domingo, 29 de abril de 2018

"Eu sou teu grude"


Semana passada, o papa Francisco visitou um hospital que trata crianças com câncer. Naquele seu jeito "avô bonachão" percorreu corredores cumprimentando médicos, enfermeiros, atendentes, pais, crianças, para as quais dedicou especial atenção, abraçando e beijando. Óbvio que, nesta hora, não faltam os que pedem autógrafos: fazia os votos de recuperação e assinava: Francisco. Simplesmente, Francisco!
Tenho falado seguidamente da preocupação com aqueles que desejam o título de "pessoa simples", ou, num outro grau, de "pessoa humilde". Diante de um Francisco, confirma-se que não basta apenas querer, mas é necessário viver. E a explicação é clara: é um estilo de vida em que se abre mão de ambições para dar valor àquilo que é mais elementar - fazer o bem, alcançar o coração a quem precisa.
Muitas histórias mostram isto. A menina/mãe em depressão encontrou nos momentos que o filho ficava com ela o seu espaço de sanidade mental. Em cada despedida, um alento: "mãe, tu fica bem. Eu sou teu grude!". Além do tratamento, da medicação, dos familiares e amigos havia um pequeno ser que lhe norteava a esperança. Precisava superar todos os entraves porque tinha um motivo para viver e a certeza de que em breve não seriam apenas finais de semana, mas todos os dias com ele ao seu lado.
Depois do diagnóstico de depressão, mãe e filha que não se davam bem reescreveram suas histórias. Dona Lívia foi chamada pela médica: a filha não sairia daquele quadro sozinha. Morava numa casa, a filha em apartamento. A médica contou que a paciente gostava de plantar chás. Nem isto sabia. Convidou para ocuparem a horta juntas: ela com as flores e a outra com os chás. De início, cada uma pelo seu lado, mas passaram a se ajudar. Decidiram almoçar juntas: à mesa, as flores da mãe e os chás da filha.
Tudo o que se diz, o que se faz, o carinho dispensado, a terapia envolvida, a medicação necessária chega até um determinado ponto. Depois, a estrada afunila e é por onde apenas uma pessoa pode passar. Na maior parte das vezes, mais do que profissionais, familiares e amigos convencer-se da mudança está na pessoa. Especialmente quando encontra alguém que lhe dê motivo para refazer a própria vida.
O papa não era um príncipe desfilando pelos corredores. A menina repetiu diversas vezes o que o filho lhe havia dito. Dona Lívia descobriu no abraço da filha um sentido para envelhecer. A receita sempre esteve ao alcance: valorizar pequenas coisas, estender a mão para quem chegou perigosamente à beira do abismo. Na busca pela felicidade, viver, apenas, viver. O que qualquer um precisa é simples e pode ser dito - e se quer ouvir - carregado de carinho: "fica bem. Eu sou teu grude"!

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Apenas uma canção

Revisitando meus textos (2008)

O seu Chico passou por um momento muito difícil, quando perdeu o filho e, em seguida, a esposa. Embora tentasse rezar a oração do terço, a caminho do trabalho, os dedos teimavam em não percorrer as contas do rosário e, na dor, restava apenas a triste lembrança e buscar esperança cantando o refrão religioso: “se as águas do mar da vida quiserem te sufocar, segura na mão de Deus e vai”.
Tenho um sobrinho que até os dez anos praticamente não tinha interesse algum pela música, no entanto, na febre do padre Marcelo, um dia o peguei cantarolando uma daquelas canções em que anjos e “erguei as mãos” se misturam. Tive que mudar de opinião: não é uma questão de gostar ou não de um determinado cantor, artista - padre ou não. O que vale é a capacidade de atingir a sensibilidade de alguém e convencê-la a cantar.
Mas foi assistindo à abertura das Olimpíadas na China que me deparei com um atleta gigante conduzindo uma criança mirrada, abrindo a grande delegação chinesa. Curioso, fui buscar informações a respeito. A história é memorável: o pequeno herói foi uma das milhares de vítimas de um terremoto, quando sua escola foi derrubada, sendo sua sala soterrada, mas, com as paredes escoradas, todas as crianças sobreviveram! Sem nenhum adulto, o menino lembrou-se de reunir seus coleguinhas e cantar, o que acalmou as crianças e indicou aos bombeiros a sua localização. E para o pequeno isto não foi suficiente: depois de resgatados, lembrou que ainda ficaram mais duas, que estavam a um canto, em função de ferimentos. Escapuliu das autoridades e foi em sua busca!
O que as três histórias têm em comum? A música, confirmando o dito popular de que “quem canta, seus males espanta”. Possivelmente, cada um conheça casos em que a melodia teve o efeito de tranquilizar, motivar, ou ainda livrar de algum peso. Tem a música assobiada, murmurada, entoada embaixo do chuveiro, ou cantarolada em momentos estranhos porque “grudou” na memória.
A música do agito, despertando cada fibra em nosso corpo; a que absorvemos como o murmúrio de um rio que levanta nosso olhar em direção ao horizonte; ou mesmo a que nos pede apenas o silêncio para entrarmos em sintonia com o Absoluto. Sou movido por música. Gosto de ouvi-la em cada momento do meu dia, certo de carregar esta energia positiva: dar força em momentos difíceis, criar situações novas, despertar energias que sequer julgamos possuir. Ou ser - apenas - uma canção!

