domingo, 29 de agosto de 2021

“Tio, tu tens que vir aqui!”

Não sou muito exigente com relação à comida. Não vou dizer que como de tudo que colocam à minha frente, porque não é verdade. Tenho restrições… mas também tenho explicações! Sejam tolerantes! Quando pequeno, nossa situação era de pobreza e achávamos a comida da mãe, dona França, uma maravilha. O melhor dia da semana? segunda-feira: era cozido o feijão e assado o pão. Antes de colocar o feijão na panela, fritava o toicinho, em pedaços. Uma fatia de pão novinho com a gordura e nacos da fritura era um manjar que somente os deuses poderiam inspirar!

Veio o tempo do Seminário. Anos difíceis. O padre Guerino era o reitor e tinha que se virar para alimentar cerca de 50 meninos, em fase de adolescência, que comeriam um boi por uma perna! Era necessário apelar para quem pudesse dar uma mão. Uma das ajudas vinha da agência americana “Aliança para o Progresso”. A entidade enviava tabletes de carne moída, sagu com vinho e arroz com leite, que precisavam ser reidratados. Sempre chegavam próximos de vencer. Então, as irmãs tinham que preparar na segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo, segunda...

Resultado: Hoje, tenho dificuldades até com o cheiro destes alimentos. E já declarei: quando morrer vou fazer uma negociação com São Pedro para facilitar a entrada da Gilse (Marmitex da Gilse) no Céu. A turma dela entrega comida caseira aqui em casa, durante a semana. Tudo vai bem quando tem o feijão, o arroz, um legume, uma salada e uma carne. Mas, quando começam as panquecas, almôndegas, bolinhos de guisado, preciso mandar mensagem pedindo a sua substituição. Não me importo que seja até um ovo frito, desde que não precise me deparar com carne moída...

Passo longe, também, de doce para pão a base de pêssego. Explico: nas férias de fim de ano, o padre Guerino passava com a kombi (também chamada de “kombi do padre Guerino”) e recolhia a molecada. Missão: ir para a chácara colher pêssego. O programa até que era legal. Mas, depois, vinha a fase da “industrialização” e a gente passava alguns dias ajudando as irmãs Da Paz e Leonida a descascar, descaroçar e transformar em chimia. Guardada em latões grandes, era a “mistura“ para o pão, no café da manhã e da tarde! Durante muitos meses! Sem nem pensar em manteiga ou frios.

Lembrei disto quando comecei a trabalhar um texto sobre catequese em que valorizo o “ágape” (refeição) e o “ludus” (brincadeira, interação). Antes da pandemia, tínhamos dois grupos que se reuniam, periodicamente, para realizar uma janta. As horas passavam muito rápido, porque o convívio era com pessoas já das nossas relações há muito tempo. Claro que era importante o que se colocava à mesa (alguns até faziam experimentos gastronômicos…), mas o que mais importava era a possibilidade do convívio, sem tempo preestabelecido e com a confiança dos amigos.

Telefonei para minha sobrinha, a Vânia, para saber notícias. A Júlia (sobrinha-neta) entrou na linha e disse: “tio, tu tens que vir aqui!” Mais do que uma convocação, o jeito de dizer que estamos distantes há muito tempo. Com cuidados necessários, é momento de voltar a conviver e ocupar espaços de sanidade mental. Aprendemos bastante com a pandemia. Encontramos novas formas de nos comunicar, mas estamos carentes da proximidade física e do afeto. No reencontro, vai ter rodas de carreta… Por favor, sem guisado, sagu com vinho, arroz com leite ou chimia de pêssego!

Um comentário:

Marco Viana disse...

Lindas lembranças. Pe. Guerino, meu grande amigo. Parabéns, Manoel Jesus.
Grande abraço.