terça-feira, 31 de agosto de 2021

Um santo homem de Deus

O dia 27 de agosto marcou os 22 anos de falecimento do arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Câmara. Morreu em sua residência, aos 90 anos, ao lado da Igreja das Fronteiras. O “bispinho”, por seu tamanho, ou, apenas, o “Dom”, como era conhecido, pela ilação que os mais simples tiravam com o sentido da palavra: “um presente de Deus”. Uma das figuras mais importantes da história da Igreja Católica do Brasil, com atuação que repercutiu na ditadura militar e realização do Concílio Vaticano II (1962/1965), onde apresentou propostas para mudanças que ainda estão sendo feitas.

Durante algum tempo, trabalhando no Rio de Janeiro, ficou sensibilizado pelos problemas sociais das periferias, para onde destinava suas forças e de seu grupo. Deu-se conta de que era apenas um assistencialismo que sanava o problema do momento, mas não resolvia a longo prazo. Foi quando passou a se preocupar com os problemas estruturais, perdendo o apoio do governo e de grupos mais abastados. Em uma de suas conferências, sentenciou: “se dou pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostro porque os pobres não tem pão, me chamam de comunista e subversivo”.

Enviado para a arquidiocese de Olinda e Recife, deparou-se com a miséria e perseguição às lideranças envolvidas com as causas populares. Muitos de seus assessores foram mortos, numa tentativa de constrangê-lo e silenciá-lo. Quem assiste seus vídeos, ou conheceu-o pessoalmente, não consegue entender de onde saia tanta energia daquele corpo mirrado e desengonçado. Era enfático em declarar: seu alimento vinha da Eucaristia e de suas vigílias durante a madrugada, quando escrevia, rezava e – dizia - conversava com os santos e seu Anjo da Guarda, que chamava de José.

Sem poder controlá-lo, era necessário silenciá-lo. O governo proibiu os meios de comunicação de falar a seu respeito – de bem ou de mal – e até referenciar o seu nome. Quando uma porta se fecha, outras se abrem… e foi o que aconteceu. Instituições de Direitos Humanos e Universidades por todo o Mundo passaram a ter nele um convidado de honra para conferências, tendo-lhe outorgado prêmios como Martin Luther King, nos Estados Unidos, e o Prêmio Popular da Paz, na Noruega. Todo o dinheiro foi carreado para programas de geração de emprego e renda em sua arquidiocese.

Sua postura idealista e popular incomodava até mesmo a ala mais conservadora da própria Igreja Católica. Não somente no Brasil, onde um grupo deu respaldo aos governos militares, mas no próprio Vaticano, onde conservadores fizeram de tudo para mantê-lo afastado do papa Paulo VI. A implicância iniciou com a realização do Concílio Vaticano II, quando dom Helder foi um dos articuladores de muitas das mudanças que iniciaram com João XXIII, passaram por Paulo VI, empacaram com João Paulo II e Bento XVI, e voltaram a mostrar sua cara com o papa Francisco.

Padre Ivanir Rampon, da diocese de Passo Fundo, é um de seus biógrafos. Apresenta as metas que dom Helder defendeu: “sacramentalidade e colegialidade episcopal; a liturgia renovada e vivificada; o diálogo ecumênico; o diálogo entre o mundo subdesenvolvido e o desenvolvido; um novo modelo de Igreja alicerçado na pobreza e no serviço; a figura do bispo pastor; a importância de dar atenção aos ‘sinais dos tempos’”. Um místico, um santo homem de Deus que, em seguida, chega aos altares das Igrejas, mas já encontra um lugar no coração, especialmente, do sofrido povo nordestino…

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