O pedido veio por jornal e pelo rádio (AM, embora alguns “especialistas” digam que ninguém mais ouve esta banda). Foi o suficiente: juntamos - minha família e alguns amigos - casacos, calças, camisetas, abrigos, pares de tênis e... chinelos de dedo. A campanha pedia qualquer tipo de roupa de uso pessoal e calçado, pois a procura era grande por parte de pessoas pobres e o estoque não era suficiente.
Olhando no armário, ali estavam chinelos de dedo de diversos tipos e cores! Manias de solteirão – pensei - pois alguns não eram usados há muito tempo e mesmo que já tivesse decidido fazer seleção e doação a acomodação falara mais alto. Pois a campanha veio exatamente para quebrar este ciclo e mostrar o quanto ainda tem pessoas carentes para as quais faz uma vasta diferença um calçado tão simples que, muitas vezes, sobra em nossos armários, sem uso e apenas ocupando espaços.
Num momento em que não somente os pobres de nossas cidades estão precisando de abrigos - pelo frio e umidade persistentes - mas também todos aqueles que sofrem em regiões como o Nordeste com a devastação das águas, a única diferença fica na capacidade de sermos solidários. Na rua pela qual passo todas as noites, ao voltar do trabalho, próximo a um posto de gasolina, sempre encontro um garoto pedindo esmolas, usando chinelos de dedo. Numa destas noites mais frias, ele parecia mais alegre e calçava, ao invés dos chinelos de dedo, um par de tênis. Não fazia parte do “pacote” de nossas doações, mas indicava que mais gente tinha se desacomodado para propiciar aquele pequeno “luxo”.
Nosso olhar pelas ruas e periferia quase sempre levam a pensar que esta obrigação não é nossa e deixar que os governos e instituições religiosas e sociais exerçam seu papel. Mas ao ver a diferença que fazia um velho e usado par de calçados, tive reforçada a minha intenção de manter mais vezes a rotina de averiguar o quanto é supérfluo em meu guarda roupa. Neste gesto simples, pode estar a diferença entre andar de pé descalços ou pisar firme no chão com um par de chinelos, no Verão, ou diminuir o frio, no Inverno, usando um simples par de tênis.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
sábado, 19 de junho de 2010
Apenas um novo recomeço
A criança segura confiante a mão da mãe, que a olha com ternura e a balança docemente (mesmo que depois tenha uma lágrima para derramar); o idoso dormita segurando a bengala, procurando manter firme o aparelho de nebulização (tendo a mão de um anjo - a filha – como apoio); a senhora, discretamente, retoca a maquiagem num tocante ato de vaidade e apego à existência (fiscalizada pelo filho que levanta o olhar da revista e sorri). Em comum? Esperam por uma aplicação de radioterapia.
Os três estão em etapas diferentes: o idoso recém iniciou, mas já se sente melhor, pois venceu percalços que o tumor lhe causava, drenando a própria força; a criança sofre com a debilidade, mas isto não lhe importa enquanto tem o porto seguro da mãe onde ancorar; e a idosa já está finalizando o processo, confiante de que, desta vez, venceu e poderá voltar à vida simples do seu dia a dia. Nenhum deles tem grandes exigências. Mesmo sabendo que os profissionais se desdobram em gestos de carinho e atenção, querem sair desta rotina, para voltar a fazer o óbvio: brincar, cuidar da casa, dos filhos, andar pelas ruas, encontrar amigos, ou apenas ficar em silêncio quando têm vontade.
Sempre acho estranho que as pessoas precisem de grandes emoções ou de coisas absolutamente novas para encontrar sentido na vida. Nunca consegui ver a vida assim: gosto de viajar, mas adoro voltar pra casa; como é bom um quarto de hotel com uma janela voltada para o mar, mas melhor ainda é dormir no colchão do meu quarto; acho ótimo andar por lugares povoados por gente bonita, interessante, inteligente, mas é melhor ainda circular pela minha rua, pelas calçadas onde posso bater um papo com vizinhos e velhos conhecidos.