domingo, 22 de abril de 2018

BR 116: desenvolvimento regional e força política


Semana passada, lideranças da região reuniram-se em Camaquã. Em pauta, a duplicação da BR 116, esta novela que se arrasta há longo tempo e não tem prazo para terminar. A mobilização de representantes empresariais, da política e da população já comprovou o que todos sabem: a duplicação melhora o desempenho econômico, aumenta a segurança e prospecta novos investimentos.
Ainda nos meios universitários, acompanhei a discussão: aqueles que hoje gastam sua energia trabalham em prol de uma obra que deveria vir ao natural se vivêssemos num estado que se preocupa com seu cidadão, tem planos para o desenvolvimento regional e não centraliza investimentos. Da forma como está, qualquer mobilização se torna uma romaria de pedintes tentando obter o óbvio: a concretização de um direito.
É uma justa causa capaz de congregar diversos interesses. Os meios de comunicação destacaram a questão da segurança e a quantidade de vidas poupadas se já tivéssemos as obras realizadas. Nem isto sensibiliza o poder público. Quem viaja entre Pelotas e Porto Alegre, seguidamente acompanha acidentes plenamente evitáveis.
Já sonhando com a sua concretização, é tempo de avançar mais um pouco. Os polos econômicos, hoje, não são mais locais - em nível de municípios - mas regionais. Portanto, o eixo Rio Grande/Pelotas precisa aprender a direcionar as próximas reivindicações. Uma delas: a ampliação das atividades do super porto e a montagem de plataformas de petróleo. Os benefícios seriam tanto para os dois municípios maiores, quanto para os demais.
Gradativamente, aumentar o uso da Lagoa dos Patos para trânsito de cargas. São coisas paralelas que não anulam a atividade dos caminhoneiros. Bem como, não tirar do horizonte a questão ferroviária. A experiência de anos anteriores mostrou que em tempos de pleno uso das atividades portuárias em Rio Grande apostar apenas no transporte por rodovias se mostrou desgastado e ultrapassado.
A preocupação com o aqui e agora não pode perder de vista a perspectiva do desenvolvimento regional. Hoje é pedir, pedir de novo e pedir outra vez. As regiões que se desenvolveram já o fazem e colocaram suas cabeças pensantes numa mesma linha de ação. Esqueceram diferenças por saber que gerar emprego, renda, segurança pessoal e familiar passa pela capacidade de concretizar potencialidades. Pode parecer o óbvio, mas aprenderam que são muito estando juntos e nada se estiverem separados, porque é assim que se perde força e representatividade política!

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Um longo caminho em meio às estrelas


Revisitando meus textos:
Periodicamente, o cinema revisita clássicos da literatura, dando chance a que desfrutemos de um novo enfoque, um novo jeito de perceber a vida e os sonhos que são eternizados na tela grande. É o que está acontecendo com o filme o Pequeno Príncipe. Baseado num livro infantil com mensagem para adultos, publicado por Saint-Exupéry, ainda durante a 2ª Guerra Mundial (1943), cativou gerações e, mesmo hoje, passar os olhos por suas poucas e densas páginas e desenhos é como mergulhar num turbilhão de emoções, reflexões e contínua busca de nossas origens, assim como do nosso destino.

Na nova versão, uma mãe quer encaminhar a filha "bem na vida". Para isto, acha que ela precisa começar a ter disciplina de adulta em miniatura, com compromissos, aprendizados e comportamento típicos. Mas... sempre há um "mas"... próximo mora um velho que resolve provocar a menina para uma aventura diferente e colocar o seu mundo de cabeça para baixo. Evoca a figura típica do contador de histórias que sobrevive desde os menestréis, atravessa as rodas em torno das fogueiras, até o pai ou a mãe que julgam não ser perda de tempo sentar na beira da cama de uma criança e estimular a sua imaginação.

