domingo, 9 de maio de 2021

O ser mais chato que Deus já criou…

Os tempos são outros, mas aqueles que são um pouco mais velhos (ou mais experientes, como alguns preferem) lembram, hoje, de momentos vividos na relação com as mães, estando presentes ou fazendo parte da galeria da saudade. Especialmente, momentos da infância e da juventude, em que se compartilhava o convívio com pais, irmãos, amigos e vizinhos, dando a impressão de que o tempo não passaria e que seriam eternos… O futuro não era motivo de preocupação e se tinha a vaga ideia de que, exatamente, para garantir um futuro é que pai e mãe faziam tantos sacrifícios.

Numa ocasião, véspera do dia das Mães, fiz meu comentário pela TV UCPel. Disse acreditar que Deus não havia criado ser mais chato do que uma mãe… as muitas cobranças por cuidar do quarto, das roupas, da casa, obter resultados na escola, manter-se num emprego, comportar-se nos namoros… Aquele ser que atazanava as poucas liberdades que se ia conquistando. Um dia se saiu de casa para estudar mais longe ou trabalhar (a maior parte da turma que preparava o noticiário vinha de outras cidades) e sentiu-se a falta dolorida que a família, e especialmente a mãe, fazia.

As lágrimas foram rolando desajeitadas e, confesso, vendo seus jovens rostos pelo vidro da sala de controle, tive que conter as minhas. Vai ficando na memória as imagens que, um dia, pensamos esquecer e não nos fariam falta. Engano, o jeito de chegar em casa, passar pelo portão e encontrá-la trocando uma planta de lugar, sentindo o cheiro do café passado e a certeza de que a mesa estava posta porque se passou longo tempo longe de casa. Jovenzinhos, muitas vezes se ficava encabulado com os arroubos de carinho, em que nossas mãos ficavam presas numa teia de amor.

Alguns, depois, contaram-me detalhes das suas histórias. Com muitas e sentidas semelhanças. Ainda criança, o mesmo e costumeiro caminho de retorno para casa depois da escola, antevendo o cheiro da comida; muitas vezes, o aroma do pão recém-assado; seu jeito de enxugar as mãos no avental, de arrumar o cabelo, de um olhar avaliativo antes de nos prender num abraço… Muito antes do coronavírus, já mandava que fôssemos lavar as mãos, que não se passasse as mãos sujas nos olhos, que trocasse a roupa, embora o uniforme já voltasse em petição de miséria.

Hoje, a culinária atende as necessidades do dia a dia, com pouco espaço para a criatividade e o carinho. Em outros tempos (não vou dizer “priscas eras” porque a Guega Campos diz que eu confesso a minha idade), datas festivas tinham um quesito especial: os pratos feitos pelas mães. Iguarias como as sobremesas eram preparadas de véspera e os pratos salgados, especialmente as carnes, entravam nas panelas bem cedo. Como resultado, chegar em casa, nos domingos pela manhã, tinha jeito de festival de aromas mostrando o esmero das mães e irmãs mais velhas.

Esperas, orações por filhos e filhas que ganharam o mundo, lágrimas por incertezas e preocupações com notícias que ouviam do que se passava em centros urbanos, distantes do interior e das periferias de onde alçamos voos. Também as alegrias, com os empregos, as formaturas, os netos… Para onde se foi, por onde se andou, se levou um legado de carinho, que somente poderia ter vindo do ser mais “chato” que Deus já criou e carregou de sentido na primeira palavra que se balbucia e acompanha pelo resto da vida: mãe, sempre mãe, eternamente, mãe!

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