quinta-feira, 31 de maio de 2012

O homem é bom ou mau por sua religião?

O vereador Ivan Duarte postou no facebook um diálogo de José Saramago: "Perguntaram a Saramago: como podem homens sem Deus, serem bons? Ele respondeu: como podem homens com Deus serem tão maus?"
A provocação levou-me a postar como comentário: "Há algum tempo que eu me questiono a respeito. Embora sendo Católico, Apostólico, creio que o meu R não é de Romano, mas de Relaxado. Creio que todo homem precisa de uma fé. As religiões são a expressão da fé de alguns grupos que se identificam. Um budista dizia que tinha profunda admiração pelo Cristianismo, mas que tinha sérios problemas com os cristãos que ele conhecera. Conheço muitos homens bons, sendo religiosos, assim como conheço muitos homens bons que não têm religião. Assim como conheço maus - em todos os sentidos - em ambos os lados. Nesta, como em outras questões - política, futebol etc. - o importante é que se preze e respeite a liberdade alheia de fazer as próprias opções."
Nas participações que faço, em diversos grupos, defendo que as pessoas alimentem e vivam a própria fé, que, ao menos me parece, torna-se mais fácil, quando há um grupo com o qual me identifico.
Tenho sérios problemas com aqueles que, digo, fazem das religiões um buffet de religiões: buscam em cada uma aquilo que lhes interessa, consequentemente, não mantêm identidade com nenhuma. Não são honestos nem consigo mesmo, sequer com as religiões.
Não confundir com o sincretismo religioso, que isto é outra história, que merece um capítulo à parte.
Por conveniência e para não sentirem-se co-responsáveis com as religiões, buscam o batismo numa, o casamento noutra e, em caso de extrema unção, vão em busca de uma terceira que esteja mais por perto.
 Meu pai dizia que o maior problema está naqueles que se "convertem" e acham que somente eles têm o caminho da verdade. Isto vale para a religião, assim como para quem deixou de fumar, beber, optou por um partido político etc. Ficam fanáticos. São os piores, pois se tornam crentes chatos.
Não é o caso. Homens são bons ou maus por uma série de fatores, inclusive religiosos. Querer atribuir à religião a capacidade de direcionar a vida de todas as pessoas é uma cegueira que se percebe apenas olhando para o número daqueles que verdadeiramente frequentam os templos: o número não é suficiente para influenciar os destinos da humanidade. Agora, se incluirmos os políticos, administradores, educadores etc., pode-se pensar de uma forma diferente.

domingo, 27 de maio de 2012

Um inquietante momento de silêncio


Artigo: um de meus artigos que teve muita reflexão, especialmente entre religiosos.
O profissional à minha frente parecia carregar o peso da humanidade. No entanto, tinha um problema bastante comum: cansara do discurso para o qual fora treinado. E cada vez que falava, sentia-se vazio, como quem está enganando o público para o qual está falando. E enganando muito mal, porque incapaz de convencer-se, consequentemente, de convencê-lo.
Nos cursos e palestras que realizo, em Comunicação, acaba-se chegando a uma triste constatação: estamos empobrecendo o elemento mais importante, fundamental, do processo comunicativo: a palavra.
Repetida burocraticamente, a palavra passa a ser, apenas, dita à exaustão, desgastando seu sentido e tornando-se muito próxima de um mero ato mecânico. E este não consegue fazer com que se “des cubra” (no sentido de retirar o véu que a preserva) e se possa saborear plenamente o seu sentido. Para um determinado tipo de situação, a “fórmula” já está pronta, é chavão, e vem envolta em algum sorriso, cara compungida ou feição que nada demonstra, esperando que resulte num efeito previamente estabelecido.
Vejo que isto acontece com alguma frequência entre aqueles que precisam utilizar o discurso religioso. A pura repetição de um ato não o transforma em rito, mas atende apenas a um suposto “tratado” com Deus: a “soma” de determinadas ações deveria resultar no “produto” esperado. Este é um ledo engano: o rito tem seu valor em si. Não precisa de pregações alongadas, entediantes e, muitas vezes, desestruturadas, juntando elementos que vêm à cabeça do pregador, que alonga seu discurso por um único motivo: como não sabe por onde iniciou e por onde andou, também não sabe como terminar.
Triste e maltrapilho desejo! Em muitos momentos, acredito ser necessário “rezar pelo Espírito Santo” e não “rezar ao Espírito Santo”. Explico: a mesma crise de identidade no encontro do sentido das palavras faz com que se abuse do ato de pedir ao Espírito Santo para que faça uso de seus atributos. Um dos principais: a inspiração. Coitado do Espírito Santo! Um “burocrata do Senhor” que não consegue fazer ao menos a sua tarefa básica, que é a de preparar-se para a liderança, não deveria ter o direito de chegar a esta instância.
Então, qual é a solução. Para quem crê, é simples: a oração. E para quem não crê? Também é simples: o silêncio. O silêncio precisa antecipar a palavra para poder dar-lhe substância e sentido. É assim que se evita encorpar aqueles vazios que vão ficando quando a repetição se torna rotina; o improviso, a regra; e a manipulação dos sentidos o caminho mais fácil para o fim de uma carreira de comunicador, seja ele religioso ou não.
Em cada uma das atividades, torna-se fundamental incorporar espaços de sanidade mental. São aqueles momentos em que podemos nos recolher ao silêncio e ordenar nossos conhecimentos, sentimentos e, mesmo, rezar. O que mais impressiona é que somos capazes de elencar dezenas de argumentos para não encontrarmos estes momentos. Eles parecem supérfluos diante de rotinas preestabelecidas em que somos tragados pela avalanche de ações que são “urgentemente necessárias”, em nosso grupo familiar, atividade profissional, educativa ou, até mesmo, religioso.
Paciência. Conheço profissionais que enfrentaram a crise diante da palavra e entraram em desespero. Até silenciar e abrir o coração para a reflexão, a meditação e a oração, é um longo caminho, para o qual não existem fórmulas prontas. Cada qual tem que encontrar o seu. Mas ele precisa ser iniciado: com um inquietante momento de silêncio.