O drama que se espera encontrar quando alguém faz tratamento contra um câncer é superado pela esperança de transpor todos os obstáculos e seguir vivendo. O sentido está em vencer juntos – o que é muito bom – mas, se também acontecerem perdas, que se perca como a criança que segura na mão da mãe e tem certeza de que não está sozinha. Em algum momento, vamos nos dar conta de que não há finais, mas apenas um novo recomeço.
Os três estão em etapas diferentes: o idoso recém iniciou, mas já se sente melhor, pois venceu percalços que o tumor lhe causava, drenando a própria força; a criança sofre com a debilidade, mas isto não lhe importa enquanto tem o porto seguro da mãe onde ancorar; e a idosa já está finalizando o processo, confiante de que, desta vez, venceu e poderá voltar à vida simples do seu dia a dia. Nenhum deles tem grandes exigências. Mesmo sabendo que os profissionais se desdobram em gestos de carinho e atenção, querem sair desta rotina, para voltar a fazer o óbvio: brincar, cuidar da casa, dos filhos, andar pelas ruas, encontrar amigos, ou apenas ficar em silêncio quando têm vontade.
Sempre acho estranho que as pessoas precisem de grandes emoções ou de coisas absolutamente novas para encontrar sentido na vida. Nunca consegui ver a vida assim: gosto de viajar, mas adoro voltar pra casa; como é bom um quarto de hotel com uma janela voltada para o mar, mas melhor ainda é dormir no colchão do meu quarto; acho ótimo andar por lugares povoados por gente bonita, interessante, inteligente, mas é melhor ainda circular pela minha rua, pelas calçadas onde posso bater um papo com vizinhos e velhos conhecidos.
O drama que se espera encontrar quando alguém faz tratamento contra um câncer é superado pela esperança de transpor todos os obstáculos e seguir vivendo. O sentido está em vencer juntos – o que é muito bom – mas, se também acontecerem perdas, que se perca como a criança que segura na mão da mãe e tem certeza de que não está sozinha. Em algum momento, vamos nos dar conta de que não há finais, mas apenas um novo recomeço.
domingo, 13 de junho de 2010
O direito a um sonho
Diversos programas de televisão em nível nacional ganham audiência com quadros em que oferecem a reforma ou a construção de uma casa. Caso parecido aconteceu em Pelotas no final do ano passado quando dona Conceição, que adota crianças em situação de risco há muitos anos, viu realizado o sonho de transformar um conjunto de puxadinhos em um espaço funcional capaz de abrigar e atender às principais necessidades de crianças e adolescentes.
Quase sempre, quando os sorteados são colocados diante do dilema: reformar a casa ou uma casa nova, não há muitos que duvidem: tudo novo, casa e toda a mobília. Impressiona, sempre, a precariedade – e com certeza isto é o que dá audiência – dos lugares onde as pessoas vivem, com a torcida e a emoção de que uma casa nova signifique um novo tempo, com novas chances e novas perspectivas.
No entanto, o casal sorteado em um dos programas, por uma carta enviada pela filha, teve o pedido inusitado da avó para serem preservados os pertences do marido já falecido, porque ela precisava de um espaço que a mantivesse ligada ao seu passado, um elemento que a unisse a tudo o que passara com alguém com quem construíra uma vida.
O apresentador teve dificuldades para entender porque seria mantido um conjunto de móveis velhos, numa casa nova. Mas a insistência da avó tornou evidente que não era apenas uma questão de teimosia, mas sim de alguém que sabe o quanto é bom o novo que se pode conseguir, mas que são os elementos do passado que nos dão direito a um sonho. São os elementos do passado que nos dão as lições tão necessárias para que não erremos no futuro.
As cenas finais sempre são do comparativo entre o que era antes: móveis estragados, casa mal cuidada, pouca luz e muitos entulhos; com o que vem agora: mobiliário funcional, tudo bem arranjado, iluminação adequada e limpeza. Mas, a última sequência acabou sendo a imagem fechada num rosto idoso, marcado pelos sulcos do tempo e de onde uma lágrima procurava espaço para dizer que estava grata, mas que não abria mão do seu passado e da sua história.
Quase sempre, quando os sorteados são colocados diante do dilema: reformar a casa ou uma casa nova, não há muitos que duvidem: tudo novo, casa e toda a mobília. Impressiona, sempre, a precariedade – e com certeza isto é o que dá audiência – dos lugares onde as pessoas vivem, com a torcida e a emoção de que uma casa nova signifique um novo tempo, com novas chances e novas perspectivas.
