domingo, 19 de setembro de 2021

A vó Tutu e o direito de sonhar até o fim

Início da noite de domingo e a programação na televisão é muito parecida. A perspectiva de começar mais uma semana de trabalho faz com que se procure algo mais leve para encerrar o fim de semana. Não há muita variedade, mas os canais abertos têm uma receita em comum: apresentam situações em que os protagonistas (normalmente pobres) vivem situação financeira difícil e transformam em “novela” que, ao final, terá uma solução positiva, claro, com a audiência torcendo para que tudo dê certo e, mais ainda, tendo deixado algumas lágrimas pelo caminho.

O domingão do Huck, em sua segunda apresentação, não foi diferente. No horário das 20 horas, em que a gente já tá pensando seriamente em colocar o pijama, trouxe a história da vó Tutu, mulher, negra, moradora da favela da Brasilândia. Com a crise e a pandemia, arregimentou a família para fazer pão para a vizinhança – chegou a cerca de dois mil por dia – e ensinar as mães a prepará-los. A panificadora social, a “escola” e a residência eram precárias. Foi quando apelaram para o apresentador, já marcado pelo trabalho aos sábados – o Caldeirão do Huck – com o seu “lata velha”.

Calma, ele não “reformou” a vó Tutu, mas deu uma boa repaginada nas três áreas, melhorando o atendimento à população carente da região, condições de aprendizado e moradia decente para uma idosa, que quase enfartou com o resultado. O trabalho foi feito por uma arquiteta que nasceu e cresceu na favela, mas tem um olhar social que a levou, junto com o Luciano Huck, a percorrer cidades da Colômbia, onde esta preocupação com a recuperação de ambientes urbanos degradados apresentou resultados que merecem atenção em nível internacional. Mas esta já é outra história…

A fórmula é conhecida: apresenta a estrutura utilizada, com deficiências, propõe que a pessoa que fez a solicitação passe um tempo afastada para que a equipe faça a reforma, em curtíssimo espaço de tempo, e o retorno, com o encantamento e a emoção de quem vê realizado um sonho. Um pouco teatral, na chegada, vó Tutu foi amparada pelos filhos e, ao entrar no primeiro ambiente, ajoelhou-se rezando o “Pai Nosso”, em meio a lágrimas e exclamações. Foi exatamente neste ponto que uma frase dita pela idosa chamou a atenção: “eu nunca tinha sonhado em que isto fosse possível...”

Possivelmente, meus amigos psicólogos expliquem que esta pode ser uma válvula de escape. Explico: a maior parte da população nunca vai ter seus maiores sonhos realizados. Ver a vó Tutu usufruir do que almejou parece que um pouco de nós também esteve junto e vivenciou aquele momento. Passivos diante de um aparelho de televisão, emocionados, aceitamos que a realidade é assim e que, por sorte (e não por merecimento – que não significa meritocracia, mas direito como ser humano) alguns conseguem e os demais, literalmente, ficam “chupando o dedo!”

Torci pela vó Tutu, como torço todos os dias pelas “vós tutus” de todas as idades que batalham por seus sonhos. Já que a morte não acontece quando corpos definham, mas quando um olhar perde o brilho e as pessoas esquecem que um dia sonharam: Uma criança com o olhar entristecido, um adulto desesperançado, um idoso sem autonomia e capacidade de interagir… O fim da jornada chega e apaga a última luz de um corpo que, muito antes, perdeu a beleza que foi ter sido capaz usar a imaginação, correr atrás do que acreditou e compartilhar com quem efetivamente já se amou…

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