sábado, 26 de maio de 2012

Uma alameda de acácias


Dos meus contos escondidos no baú de um livro com publicação restrita.
Era o início da Primavera. A marca certa de que as árvores estavam voltando a ter suas folhas, de que voltavam as flores, tempo em que os pássaros começavam a cantar, mesmo antes do nascer do sol.
Mas, o que mais marcava para o Mestre, na chegada da estação das flores, era o cheiro que exalava de uma árvore simples e considerada de pouca resistência: a Acácia.
Deixou o Mosteiro e seguiu por uma trilha que o levaria até o alto do monte. Era o seu lugar preferido para ver o sol nascer. Mas também era o único caminho que formava uma alameda de acácias. O suave perfume, misturado com a musicalidade das abelhas que madrugavam para não serem atingidas pelo sol mais forte, tinham o dom de relaxá-lo, deixar seu espírito aberto e disponível para o que pudesse acontecer durante o dia.
  Mal havia sentado, quando ouviu passos que vinham pelo mesmo caminho que percorrera. O Aprendiz. Pensou em mostrar-se zangado, mas não conseguia.
- O senhor vai ficar brabo comigo, se eu ficar aqui?
Não podia mentir.
- Até pensei que sim, mas não vou, não. Mas como me encontrou?
- Segui-lo é relativamente fácil, Mestre.
  Também tinha o seu ataque de petulância, àquela hora da manhã, o pequeno Aprendiz.
- Então, explique-me.
- Acontece que existem duas formas do senhor iniciar seu dia.
  Aguardou uma explicação que não veio. Suspirou fundo e teve que perguntar:
- Então?
- Ah, sim. Quando o senhor vai direto para as preces, tudo é feito às pressas. Ouço-o saindo de sua cela, batendo tudo. É certeza de que o dia também vai passar assim.
- E a outra forma?
- É quando o senhor vem aqui. Sempre agradeço ao Eterno Descanso quando vejo que sai furtivo e se encaminha para o monte. O dia, então, será sereno, tranquilo, a sua energia é contagiosa e faz com que tudo se torne mais fácil.
  Estavam começando a surgir os primeiros raios de sol. Todas as coisas já haviam recuperado suas formas e o azul começava a ser preenchido por esgares do suave vermelho da manhã.
  Mais do que se tornar previsível, estava precisando deste alimento para continuar com o trabalho do Mosteiro.
- E eu vou ajudá-lo, Mestre.
  Já não se assombrava sabendo que ele lia seus pensamentos. Afagou-lhe a cabeça, com o cabelo encaracolado e rebelde a fazerem moldura para aqueles olhos que retribuíam seu carinho com amor, muito amor. O amor de quem também precisava compartilhar do sol nascer, do perfume das acácias e de cada momento de sua vida. Foi então que lhe veio à memória a ocasião em que conhecera o tamanho do mar.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Entre a tamanca e o chinelo

Sou da geração que fez a transposição entre o uso do tamanco - normalmente feito de madeira e couro - e o chinelo de dedo. Neste meio tempo, muita coisa aconteceu, para o bem e para o mal. Lembro de um amigo que contava terem sido assaltados em casa e que ninguém ouviu nada porque o ladrão usava chinelos de dedo, então uma novidade, não sendo ouvido.
Não creio que alguém vá tomar esta transformação como símbolo das mudanças que aconteceram nestas últimas décadas, desde a tecnologia até os costumes. Poderíamos lembrar outras: das novelas de rádio para as novelas de televisão; da máquina de escrever para o computador; das viagens apenas sonhadas, para aquelas que hoje se realizam com certa facilidade.
E, me parece, o que mudou foi isto: a facilidade de acesso a certas coisas que, no passado, eram somente acarinhadas como projetos próximos do inexequível.
A questão é a qualidade que se dá ao processo. Vejamos o caso da Universidade. Hoje, temos "pechinchas" que saem de pouco mais do que cem reais para um curso de terceiro grau. A pergunta que não quer calar é: prepara para quê? Em alguns casos, acaba sendo apenas a satisfação de ter um canudo universitário.
Entre a tamanca e o chinelo, ainda temos um longo caminho a percorrer, especialmente no processo de educação, que é um ato solidário entre família, educadores e sociedade. Sendo verdade que estamos melhorando, enquanto Brasil, nos índices econômicos, o próximo passo tem que ser qualificar as pessoas para que, mais do que consumir, possam se realizar no convívio do dia a dia, superando a pequenez de olhar apenas a volta do próprio umbigo e se voltar para índices que nos satisfaçam em áreas como a saúde, segurança, moradia, cultura, diversão...

