O aprendiz olhou
para as sombras e viu que lá estava seu mestre. Ele falava com alguém.
- Não tem sentido
esconder-se na noite. Você não praticou nenhum crime, nem tem a forma tão
horrorosa que tenha medo de assustar alguém.
- Não é por minha
forma, ou por um crime praticado que me escondo. Acontece que as pessoas têm
medo de seus próprios pensamentos. Sentem até algum prazer em saber que o que
pensam é somente delas. E quando olhamos um rosto e vemos um sorriso maroto e
atravessado, já o sabemos: ela está pensando algo que não compartilha com os
demais.
Foi se
aproximando e a forma foi desaparecendo na noite.
- Com quem
falava, Mestre?
- Ninguém, pequeno
menino. Ninguém.
- E porque
“ninguém” precisaria dizer o que nós sentimos quando estamos pensando em alguma
coisa que não queremos repartir?
- Ah. Tu
escutastes? Pois é.
- É o que,
Mestre?
- Era a morte.
- A morte!!!
- Sabia que irias
assustar-te. Mas ela não é tão tenebrosa assim.
- Cruzes, Mestre,
então o que ela é?
- Ela é a única
certeza que temos na vida.
Durante um pouco
tempo, somente ouviam os grilos reclamando do meio da grama.
- É verdade. Mas
o que ela queria com o senhor?
- Um dia temos
que nos encontrar com ela.
- Mas tem que ser
agora? Vais nos deixar?
- É uma longa
história. Vamos sentar ali adiante e eu explico.
Acomodados de
encontro a uma pedra, podiam ver o céu, os desenhos que ninguém conseguia
reproduzir; o sussurro da brisa nas árvores, que nenhum instrumento era capaz
de executar, e o gemido dos pequenos animais da noite, que formavam uma
perfeita sinfonia.
- A morte vem,
pequeno menino, mas muitas vezes não quer nos levar. Ela acaba nos preparando
para continuar a caminhada. Se não temos a perspectiva da nossa finitude, então
podemos nos tornar difíceis, envelhecer incomodando os outros, ou enchendo-os
de conselhos que não somos capazes de praticar.
Ficou em silêncio
para poder desfrutar do calor do pequeno corpo alojado ao seu lado e da
natureza que parecia envolvê-los e harmonizá-los com o céu, a terra e o ar.
Olhou para o lado, o pequeno aprendiz ressonava. Meu discurso está se tornando enfadonho. Tenho que me concentrar mais
em silêncios do que em discursos!
As estrelas no
céu piscavam. Uma delas pareceu mostrar o rosto do menino ao seu lado, que
cintilava e perguntava: “E
porque devemos silenciar mais?”
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