 cestas básicas...
Relembrou a passagem bíblica do paralítico de Cafarnaum. Quando Jesus chega à casa de São Pedro e acorre tanta gente que fica difícil aproximar-se. No entanto, quatro homens que acompanham o paciente, depois de muitas tentativas frustradas, sobem ao telhado e, de lá, descem a maca até o Mestre... O interessante é a ótica pela qual se pode ver este momento: há uma multidão que não abre caminho, que tranca a possibilidade de que uma pessoa doente tenha a chance de cura...
Aproveitava o texto para mostrar que, muitas vezes, o comportamento, até dos "bons", não é de quem abre caminho e permite que alguém mais necessitado chegue à resolução do seu problema. Podemos ser "tranqueiras" - em todos os sentidos - na vida dos outros. O paralítico tinha amigos e parentes de atitude, a mesma que estamos precisando agora que se aproxima um momento crucial da pandemia do coronavírus.
Quem assiste televisão, tem amigos ou conhecidos trabalhando na área da saúde, testemunhou que vivem momentos difíceis... quem já ouviu depoimento de pacientes curados sabe das dores e agonias passadas até a recuperação, especialmente pela falta de ar... aceitar as normas de higiene social e atender às autoridades públicas, neste momento, é atitude que abre caminhos e possibilita a esperança... Vamos sair desta: mais sofridos, mais calejados, quem sabe, ressiginificando nossas relações e, no entendimento da própria dor e da dor dos outros, até, mais humanos...