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Racionamento ou incompetência?

Comentei, ontem, no rádio e na televisão, o despropósito que é Pelotas ter racionamento de água. O uso racional da mesma é outra coisa (não desperdiçar o líquido precioso). Explicava: o município ao sul do Rio Grande do Sul está cercado por água potencialmente tratável (embora, muitas vezes, poluídas).
De um lado, a Lagoa dos Patos, na maior parte das vezes, com água doce; ao sul, O Canal São Gonçalo, com acesso à Lagoa Mirim; do outro lado, a barragem do Santa Bárbara (fonte principal, além de outras duas barragens menores), assim como o Arroio Pelotas.
O potencial do São Gonçalo é tão grande que o município de Rio Grande já se antecipou e conseguiu a canalização para receber e tratar água para sua área urbana. Para Pelotas, há um projeto de uma barragem feita naquele canal e que também resolveria todos os nossos problemas.
Mas a questão não é esta: a promessa da obra já existe há muitos anos, décadas. Mas, na prática, a incapacidade de articulação política de nossas lideranças faz com que o tão perto, muitas vezes, se torne longe. Governos que não se identificam, medo de que outros assumam a "paternidade", incapacidade nossa - cidadãos - faz vermos estas melhorias em outras áreas do Estado, em detrimento das nossas.
Claro que, neste momento de estiagem, o racionamento é necessário. Mas ele demonstra a incapacidade técnica de nossos governantes, atuais e passados, em pensar não apenas o presente, mas fazer previsões do que se dará a médio e longo prazo. As eleições de outubro podem delinear um novo quadro: mas precisamos construir candidaturas já agora. Votar não é apenas escolher quando estivermos diante da urna. É pensar, julgar, conversar, aceitar ou não propostas viáveis e que atendam às mais elementares necessidades de infraestrutura, serviços básicos e a satisfação das necessidades mais elementares que compete ao poder público providenciar.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Brasileiro: cara de palhaço, jeito de palhaço...

Como todo o brasileiro que se interessa por saber como é gasto o meu(nosso) dinheiro no serviço público assisti entre indignado e divertido a farsa em que se transformou a CPI do Cachoeira, na transmissão ao vivo da representação pretensamente séria da reunião em que senadores e deputados deveriam ter ouvido o próprio Cachoeira.
Orientado por seus advogados - um deles ex ministro da Justiça! - declarou que, por direito legal, não tinha nada a declarar. A reunião durou, mesmo assim, mais de duas horas, com raros momentos de serventia, a não ser quando uma senadora pediu a suspensão dos trabalhos, sentindo que o que se passava era uma "palhaçada". Ou quando alguém disse que as perguntas feitas e não respondidas alimentavam o arsenal da defesa.
As negociações para blindar aliados - de praticamente todos os partidos - beira ao deboche. Somente não entram nestas águas turvas quem ainda não exerce o poder. De resto, não escapa nenhum!
Explicações são dadas para coisas que beiram o imoral, embora com o verniz de legal. O próprio ex-ministro que hoje advoga - com polpudo pagamento - diz que é um direito seu aceitar um cliente. Mal comparando, foi dito que seria como se um padre abrisse um bordel onde trabalhassem as mulheres de "vida fácil" (que de fácil não tem nada!), com a explicação de que fica mais fácil de cuidar de suas almas!
Infelizmente setores de muitas profissões beiram a prostituição. No Brasil, os inúmeros benefícios concedidos nos dão a sensação de que sentimos uma certa coceira no nariz: um tampão vermelho nos deixa com a cara de palhaço, jeito de palhaço... E a sensação de que, se a sociedade não se mobilizar, tudo vai acabar em piza.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Um novelo de lã

O programa era relativamente simples: comprar dois novelos de lã para que a Marli fizesse a capa de duas almofadas. No entanto, quantas lembranças! Começando pela infância, onde um blusão de lã novo era uma autêntica maravilha, na maior parte das vezes, crescendo feito taquara de um ano para o outro, o jeito era a mãe ou uma irmã desmanchar a peça e refazer, conforme o tamanho do indivíduo, mutas vezes com um tom diferente nas barras.
Nunca consegui entender direito: parece que naquele tempo o frio era maior! Minha dúvida, hoje, é se não tínhamos menos roupas, com um ponto mais esgarçado, para economizar, permitindo que a sensação fosse maior.
Isto já não importa mais, porque, quando o frio aumentava, no fina da tarde, era hora de se achegar ao fogão de lenha para ouvir a Ave Maria e depois as histórias que nos vinham pela Rádio Pelotense. Depois, embaixo dos cobertores de pena, ouvindo as novelas pelo rádio, não importava o frio e o vento que rondavam lá fora.
As vendedoras foram gentis em mostrar a enorme variedade de fios, lisos ou coloridos, e a diversidade de modelos que eles proporcionam. No entanto, a sensação era de que eles estavam nús, faltava-lhes história, a mesma que nos remete à infância e adolescência em que todas as dificuldades eram superadas no sabor de uma família e nas esperanças que jogávamos para o futuro.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Gustavo e o Pedro