No entanto, o casal sorteado em um dos programas, por uma carta enviada pela filha, teve o pedido inusitado da avó para serem preservados os pertences do marido já falecido, porque ela precisava de um espaço que a mantivesse ligada ao seu passado, um elemento que a unisse a tudo o que passara com alguém com quem construíra uma vida.
O apresentador teve dificuldades para entender porque seria mantido um conjunto de móveis velhos, numa casa nova. Mas a insistência da avó tornou evidente que não era apenas uma questão de teimosia, mas sim de alguém que sabe o quanto é bom o novo que se pode conseguir, mas que são os elementos do passado que nos dão direito a um sonho. São os elementos do passado que nos dão as lições tão necessárias para que não erremos no futuro.
As cenas finais sempre são do comparativo entre o que era antes: móveis estragados, casa mal cuidada, pouca luz e muitos entulhos; com o que vem agora: mobiliário funcional, tudo bem arranjado, iluminação adequada e limpeza. Mas, a última sequência acabou sendo a imagem fechada num rosto idoso, marcado pelos sulcos do tempo e de onde uma lágrima procurava espaço para dizer que estava grata, mas que não abria mão do seu passado e da sua história.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Ainda vou ser presidente
A discussão entre Jornalismo e Literatura já tem alguns acertos: o Jornalismo busca na Literatura recursos que tornem os textos mais “saborosos”, deixando fórmulas pré-estabelecidas, repassando a informação para o imaginário do leitor com a maior fidelidade possível. No entanto, a Literatura diz que olha para alguns fatos narrados pelo Jornalismo e as coisas são tão “loucas”, que ultrapassam a capacidade do escritor em imaginar certos cenários, atores e roteiros da vida real.
Foi a idéia que tive ao acompanhar duas notícias. A primeira contando que o Governo Federal vai fazer um recadastramento para o “Bolsa Família” em que a inexistência de carteiras de vacinação, matrícula escolar, presença efetiva em sala de aula e notas podem servir para o descredenciamento de uma família. Por outro lado, o presidente Lula alcança a sua quinta multa por fazer campanha eleitoral antes do prazo marcado pela Justiça.
A pergunta que não quer calar - o que uma coisa tem a ver com a outra? Um elemento que está saindo de moda: comportamento ético. Se o governo pode e deve exigir das famílias, que se comportem como cidadãos – nem que seja de uma forma às avessas, porque penalizando pelo bolso – o próprio governo não faz o mesmo quando deveria se comportar diante da Lei. Antigamente, se falava de “moral de cuecas” (não sei qual é a responsabilidade desta parte da vestimenta masculina), quando alguém dizia uma coisa e fazia outra.
Infelizmente, em certos casos, a situação de miserabilidade de parcelas da população exige que, para alcançar resultados, se use da linguagem que eles entendem: a penalização financeira. No entanto, o governo utiliza-se de um recurso muito esperto e bem pensado: prefere pagar a multa (que dentro de uma campanha eleitoral é irrisória), mas mantém o principal apoiador da candidata em evidência e utilizando-se de um cargo público. Ficando na cartilha do politicamente correto da Literatura, a impressão é de que, se perguntarmos ao garoto que não quer ir à escola porque age assim, ele bem que poderia afirmar: “para quê? Eu ainda vou ser presidente!”
Foi a idéia que tive ao acompanhar duas notícias. A primeira contando que o Governo Federal vai fazer um recadastramento para o “Bolsa Família” em que a inexistência de carteiras de vacinação, matrícula escolar, presença efetiva em sala de aula e notas podem servir para o descredenciamento de uma família. Por outro lado, o presidente Lula alcança a sua quinta multa por fazer campanha eleitoral antes do prazo marcado pela Justiça.
A pergunta que não quer calar - o que uma coisa tem a ver com a outra? Um elemento que está saindo de moda: comportamento ético. Se o governo pode e deve exigir das famílias, que se comportem como cidadãos – nem que seja de uma forma às avessas, porque penalizando pelo bolso – o próprio governo não faz o mesmo quando deveria se comportar diante da Lei. Antigamente, se falava de “moral de cuecas” (não sei qual é a responsabilidade desta parte da vestimenta masculina), quando alguém dizia uma coisa e fazia outra.
