terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

O estigma que se chama pobreza

Era um cruzamento de rua e o menino viu o pai xingar o mendigo que se abrigava embaixo do viaduto; o outro estava com a mãe no carro quando um senhor de idade, negro e mal vestido se aproximou, o suficiente para que a janela fosse fechada; a menina desviou o olhar do joguinho com o qual brincava no banco detrás quando o irmão mais velho buzinou acintosamente para a senhora e a filhinha que puxavam a carroça de lixo reciclável. Todas estas reações são preconceituosas e já têm nome: aporofobia, o medo e aversão a pobres e marginalizados, que aumentam nas ruas.

Estudos recentes mostram que a aporofobia não acontece apenas com quem está em situação de rua, como pedinte ou morador de áreas com
uns
. Muitos funcionários que exercem tarefas de limpeza e conservação de espaços públicos já sentiram na pele a aversão por parte de quem, por ter uma situação financeira melhor, acha-se “superior”. É o caso do pessoal que varre as ruas, parques e jardins, que, em muitos casos, se sente silenciado socialmente, não merecendo atenção sequer para as saudações banais, como um “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, um reles “e aí?” ou “olá!”

O padre Júlio Lanccelotti coordena a Pastoral do Povo de Rua de São Paulo. Entrou na mira de quem, como dizia Caco Antibes, no humorístico “Sai de baixo”, “detesta pobres!” As manifestações incluem a negativa de dar esmolas e a colocação de empecilhos para que as pessoas se abriguem embaixo de pontes. O ódio ao religioso se acirrou quando este tomou uma marreta e começou a destruir paralelepípedos instalados sob um viaduto. Agora, está na Câmara dos Deputados um projeto que impede técnicas de construção hostil e que restrinjam o uso do bens público.

Por outro lado, o uso de máscaras durante a pandemia fez aumentar o número de suspeitas de pessoas que tenham feito pequenos furtos, especialmente em lojas de shoppings. O perfil: homem jovem, negro e desempregado. A simples aparência já é motivo para um olhar de reprovaçãoO triste é que, muitas vezes, quem aponta supostos culpados são atendentes que estão em situação “melhorzinha” porque, neste momento, conseguiram um emprego. Mas que, no limiar de uma situação financeira que demarca a pobreza, estariam muito próximas dos supostos meliantes.

O preconceito é o negacionismo de uma cultura. Não se nasce com aversão a uma raça, religião, sexo, idade ou nível social. Se bebe no seio da família e do grupo em que se vive. É como certas doenças ou vícios: é fato. Precisa ser tratado. Existe e está mais presente na realidade social do que se deseja reconhecer. Maquiar a realidade é um jeito perverso de encobrir as omissões de cada um com aqueles que sofrem com o preconceito. O sonho da raça dos melhores deu no que deu e ainda hoje se discute que tipo de sociedade gerou um Hitler. Será que a História não ensinou uma lição?

Pessoas não desaparecem apenas porque se quer. Medidas paliativas fazem com que migrem. As “limpezas” - para esconder a incompetência em resolver problemas sociais - são propostas para que cidades não apresentem esta chaga e o quanto parcela da população deseja viver em devaneios... Os problemas sociais e econômicos que se vivem não têm solução imediata. Ser pobre não é opção… mas também não precisa ser um estigma. Do que se vê nas ruas, oportunidade, educação e saúde pública são eixos que não podem faltar quando se almeja uma sociedade que, de fato, seja cidadã.

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