Na semana passada, postei um texto no meu blog a respeito do acidente que o Gustavo sofreu quando andava numa preferencial, de moto, e teve a frente cortada por um carro: a moto ficou e ele voou por sobre o veículo, sobrando escoriações, fraturas e um longo tempo para esperar notícias da Unidade de Tratamento Intensivo. Depois, o tempo de hospitalização, com restrição de visitas, para que pudesse se recuperar, ainda em estado de observação e preocupação.
Não pude deixar de comparar quando o Pedro – filho do Leonardo – também sofreu um acidente, saiu da inconsciência, estimulado pela mãe, que pedia: “diz ‘oi, mãe’, Pedro”. Vagarosamente, acompanhado de um sorriso, acabava-se o silêncio com uma expressão entrecortada pelo entubamento: “oi... mãe!”.
O retorno do fundo do poço sempre é difícil, complicado e dolorido. Mas acontece e deixa, em cada um, suas marcas. As vitórias podem ser pequenas, no caso do Pedro, duas pequenas palavras; no caso do Gustavo, os primeiros passos dados no quarto e o banho embaixo do chuveiro. A Jane, uma amiga em comum, depois de um acidente, disse que chorou de alegria quando pode tomar seu primeiro banho com a água jorrando sobre seu corpo. Com o Gustavo foi diferente: ria de felicidade, depois de passar aquele tempo em que o “banho” era apenas uma higiene básica feita à base de panos umedecidos.
O importante é que, depois de um trauma, há um caminho longo a ser percorrido. Durante algum tempo, muitas atenções. Depois disto, o dia a dia de seguir o tratamento que exige paciência, paciência e, quando tudo irritar, ainda mais paciência.
As primeiras palavras ditas, os primeiros gestos feitos, o primeiro banho, retomando hábitos comuns valorizam a existência: viver cada instante com a intensidade que pede o reencontro com a esposa, os filhos, familiares, amigos. Aproveitar o sol, a chuva, o frio, o calor, neste caso, em dois corpos jovens, uma nova chance, que nos dão uma nova chance pelo milagre da vida.

domingo, 20 de maio de 2012

O perfume que fica


Da série de lembranças de crônicas já publicadas.
Observava a chuva que caia, quando apareceste em meio às árvores. Esperei-te na varanda, já com uma toalha na mão. Não tinhas qualquer proteção e os pingos escorriam por teus cabelos, por teu rosto, grudavam tua roupa em teu corpo. E, mesmo assim, sorrias.
Ajudando a enxugar teus cabelos e teu rosto, senti teu perfume. Não. Não era teu perfume. Mas o perfume que as acácias exalavam e que havia ficado preso em teu corpo.
Sempre tive especial carinho pela alameda de acácias por onde vieste. E sempre achei estranho que as flores, que eram capazes de perfumar a distância entre a estrada e a casa, também desaparecia quando se cortava um de seus galhos.
Mas agora, ali estavas, com o perfume das acácias e não sendo capaz de dar-te conta de que estavas absolutamente deslumbrante.
Desde então, nunca mais consegui dissociar uma coisa da outra. Ao mesmo tempo em que espero pela Primavera, para que as acácias voltem a florir, também fico triste porque acabam lembrando de ti e do perfume que impregnou teu corpo.
Por onde andas, agora, existem acácias? Lembrar-te-ás de que um dia, fugindo da chuva, buscaste abrigo em minha casa e deixaste uma marca incapaz de ser esquecida?
Creio que não. Mas, mesmo assim, para mim, bastam as acácias. E quando, naqueles dias em que o vento sussurra nomes de encontro à noite, eu tenho certeza de que o perfume também se intensifica e fico com dificuldade de discernir quem te amou mais: O perfume que possuiu teu corpo, ou quem apenas suspirou por um minuto de atenção de tua parte.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O olhar do adeus

Olha nos meus olhos.
Cada vez que abaixas teu olhar
é um jeito de fugir de mim.
Escorres por entre meus dedos
e sinto que ficas cada vez mais longe.

Olha nos meus olhos.
Meus lábios vão ficando secos
pela lembrança das vezes
em que vivemos momentos
de intensa cumplicidade.

Viver também é um jeito de perder.
Cada vez que perco teu olhar,
há uma luz que se apaga,
uma aragem perfumada que se perde.