Infelizmente, em certos casos, a situação de miserabilidade de parcelas da população exige que, para alcançar resultados, se use da linguagem que eles entendem: a penalização financeira. No entanto, o governo utiliza-se de um recurso muito esperto e bem pensado: prefere pagar a multa (que dentro de uma campanha eleitoral é irrisória), mas mantém o principal apoiador da candidata em evidência e utilizando-se de um cargo público. Ficando na cartilha do politicamente correto da Literatura, a impressão é de que, se perguntarmos ao garoto que não quer ir à escola porque age assim, ele bem que poderia afirmar: “para quê? Eu ainda vou ser presidente!”
domingo, 30 de maio de 2010
Sem misturas
Na semana passada, contaram-me que um religioso, em plena celebração, pensando estar agradando, solicitou à assembléia rezar pela seleção brasileira de futebol. Chegou a dizer que, neste momento, a seleção representava a própria nação, portanto a todos nós. Fui buscar - no meu arquivo de memória - a diferença entre país e nação e, acreditem, o religioso fez uma grande e preocupante confusão.
Meus professores de sociologia diziam que um país se define por seus espaços territoriais (de forma simplista, os estados que o compõem) e nação é uma definição mais de afinidades ideológicas, culturais e de costumes. Lembrei, também, o que já foi dito um dia, ao jogar a seleção: “a pátria veste chuteiras”. Exagero. Ao longo da História, citações destas muito mais do que auxiliar, atrapalharam e criaram expectativas, sem corresponder à realidade.
Neste espaço já falei de guerras ideológicas ou religiosas que são, no fundo, disputas financeiras. Mesmo tendo um ideólogo ou um religioso à frente, por detrás estão fortes interesses financeiros capazes de alimentar contendas que, ao final, nunca os prejudicam. Mas lançam países em situações deploráveis, como vemos, hoje, no Oriente, onde uma pseuda disputa com fundo religioso tem por objetivo saber quem vai controlar o petróleo que alimenta as economias mundiais.
Recentemente, consultores internacionais estiveram no Brasil e afirmaram que a federação internacional de futebol, ao realizar uma copa do mundo num país, não está se importando com o quando o país vai lucrar, mas o que ela vai arrecadar, juntamente com seus patrocinadores. E mesmo jogadores que vão a estas disputas têm como interesse o que ganham diretamente, em patrocínio e a vitrine para futuras negociações.
Portanto, não vamos misturar as coisas: este será um período de entretenimento. Vamos aproveitar para ver um bom futebol e até torcer por aqueles que vestem a camiseta da seleção brasileira, mas não achando que eles podem solucionar nossos problemas. O máximo que conseguem é o que nossos políticos fazem: um recesso bem remunerado para que o barco continue andando depois... Já em ritmo de eleições...
Meus professores de sociologia diziam que um país se define por seus espaços territoriais (de forma simplista, os estados que o compõem) e nação é uma definição mais de afinidades ideológicas, culturais e de costumes. Lembrei, também, o que já foi dito um dia, ao jogar a seleção: “a pátria veste chuteiras”. Exagero. Ao longo da História, citações destas muito mais do que auxiliar, atrapalharam e criaram expectativas, sem corresponder à realidade.
Neste espaço já falei de guerras ideológicas ou religiosas que são, no fundo, disputas financeiras. Mesmo tendo um ideólogo ou um religioso à frente, por detrás estão fortes interesses financeiros capazes de alimentar contendas que, ao final, nunca os prejudicam. Mas lançam países em situações deploráveis, como vemos, hoje, no Oriente, onde uma pseuda disputa com fundo religioso tem por objetivo saber quem vai controlar o petróleo que alimenta as economias mundiais.
Recentemente, consultores internacionais estiveram no Brasil e afirmaram que a federação internacional de futebol, ao realizar uma copa do mundo num país, não está se importando com o quando o país vai lucrar, mas o que ela vai arrecadar, juntamente com seus patrocinadores. E mesmo jogadores que vão a estas disputas têm como interesse o que ganham diretamente, em patrocínio e a vitrine para futuras negociações.
