sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

A lagarta que rasga o sonho

O escultor que desperta na pedra a forma adormecida 

Também a espanca sem saber

Qual o golpe lhe deu o contorno imaginado,

Quando se convence de que se tornou seu criador.

A pedra guardou todas as suas possibilidades

E muitas foram as batidas que antecederam

Até chegar, enfim, ao seu desvelar.

 

O momento em que o cinzelador

Acreditou poder dizer, imitando a arte: "fala!"

Um longo tempo em que o olhar se deteve

Sobre o que todos consideravam elemento bruto

E, ouvindo a respiração da vida,

Que potencializava e inspirava a arte,

Sentiu a força vital emergindo.

 

O instante etéreo que esteve aguardando,

Precisando das mãos humanas e o sopro Divino,

Em diversos níveis de cumplicidade,

Acariciando a imprecisão da imagem.

Não temendo o tempo que passa.

No entanto, temendo o tempo perdido,

Que apenas escapa por suas mãos...

 

Ou o instante em que o cinzel danifica a pedra

Sendo necessário respirar fundo, reiniciar,

Com a possibilidade de reduzir a um material menor.

Uma nova chance de refazer cada corte,

Recomeçando do que parece ser o nada,

Mas com as marcas do que já se fez.

 

A intuição do feitio.

A mesma potencialidade da rocha,

Que ainda não encontrou quem a vai esculpir,

E conforma-se em aguardar no silêncio.

A estocada que fere seus veios, onde está

A esperança de alcançar a configuração sonhada.

 

O malho que dá forma ao ferro,

O marceneiro que dá feitio à madeira,

O oleiro que dá formato ao barro.

Possibilidades de vida que desabrocham,

Na perfeição do tempo

Até que, finalmente, surja no

Protagonismo de uma cumplicidade.

 

O medo do desastre somente menor

Do que o receio de não ser compreendido...

E não entender o que se passou.

Como a lagarta que rasga o sonho.

Vence a dúvida e a dor da espera

Para se transformar em borboleta.

Aspergida por todos os sentidos,

Na superação da angústia da gestação

E as dores do parto...

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