Nas dúvidas da vida,
assim como também nas suas certezas,
o olhar é aquele que pode ser sedutor,
engraçado, atrapalhado,
ou o sinal de que se está próximo do adeus.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Gustavo, um amigo especial

Agora a angústia está passando. Mas o Gustavo nos deu um baita susto. Dias atrás, andava de moto por uma preferencial, quando um carro atravessou a rua e ele pulou por cima do veículo. Escoriações, fraturas, e a alma doendo por saber que um bom tempo esteve na Unidade de Tratamento Intensivo e, agora, no quarto, mas com restrição de visitas.
Esta figurinha, filho da Gilca e do Zé, esposo da Dani, pai de duas meninas lindas, conquistou meu coração ainda piá, pois era amigo do Vinícius (que já faleceu) e tornou-me seu segundo pai, em plena adolescência: brigas em casa, eu chegava na minha e a luz estava acesa. Em seguida, uma ligação perguntando se ele estava aqui. Claro. Passada a tormenta, cessava a crise, voltava para casa, depois de um ou dois dias albergado.
Mas foram tempos difíceis, amadurecendo, até chegar ao casamento. Infelizmente, nem sempre pude estar junto. Mas sempre tive dele um afeto profundo, como tenho por todos os meus sobrinhos.
Agora, o acidente o levou a um leito de hospital, onde toda a sua energia - parece um daqueles bonecos infláveis ao vento, que não conseguem ficar parados - sai de circulação. Mas, num primeiro momento, a dor da quase perda trazia imagens de um passado onde nos despedimos juntos do Vinícius, que partiu num acidente.
Nas nossas vidas, há aqueles que se afastam por necessidade de irem para outros lugares. A dor existe, mas é superada por telefonemas, ver imagens, visitá-los com frequência possível. No entanto, a quase perda assemelha-se à dor de uma separação permanente: deixa em cada uma de nossas fibras este gosto estranho da morte. Graças a Deus não foi agora. Superamos mais uma, com todo o tempo possível para ver o Gustavo voltar a andar, trabalhar, cuidar das filhas, ser o amigo que a vida fez de muito, muito especial.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Por uma saúde mais justa

Dia de vacinação. Como o postinho da Santa Terezinha (em Pelotas/RS) informou que haviam apenas dois profissionais trabalhando, foi o caso de colocar a dona França no carro e, lá, fazer a ficha e aguardar para que uma delas viesse até a rua e aplicar a dose que previne contra a gripe.
O tratamento dos profissionais, de primeira. Desde o atendimento burocrático, até aquela que aplicou a vacina, nota dez. Em compensação, as dependências, nota quase zero. As pessoas são atendidas praticamente na rua. Aguardam num espaço aberto, mesmo com as molduras em ferro para vidro, vazias.
Outro problema, a procura por atendimento médico. Quase um milagre, conseguir ficha. Pessoas chegam a se deslocar para o posto no meio da madrugada para garantir um atendimento. Pensei que isto era coisa do passado. Não é. Vizinhos se revesam para obter uma ficha, ou compram o serviço de alguém que faz a vez de paciente.
Praticamente, não há comentário a ser feito. A simples e dolorida constatação de que para se obter um serviço básico - e que a constituição caracteriza como universal - atira uma grande parcela da população numa situação de miséria.
Ninguém pede instalações sofisticadas. Somente que a população merece ter instalações que, mesmo simples, atendam as suas mínimas necessidades. Infelizmente, isto é Brasil e acontece de norte a sul do país. Outra área que precisa ser fiscalizada pois, ao que se saiba, dinheiro existe, mas a sua aplicação percorre corredores estranhos e acaba em mãos que não fazem a saúde andar como deveria. Então é lutar para que, um dia, se tenha uma saúde mais justa.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Lei da transparência

A partir desta quarta - 16 de agosto - todos os órgãos públicos - executivo, legislativo e judiciário - devem se adequar à lei da transparência. Traduzindo: tudo o que é feito e como são gastos os recursos públicos devem ser de conhecimento geral. Se não estiverem em espaços públicos, devem poder ser acessados se requeridos por qualquer um.
Claro que isto não vai acontecer de uma hora para a outra. Deste armário - serviço público - há muito cadáver insepulto que deve ser desovado. Tristemente, uma autoridade pública disse que foi pouco tempo para se adequar desde que se definiu em seis meses, que espiram amanhã, o prazo para que alcançássemos este patamar fundamental do processo democrático.
Ora, esta discussão não é nova, já dura mais de dez anos. A Paula Mascaranhas lembrou que o então deputado Bernardo de Souza (estadual pelo Rio Grande do Sul, já falecido) batalhou para que um projeto seu fosse aprovado em instância estadual, pedindo a transparência nas contas do governo do Estado.
No que consiste? Tenho usado de dois exemplos para que as pessoas entendam: primeiro, todos temos o direito de saber o salário - real - de quem trabalha como presidente, prefeito, governador, juiz, deputado. Mais, quando alguém compra uma impressora que custou R$ 300,00, ao acompanhar uma licitação de uma prefeitura que comprou cem impressoras e pagou R$ 700,00 pelo mesmo produto sabe que existe alguma coisa estranha. E que tem que espernear e fazer outros espernearem juntos.
Juntamente com a a lei da ficha limpa - que a presidente Dilma já projeta em aplicar no poder executivo (não sem tempo) - estamos criando mecanismos para aperfeiçoar uma máquina pública que tem nos dado muitos dissabores. Mas não custa sonhar. Se não conseguirmos conquistar isto para a nossa geração, ao menos que nossos filhos e netos consigam olhar para um novo horizonte.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Mãe, a presença de Deus