Portanto, não vamos misturar as coisas: este será um período de entretenimento. Vamos aproveitar para ver um bom futebol e até torcer por aqueles que vestem a camiseta da seleção brasileira, mas não achando que eles podem solucionar nossos problemas. O máximo que conseguem é o que nossos políticos fazem: um recesso bem remunerado para que o barco continue andando depois... Já em ritmo de eleições...
terça-feira, 25 de maio de 2010
Eu volto
Tornou-se rotineiro: na segunda-feira, o balanço do final de semana aponta o número de acidentes com vítimas fatais e assusta. Alguns perguntam: “qual é a novidade?”, mas não há como se acostumar a uma realidade que dizima jovens, especialmente homens, cada vez mais novos. Os números arrepiam: morre nas estradas, por ano, o mesmo número de pessoas que morreram em três anos de guerra declarada no Afeganistão!
Garotos com 16 anos, como um caso recente, em que o pai contava: “ao sair, ele me disse: eu volto. E sorrindo, acrescentou: nem que seja nas tuas preces”. Terrível vaticínio. Restaram lembranças e preces, porque a presença física, nunca mais. Vivi algo semelhante com o Vinícius, quase 20 anos atrás, beirando os 15 anos. Não queria ir pra Serra, ficaria comigo. Mas, na véspera, decidiu o contrário e telefonou para dizer: “eu volto”. Não voltou. Ou melhor: recebi de volta o seu corpo e uma saudade dolorida.
Dizem que estas perdas é que vão cicatrizando a nossa pele e que doem permanentemente, deixando, além das marcas, a sensação de que diminuímos pela angústia e pela dor. Não há como esquecê-las e muito menos como curá-las definitivamente. Mas há como preveni-las. Não consigo entender o pai que julga um filho de 16 anos amadurecido para lhe entregar um carro. Mesmo que me contestem, creio que é aquela necessidade de se sentir “macho”, “meu filho é homem, assume perigos”. E vão dizer o quê quando devolverem seus corpos e ficar aquele sentimento de que eles nunca mais irão voltar?
Dias atrás, ouvi que pessoas adultas compensam frustrações com “brinquedos próprios para a idade”. O carro é um deles. Há pessoas que o vestem como uma armadura ou uma máquina de guerra. E saem pelas ruas procurando desafios: adrenalina que vem com a velocidade, o álcool, drogas, os rachas. Que pena, o que deveria ser apenas um final de semana tranqüilo e capaz de propiciar repouso e reposição das forças, acaba colocando um nó na garganta e o desejo de que “eu volto” seja, mais do que uma intenção, uma realidade que nos devolva aqueles que amamos e que não queremos perder.
Garotos com 16 anos, como um caso recente, em que o pai contava: “ao sair, ele me disse: eu volto. E sorrindo, acrescentou: nem que seja nas tuas preces”. Terrível vaticínio. Restaram lembranças e preces, porque a presença física, nunca mais. Vivi algo semelhante com o Vinícius, quase 20 anos atrás, beirando os 15 anos. Não queria ir pra Serra, ficaria comigo. Mas, na véspera, decidiu o contrário e telefonou para dizer: “eu volto”. Não voltou. Ou melhor: recebi de volta o seu corpo e uma saudade dolorida.
Dizem que estas perdas é que vão cicatrizando a nossa pele e que doem permanentemente, deixando, além das marcas, a sensação de que diminuímos pela angústia e pela dor. Não há como esquecê-las e muito menos como curá-las definitivamente. Mas há como preveni-las. Não consigo entender o pai que julga um filho de 16 anos amadurecido para lhe entregar um carro. Mesmo que me contestem, creio que é aquela necessidade de se sentir “macho”, “meu filho é homem, assume perigos”. E vão dizer o quê quando devolverem seus corpos e ficar aquele sentimento de que eles nunca mais irão voltar?