O instigante é que, pelos olhos deste vizinho, a garota encontra o Pequeno Príncipe e a sua saga desde que se desentendeu com sua rosa, em seu pequeno asteroide, percorrendo diversos planetas até chegar à Terra. Mais de 60 anos depois, o escritor e aviador desencadeia bons motivos para resgatar linhas, sentenças, situações, relações, figuras que o tempo pode esmaecer, mas não consegue apagar.

Nos ecos da memória, passam frases como: "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"; "só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos"; ou ainda "amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção", entre tantas outras que lemos, um dia ouvimos alguém citar ou, quem sabe, murmuramos no ouvido de quem quisemos bem...

Estas frases, assim como muitas outras, na essência dizem a mesma coisa: é preciso cativar! Não é a arte mais fácil. Normalmente, usamos como escudo a desculpa de que os outros são difíceis e que fica melhor quando nos ensimesmamos. Fechados, nos protegemos contra tudo e contra todos. Mas não se pode ficar assim por muito tempo. Tocando a vida, a jornada se apresenta com longos períodos de caminhada, muitas quedas e, sempre, a esperança de que, ao levantar, haja um novo rumo na estrada!

Em 2004, encontraram no Mar Mediterrâneo restos de fuselagem do que supostamente teriam sido os destroços do avião que era pilotado por Saint-Exupéry. Morreu em 1944, um ano antes do fim do conflito mundial. Lamentei aqui a descoberta. Naquela época, como hoje, creio que há coisas que ficam melhor quando são guardadas pela Eternidade.

Acreditava - e acredito - que na hora em que o avião perdeu altitude e arremeteu em direção ao mar, uma pequena mão pousou sobre o ombro do homem angustiado por saber que era seu fim. Foi o suficiente para superar o medo e todas as incertezas. O menino que o acarinhava tinha um olhar brilhante e a certeza de que estava perto de reencontrar sua Rosa. Apenas murmurou: "Estamos voltando pra casa. É um longo caminho em meio às estrelas!"

domingo, 15 de abril de 2018

O leite derramado...

Numa palestra ouvi que não existem revoluções populares. Elas acontecem quando a água chega ao nariz da classe média que, então, incita as classe mais baixas. Olhando o quadro que se apresenta politicamente tenho que admirar o que as esquerdas chamam de "classes dominantes" - as do capital e aquelas que se apropriaram da máquina pública: embora sufocando a classe média, dividiram-na ideologicamente e, consequentemente, impediram-na de se unir para reverter o atual quadro.
Nos últimos anos, o Brasil criou um sistema público de castas. Aqueles que ali se instalaram não querem saber de mudanças. Até falam nelas, mas sempre dão um jeito de que não se concretizem. Licitamente - embora se possa questionar moralmente - conseguem benesses que estão longe de ser concedidas aos trabalhadores. Legais e quem tem não quer perder. E quem não tem? Este é o problema... Anseia por ter!
Uma máquina que vem parando. Inchou e se tornou autofágica, basta-se a si mesma, mas não cumpre seu papel: serviço à sociedade - saúde, educação, segurança, transporte, moradia... As discussões que grenalizam a política distraem e fazem a sociedade perder o foco: paga-se por um serviço que não se tem. E paga bem! Discutir qual o político preso ou como se comportam os juízes da Suprema Corte é torcida de futebol, onde a razão dá lugar ao passional.
O Brasil tem um Congresso Nacional inoperante, incapaz de fazer o elementar: sistematizar as leis, consequentemente, dá margem a interpretações, ministros que fazem uma disputa de beleza diante das câmeras e bancas de advocacia que faturam rios de dinheiro. A Constituição de 88 não é nenhuma maravilha, mas foi feita para um momento de redemocratização. Precisávamos de mentes esclarecidas que a aperfeiçoasse. Não aconteceu. Tanto por parte do setor público, quanto da iniciativa privada, o que se viu foram lobbys que a transformaram em um Frankstein!
Em outubro, acontecem eleições. Não temos uma população politicamente consciente, mas, uma maioria silenciosa que age em alguns momentos e faz a diferença. Quem sabe? Se encontrar um político pensando nestas eleições, esqueça-o. Procure um que ajude a pensar no futuro, especialmente na educação de seus filhos.
Eles vão sofrer as consequências de nossos atos. E, sim, nós podemos. E devemos reencontrar o caminho da dignidade. Embora muitos torçam o nariz, os políticos somente chegaram a este ponto porque muitos "bons" se omitiram. Como diz o ditado: "depois do leite derramado... não adianta reclamar!"