Minhas lembranças de infância guardam resquícios de sons e de cheiros. A manhã iniciava na madrugada, quando o padeiro batia palmas ao lado da casa, deixando o saco de pão, às cinco e meia, com o cheiro de pão novo entrando pela janela. Em seguida, meu pai levantava para abrir o armazém às seis horas, já com gente esperando na porta para comprar os ingredientes do café.
Na sequência, minha mãe levantava e começava as lides da casa, mais a preparação de alimentos para serem comercializados no armazém: eram cheiros os mais variados: ovos sendo cozidos, rapadurinhas sendo preparadas, fatias de bolos sendo cortadas. E, nos finais de semana de frio, o cheiro e o bater no tacho que preparava o mocotó.
Fui aprendendo, na prática, que "por traz de um grande homem, há sempre uma grande mulher". Considero meu pai uma referência, mas - embora nossos gênios em muito momentos tenham sido incompatíveis - aprendi o quanto era difícil para minha mãe ter embarcado naquela aventura de sair do interior - próximo de sua família - para vir tentar um mundo novo para os seus, então, três filhos.
Fugindo das agruras de uma vida difícil na roça, restava buscar na periferia da cidade as oportunidades de trabalho e de dar aos filhos uma educação que sonhavam juntos. Infelizmente, dois filhos morreram neste caminho, chegou mais uma e, hoje, dona França alcança seus 87 anos com uma serenidade que, eu, gostaria de ter ao chegar ao final de minha vida. Cumpriu seu papel, mas não abre mão de conviver com as pessoas. Embora o corpo nem sempre ajude, mantém-se lúcida, bem humorada e abençoadamente feliz.
Superamos, juntos, muitas perdas. Elas sempre nos aproximaram e nos renderam muitas lições: a principal delas é que mãe é mãe. Não precisa ser mais nada do que isto: gerou uma ou mais vida e tentou indicar caminhos. Como na terra, ao se plantar, resta acarinhar e regar, de resto, cada um tem que decidir os seus caminhos.
Hoje, tenho carinho pelas mães que estão presentes, mas também tenho por aquelas que nos deixaram saudades. Que este domingo seja o momento de relembrarmos ou revivermos momentos bons da convivência e a certeza de que mãe, na verdade, é um pouco da presença de Deus em nosso meio.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Minha aldeia, minha Silveira

Nos últimos dias tenho falado - e escrito - bastante a respeito da Vila Silveira (rua João Jacob Bainy e adjacências, em Pelotas/RS). Quando conversávamos a respeito na Escola de Comunicação da Universidade Católica, onde trabalho, alguém lembrou de Liev Tolstói: "se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia".
Uma grande verdade. Da estrada que apenas levava até duas olarias (quando chegamos a Pelotas apenas uma ainda estava em funcionamento - dos Carúcios), ao núcleo residencial cercado por cinco condomínios, foram longos 50 anos em que vimos o "progresso" chegar sem, para muitos, perdermos o sentido de "vileiros".
Antigamente, dizíamos que a Silveira era um condomínio aberto, pois era uma rua sem saída. Evoluiu para ser um dos principais corredores de ligação entre dois bairros - Três Vendas e Fragata.
No entanto, isto não foi o suficiente para tirar aquele sentimento de vizinhança que, ainda hoje, impera. Na maior parte dos casos, ainda nos conhecemos pelos nomes e temos notícias da vidinha de cada um.
As boas lembranças do tempo em que não se tinha luz e os "fantasmas" eram comuns em muitas histórias e em nossos imaginários. Contavam os mais antigos que um coqueiro frondoso no meio da rua (meio, mesmo), era assombrado e que, a partir do por de sol ali eles se manifestavam. Numa noite, o Bernardo (negrinho já idoso que morava no final da rua) tinha tomado uns tragos e precisava ir para casa. Ninguém explica até hoje se quem levava a bicicleta era o Bernardo, ou se a bicicleta levava o Bernardo.
Só que os mais maldosos tinham amarrado um fio de arame no coqueiro e na cerca em frente. Dito e feito, alguns minutos depois o Bernardo retornava "branco" e dizendo que tinha sido atacado pelos fantasmas!
Os fantasmas se foram, o tempo se foi, o Bernardo - assim como muitos outros - hoje, é apenas uma boa lembrança. Mas a Silveira continua. Como diz o meu amigo Hélio: "quem viver, verá".