Dias atrás, ouvi que pessoas adultas compensam frustrações com “brinquedos próprios para a idade”. O carro é um deles. Há pessoas que o vestem como uma armadura ou uma máquina de guerra. E saem pelas ruas procurando desafios: adrenalina que vem com a velocidade, o álcool, drogas, os rachas. Que pena, o que deveria ser apenas um final de semana tranqüilo e capaz de propiciar repouso e reposição das forças, acaba colocando um nó na garganta e o desejo de que “eu volto” seja, mais do que uma intenção, uma realidade que nos devolva aqueles que amamos e que não queremos perder.
domingo, 16 de maio de 2010
Encantador de cavalos
Uma equipe de reportagem brasileira foi aos Estados Unidos conhecer o trabalho de um “encantador de cavalos”. Não usa métodos violentos para o que chama de “adestramento” e não “doma”. Métodos simples aprendidos com os indígenas, em que é preciso que homem e animal estabeleçam mútua confiança, pois têm em comum a busca pela liberdade em, ao menos, dois sentidos.
Recentemente, o “encantador de cavalos” veio ao Brasil. Além de mostrar sua técnica em fazer com que os animais superem traumas com chicotes, materiais perfurantes e transposição de águas, ainda apresentou outra faceta do seu trabalho: a preparação de cavalos para auxiliar no tratamento de pessoas com deficiência física, especialmente portadores da Síndrome de Down.
Era contrastante: na arena onde exibia sua capacidade de fazer com que animais ariscos o seguissem com absoluta docilidade, pessoas iam às lágrimas como reconhecimento de que gestos simples, impregnados de reconhecimento do valor do outro ser, são capazes de fazer a diferença entre adestrar e domar. Estava atendida a primeira qualificação: homem e cavalo cavalgando livres por espaços onde o mais importante é unir o pulsar da força animal com a Natureza.
Mas havia uma segunda qualificação, quando se via um cavalo, montado por um deficiente, acompanhado por profissionais da fisioterapia ou do Exército, e ficava um nó na garganta. Aqueles homens e mulheres não tinham no animal apenas um serviçal, mas um companheiro, um cúmplice na arte de restaurar sensibilidades. Também propiciavam um tipo de libertação: da restrição de movimentos e de sentir que poderiam superar o que uma deficiência colocou como restrição de movimento.
Aquele gringo, já de alguma idade, se sensibiliza ao preparar um animal e, em especial, quando o coloca no processo de recuperação de um paciente. Aqui está um belo exemplo: trabalho, solidariedade e uma boa dose de disponibilidade para vencer toda e qualquer barreira, liberando o corpo, mas, especialmente, o espírito aprisionado por restrições físicas ou por bloqueios emocionais.
Recentemente, o “encantador de cavalos” veio ao Brasil. Além de mostrar sua técnica em fazer com que os animais superem traumas com chicotes, materiais perfurantes e transposição de águas, ainda apresentou outra faceta do seu trabalho: a preparação de cavalos para auxiliar no tratamento de pessoas com deficiência física, especialmente portadores da Síndrome de Down.
Era contrastante: na arena onde exibia sua capacidade de fazer com que animais ariscos o seguissem com absoluta docilidade, pessoas iam às lágrimas como reconhecimento de que gestos simples, impregnados de reconhecimento do valor do outro ser, são capazes de fazer a diferença entre adestrar e domar. Estava atendida a primeira qualificação: homem e cavalo cavalgando livres por espaços onde o mais importante é unir o pulsar da força animal com a Natureza.
Mas havia uma segunda qualificação, quando se via um cavalo, montado por um deficiente, acompanhado por profissionais da fisioterapia ou do Exército, e ficava um nó na garganta. Aqueles homens e mulheres não tinham no animal apenas um serviçal, mas um companheiro, um cúmplice na arte de restaurar sensibilidades. Também propiciavam um tipo de libertação: da restrição de movimentos e de sentir que poderiam superar o que uma deficiência colocou como restrição de movimento.
Aquele gringo, já de alguma idade, se sensibiliza ao preparar um animal e, em especial, quando o coloca no processo de recuperação de um paciente. Aqui está um belo exemplo: trabalho, solidariedade e uma boa dose de disponibilidade para vencer toda e qualquer barreira, liberando o corpo, mas, especialmente, o espírito aprisionado por restrições físicas ou por bloqueios emocionais.
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