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Um inquietante momento de silêncio

O profissional que se pôs à minha frente parecia carregar o peso da humanidade. No entanto, tinha um problema bastante comum: cansara do discurso para o qual fora treinado. E cada vez que falava, sentia-se vazio, como quem está enganando o público para o qual está falando. E enganando muito mal, porque incapaz de convencer-se, consequentemente, de convencê-lo.

Nos cursos e palestras que realizo, em Comunicação Social, acabo chegando, em parceria com o grupo, a uma triste constatação: estamos empobrecendo o elemento mais importante, fundamental, do processo comunicativo: a palavra.

Repetida burocraticamente, a palavra passa a ser, apenas, dita à exaustão, desgastando seu sentido e tornando-se muito próxima de um mero ato mecânico. E este não consegue fazer com que se “descubra” (no sentido de retirar o véu que a preserva) e se possa saborear plenamente o seu sentido.

Para um determinado tipo de situação, a “fórmula” já está pronta, é chavão, e vem envolta em algum sorriso, cara compungida ou feição que nada demonstra, esperando que resulte num efeito previamente estabelecido.

Vejo que isto acontece com alguma frequência entre aqueles que precisam utilizar o discurso religioso. A pura repetição de um ato não o transforma em rito, mas atende apenas a um suposto “tratado” com Deus: a “soma” de determinadas ações deveria resultar no “produto” esperado.

Este é um ledo engano: o rito tem seu valor em si. Não precisa de pregações alongadas, entediantes e, muitas vezes, desestruturadas, juntando elementos que vêm à cabeça do pregador, que alonga seu discurso por um único motivo: como não sabe por onde iniciou e por onde andou, também não sabe como terminar.

Triste e maltrapilho desejo! Brinquei uma ocasião, durante uma palestra, que acredito ser necessário “rezar pelo Espírito Santo” e não “rezar ao Espírito Santo”. Explico: a mesma crise de identidade no encontro do sentido das palavras faz com que se abuse do ato de pedir ao Espírito Santo para que faça uso de seus atributos. Um dos principais: a inspiração. Coitado do Espírito Santo! Um “burocrata do Senhor” que não consegue fazer ao menos a sua tarefa básica, que é a de preparar-se para a liderança, não deveria ter o direito de chegar a esta instância.

Então, qual é a solução. Para quem crê, é simples: a oração. E para quem não crê? Também é simples: o silêncio.

O silêncio precisa antecipar a palavra para poder dar-lhe substância e sentido. É assim que se evita encorpar aqueles vazios que vão ficando quando a repetição se torna rotina; o improviso, a regra; e a manipulação dos sentidos o caminho mais fácil para o fim de uma carreira de comunicador, seja ele religioso ou não.

Em cada uma das atividades, torna-se fundamental incorporar espaços de sanidade mental. São aqueles momentos em que podemos nos recolher ao silêncio e ordenar nossos conhecimentos, sentimentos e, mesmo, rezar.

O que mais impressiona é que somos capazes de elencar dezenas de argumentos para não encontrarmos estes momentos. Eles parecem supérfluos diante de rotinas pré-estabelecidas em que somos tragados pela avalanche de ações que são “urgentemente necessárias”, em nosso grupo familiar, atividade profissional, educativa ou, até mesmo, religioso.

Paciência. Conheço profissionais que enfrentaram a crise diante da palavra e entraram em desespero. Até silenciar e abrir o coração para a reflexão, a meditação e a oração, é um longo caminho, para o qual não existem fórmulas prontas. Cada qual tem que encontrar o seu. Mas ele precisa ser iniciado: com um inquietante momento de silêncio.