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Corredor das tropas

Tenho conversado, ultimamente, com pessoas que relembram coisas da história recente de nossas cidades que, infelizmente, se não forem registradas, haverão de se perder. Quando chegamos a Pelotas, em 1959, os limites da cidade (área urbana) praticamente terminavam no cruzamento entre a avenida Fernando Osório e XXV de Julho. Ali ficavam as três casas comerciais que deram origem ao bairro; "Três Vendas". Também era o fim da linha dos bondes. Dali em diante, a colônia.
Pois nós morávamos na "colônia". Nossa rua ficava quase dois quilômetros distante deste cruzamento. Mas havia algo interessante: primeiro que a XXV de Julho não era conhecida assim, mas como "Barbuda" (não me perguntem o motivo, porque não sei. Contam os maldosos que na entrada da rua havia uma certa senhora com um buço (bigodinho) bem declarado), por onde entravam na cidade as tropas de animais que seriam abatidos, industrializados e comercializados, aqui e no exterior.
A avenida XXV de Julho, a Salgado Filho, a São Francisco, mais a estrada à beira do canal que levavam ao Anglo (abatedouro) eram consideradas como "corredor das tropas". Animais de todos os tipos - bois, cabritos, cavalos - passavam pela área, alguns com o juramento de que somente eram vendidos para o exterior - como os cavalos. Mas quem prova?
O professor Silon morava à beira da "Barbuda", onde, durante muito tempo, ainda se conservavam os bebedouros, a uma certa distância, para minimizar a sede dos animais. Conta que, no final de novembro, a cena inusitada eram "os bandos" de perus, que também iam para o matadouro, para atender às demandas de final de ano. Tem sentido, mas não sei se foi verdade.
Do que me lembro eram os bois brabos que muitas vezes extraviavam e acabavam invadindo pátios e corredores. Era uma aventura. Mas também passou. Hoje até os nomes antigos foram sendo esquecidos. Mas ficam as lembranças, boas lembranças, que se apegam à vida e, embora passem quando esta geração passar, são nossas, como cada momento vivido como único e pessoal, dando cor e sabor ao presente e também às boas recordações.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Seu Udo e a nova Silveira

No meu último texto sobre os ruídos da noite, esqueci de um: o barulho do caminhão do seu Udo, nas madrugadas de segunda-feira, quando esquentava o motor para seguir com carga para Porto Alegre. Não era um incômodo, na verdade, era um jeito de saber que alguém começava a trabalhar, que o dia iniciava e que se tinha mais uma semana pela frente.
Três foram as lembranças que ficaram do seu Udo depois que, hoje pela manhã, soube da sua morte por um ataque do coração. Além desta, ainda o espírito brincalhão de quem conversava com praticamente todas as pessoas na rua. Passei pela casa, em direção à padaria, e ele estava consertando o telhado, com a dona Gisela (esposa) e o Dico (vizinho) olhando. Perguntei se eram ajudantes. Respondeu que não, que só estavam atrapalhando.
Da outra vez, voltava do mercadinho quando ele estacionava o caminhão do outro lado, olhei diversas vezes, mas ele não me viu. Foi a última chance de lhe dar um olá.
Foi-se um bom vizinho. Embora nossa rua tenha passado recentemente por muitos incômodos causados pela omissão de serviços públicos, ele sempre dizia que aqui era o seu lugar e não pretendia se mudar.
Andar vagaroso, fala calma, olhar tranquilo, um daqueles alemães que tinha alegria em ajudar os vizinhos, pelo simples prazer de fazer bem às pessoas. Na galeria daqueles que vão fazer falta, está gravado mais um nome: seu Udo. Creio que a Vila Silveira já tem, lá em cima, um número suficiente de moradores que estão criando uma nova vila. Talvez seja a chance da gente reiniciar tudo aquilo que sonhamos para a nossa vila terrena.

domingo, 6 de maio de 2012

Os ruídos da noite


Da série de já publicados, já com saudades da Primavera.
Os primeiros raios de sol foram precedidos pelo cantar dos pássaros que procuram alimento no arvoredo. Marca certeira de que a estação do frio está chegando ao fim, já que se depositam os primeiros brotos nas árvores que, até então, estavam desnudas.
Os ruídos da madrugada sempre se transformam num ritual que prepara a chegada do dia.
A vida chega quando se percebe o ruído das primeiras bicicletas com operários que vão para o trabalho; as primeiras charretes que transportam feiristas, os primeiros estudantes buliçosos comentando o que passaram no dia anterior; o primeiro guincho do ônibus que para e recolhe os passageiros.
Gosto muito do frio do inverno, com seu aconchego e aquele manto encobrindo a cidade, aproximando as pessoas. Mas fico ouvindo, durante a noite, e sinto falta daqueles sons de pequenos animais que grasnam próximo da sanga, ou que circulam em meio ao espaço verde que ainda sobrevive frente à minha casa.
Quando acordo, em meio à noite, os ruídos que vêm da natureza presente em volta dão o ritmo da vida que me faz voltar a dormir. Com a certeza tranquila de que tudo está bem.
Não são simples ruídos – que não passam de barulhos, mas sinais de vida que, ausentes, deixam a sensação de que estamos absolutamente incompletos.
Não há como viver sem algumas coisas que nos parecem óbvias, mas que, na sua falta, vão nos deixando com a impressão de que as perdas se tornam irreparáveis e encaminhadoras do fim. E não são somente os ruídos da noite: de igual forma o primeiro ar fresco da manhã, quando abrimos a janela; o sol que nos faz cerrar os olhos, mas que afaga o rosto; o sereno que se deposita por sobre as plantas, o abanar espontâneo de quem acordou e levantou mais cedo.
A vida, em todos os sentidos, dos seres que nos cercam e que, muitas vezes, dos quais somente ouvimos o som de calçados no asfalto da rua. Mas que dão a sensação de que alguém está por perto, dando segurança de que podemos voltar ao nosso sono, envoltos na noite e em seus sons. Admiravelmente silenciosos.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Para ter dor de cabeça