domingo, 8 de abril de 2018

Depressão: quando a alma dói

Na casa de Leonard Cohen, em Montreal (Canadá - autor de "Hallelujah"), há um espaço que o músico e escritor chamava de quarto da depressão. Festejado em seu país, nos Estados Unidos e no Mundo, o cantor de voz e canções tristes isolava-se para enfrentar momentos difíceis, querendo estar afastado das pessoas e convencido de que seria um fracasso, sendo abandonado por seus fãs.
Muitos artistas, pelo seu testemunho, ajudam a entender e respeitar pessoas que se transtornam com a depressão.  Recentemente, testemunhei casos em que a medicação fazia a diferença: a menina que olhava chorosa, suplicando que o remédio fizesse efeito; a amiga que iniciou a radioterapia na esperança da cura; o religioso querendo desistir mas não o faz porque ainda sente um resquício de energia no arrimo da fé.
Os livros e as teorias sobre depressão podem ser importantes, mas não se comparam ao aprendizado do dia a dia. O que já foi - e para alguns ainda é - considerado frescura, dobra-se diante da realidade. Um dos depoimentos que ouvi: "durante muito tempo queria estar só, mas éramos muitos em família; muitos em grupo; muitos no trabalho... A família se dispersou; o grupo religioso deixou de existir, chegou o tempo da aposentadoria. Mais do que estar só, passei a amargar a vida na solidão!"
A medicação não é "O Final Feliz" e, o mais provável, é que ainda haja altos e baixos; a debilidade que vem com o tratamento da rádio é daqueles que amplificam medos ao ponto de coisas simples - ir ao banheiro, por exemplo - precisarem ser cercados de cuidados e medos; a fé, um componente fundamental para que não se desista de tudo, precisa de momentos em que se insista, persista, mesmo que se viva na própria carne um deserto espiritual.
No fundo, no fundo, é alguém que resvalou para a solidão. Diante da incapacidade de voltar sozinho, precisa de auxílio especializado. Impressiona como a medicação é capaz de ser uma arma poderosa. Mas depende de outros fatores que são bem mais difíceis de mensurar, em especial o ambiente onde vai viver, as pessoas que a vão acolher, a capacidade que deve desenvolver para vencer a si mesma.
Feito o diagnóstico é tempo de espera. Depois de dez dias se percebe o efeito da medicação, mas não é o fim. Mais do que palavras e conselhos, é preciso silenciar, abraçar, acariciar, quando permitem. Se é verdade que a depressão é o momento em que a alma dói de verdade, vencê-la é o bálsamo que ressuscita um sorriso, dá sentido ao convívio, percebe-se num simples olhar que se reencontrou um sentido para viver.

domingo, 1 de abril de 2018

Vinte e cinco centavos...

Agora também em áudio.

Em muitas ocasiões, quando estamos sozinhos e auxílio minha mãe, dona França, estendo a mão e digo: "vinte e cinco centavos!". Ela ergue os olhos, sorri, coloca a mão sobre a minha "pagando" o serviço. Um ato de cuidador em que lhe mostro que às vezes pode estar sozinha, sem que se sinta abandonada; triste, sem estar deprimida; nem sempre sorrindo, porém confiante de uma presença amiga ao lado.
Semana passada precisei ir na Previdência Social. Saindo dali, queria ir ao comércio. Resolvi deixar mochila e jaqueta no carro. Quando subia a calçada, não levantei o pé o suficiente e faltou chão... O tombo foi inevitável. Na calçada, tentei recolher meus ossinhos - todos inteiros - e a minha autoestima que escorria pelo meio fio.
Em seguida, parou um carro e a pessoa se identificou como policial. Ficou ao meu lado até levantar. Não seguiu caminho sem antes dar muitas recomendações. Na loja, o rapaz que atendeu, vendo minha mão com sangue, perguntou se não queria limpar e proteger a ferida. Sai com as compras e a certeza de que, num tempo de tão pouca fé na humanidade, uma parcela da população faz o elementar: preocupa-se com o outro!
Minha mãe está me ensinando a envelhecer. Faço parte da estatística segundo a qual hoje idosos cuidam de idosos. No meu último aniversário, brinquei pelas redes sociais de que o próximo presente poderia ser uma bengala... Não precisa mais. Já tenho: herança do meu pai, seu Manoel, depois usada pela mãe e que, um dia, vou usar.
Para alguns, a bengala pode ser símbolo da "burguesia decadente", mas que tem o seu charme, isto tem... Até para dar maior glamour a uma queda! Alerto: não se preocupem, ainda não vou usá-la. Porém, ficou muito claro que o avançar dos anos exige postura diferente - e mais atenta - diante de coisas que parecem simples.
Envelhecer não significa ser descartado, nem que sejamos relaxados. Cuidar o que se faz, especialmente quando se tem pernas preguiçosas. Também saber o quanto é bom sermos cuidados, alguém que não sufoque e dê o direito de tocarmos a própria vida: até para cair... sem o charme de ter uma bengala!
O que não dispensa de outras bengalas: Por "vinte e cinco centavos" - e uma mão estendida - o direito de ser protegido e acarinhado por aqueles com os quais se convive. Neste tempo em que se prolonga a vida, fica evidente a necessidade de ser gentil: alcançar a mão quando se é necessário, sem ter vergonha de pedir uma mão quando se precisa. A certeza de que envelhecer pode ser  um bom tempo para descobrir a quem se amou. E quem efetivamente ainda nos ama!