Já disse aqui que a presidente Dilma está saindo melhor do que o esperado. Achava que ela e o Serra (candidatos nas últimas eleições presidenciais) eram dois burocratas de plantão. No entanto, apesar do padrinho populista - Lula - a própria não tem tido medo de meter a mão em assuntos bem espinhosos.
Depois de fazer uma cruzada contra os juros bancários - obrigando os bancos públicos a baixarem suas taxas - iniciou uma cruzada contra os bancos privados, dando uma prensa para que também passem a ganhar menos, o que não é nada mau, no mercado internacional, onde os rendimentos financeiros brasileiros são uma festa regada a champanhe e caviar.
Agora, regula a poupança. Para os apocalípticos de plantão é um prato cheio: "Collor vestido de saia", "o fim da poupança". Não é bem assim. Para os pequenos poupadores, que pensam em juntar dinheiro sem desvalorizar, para a compra do carro ou da casa própria, as regras continuam as mesmas - e os ganhos também. Mas induz a que o dinheiro seja investido em áreas de produção, onde se gera empregos, que por sua vez gera consumo, que por sua vez gera mais produção e assim por diante.
Ora, todos sabemos que, no Brasil, o sistema financeiro se acostumou mal: fez, sempre, dinheiro render dinheiro, sem a preocupação com a produção, emprego e consumo. Estas medidas indicam que há um novo caminho a ser tomado.
Porém, o grande problema continua não sendo este. Infelizmente, a máquina administrativa que temos hoje - município, estado e país - são impiedosos em consumir aquilo que não deveriam. O problema está, exatamente, em se reformatar o estado. Para isto, é necessário uma coragem que, tomara, a presidente Dilma tenha. Ao contrário, é uma dor de cabeça que se faz passar com um analgésico: vão os sintomas, ficam os problemas, que vão estourar, infelizmente, mais tarde.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Maria: a loucura de Deus

Hoje vou conversar com a Associação das Mães Cristãs. Sou privilegiado em receber convites para falar para pessoas idosas, em palestras motivacionais, mas também na linha da espiritualidade. O desafio desta quarta é falar sobre Maria, a mãe de Jesus.
Não me considero um marianólogo. Mas gosto de olhar para uma figura que ocupa papel de destaque na vida da figura mais desafiadora da História: Jesus Cristo. Para que as pessoas entendam melhor, tento ir além do que, ritualmente e muitas vezes burocraticamente, se vê nos Evangelhos.
Além da precariedade da escrita - praticamente todos os apóstolos eram homens rudes e muito longe das letras - busco no contexto de uma época, o que estava acontecendo e como a figura de Jesus pode ser analisada e nos encantar por outros ângulos.
No tempo de Jesus, os judeus tinham muitos homens estudiosos das Sagradas Escrituras, com formação suficiente para dar ao Filho do Homem uma cultura e uma formação inimaginável. No entanto, Deus entrega a formação de seu filho - durante quase 30 anos - a uma mulher, sendo, então, a mulher, um ser marginalizado na sociedade.
Este não é um detalhe, na verdade é uma grande subversão da História. Maria muda todo o conceito de educação que se tinha até então e passa a dar a Jesus, além do próprio exemplo de vida, também uma noção de respeito às pessoas - vejam o caso das prostitutas e das crianças, assim como à natureza, que muda o jeito de ver uma sociedade.
Exatamente aí reside a resistência dos judeus a Jesus: curar leprosos, falar com prostitutas, sentar com os cobradores de impostos, tomar uma criança como exemplo é uma loucura que somente Deus poderia cometer: a loucura da vida, que ainda hoje precisamos aprender.

terça-feira, 1 de maio de 2012

A Marli entalou no escorregador.


Segunda à tarde perfeita: temperatura amena, sol aconchegante, quase sem vento e um convite: visitar o sítio da Aura e do Bruno, em companhia da Marli, Camila, Júlio e Otávio.
Um passeio pela propriedade nos levou até a casa da árvore, ideia do casal para o entretenimento dos netos. E que bela ideia! Uma casa perfeita, com uma área necessária para que os dois guris brincassem à vontade, entrando e saindo da casa e utilizando o escorregador.
Foi quando a avó – a Marli – disse que ia andar no escorregador. Eu já tinha achado que ela se aventurara bastante ao subir na árvore, não acreditei que iria descer escorregando. Tanto foi minha descrença que, na primeira vez, não vi o feito heróico! Na segunda, vi e não acreditei. Foi uma festa, que ela tenha se animado àquilo que eu, por exemplo, não me animei. Claro que o “entalou” ficou por conta da minha quota de maldade (mas que não faltou muito, não faltou).
A Marli trabalhou muito tempo na área pedagógica e, hoje, mantém um grupo de terceira idade com técnicas para aguçar a memória, fazer movimentos, exercitar o corpo. Claro que, faz parte, também o lúdico, a brincadeira, que ela não só recomenda para os outros, como pratica.
O que a Marli fez, eu queria ter feito. Mas não fiz. Infelizmente, vamos nos tornando adultos demais e esquecemos que os pequenos prazeres precisam ser usufruídos na hora em que se apresentam. Naquele momento, era andar de escorregador. Quem sabe, da próxima? Mas, antes, vou cuidar a largura para ver se não serei eu a ficar entalado. Como diziam os antigos: “cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”.