sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A fronteira com a Eternidade

Hoje, eu pinto teus traços apenas nas telas das minhas memórias.

Foram muitos os momentos marcantes

Em que me deste o privilégio de conviver.

Teu derradeiro instante foi o coroamento de

Uma cumplicidade que me ensinaste a valorizar.

Quando te despedias, por um instante,

Quedei-me na intensidade do teu balbucio.

 


As mãos repousando sobre teu colo

Bastavam para contar a história

Que havia marcado teu corpo.

Na proximidade do fim,

O tempo escorria por teu rosto,

Em sinais e sulcos que faziam tua pele

Semelhante aos traços que desenharam teu destino.

 

Embora ainda estivesse no foco dos teus olhos,

O embaçado da despedida fizeram-nos

Perdido em algum lugar do passado

Em que revolvias as camadas do tempo

Revelando eras e misturando lembranças.

 

Que mistério se esconde naquilo

Que foge à compreensão humana?

O que ainda havia por aprender

Quando teu silêncio já não precisava das palavras,

Teus olhos gastaram o instante que ainda te restava

Como um último carinho,

Uma despedida da vida, da dor, do cansaço...

 

Em meus braços,

Não sei se tiveste tempo de reviver teu passado.

Mas, enquanto partias, eu me apegava

A cada instante em que murmurei o teu nome,

Senti tua falta, descobri a intensidade da palavra amor.

 

Levei um longo tempo para entender,

Mas o fardo com que meus amores foram

Se acumulando em meu coração

Deixaram os momentos que ainda me restam

Com a questão que somente consegui intuir:

Afinal, que mistério se oculta nas dobras

Em que o tempo faz fronteira com a Eternidade?

 

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Os reais princípios republicanos

A data de 15 de novembro propicia momento de reflexão sobre o sistema democrático. Passadas as eleições, estão sacramentados deputados eleitos ou reeleitos, um terço do Senado, governadores de Estados e presidente da República. A transição entre segundo turno e a posse, em 1º de janeiro, é período hábil para os que saem prestem contas e quem assume se familiarize. Não existe terceiro turno, então, quem foi eleito, o foi para atender a todos os gaúchos e brasileiros, independente da sua coloração partidária.

Vale a pena recordar que a cláusula pétrea da Constituição Federal do Brasil de 1988 dispõe sobre a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes, assim como os direitos e garantias individuais. Para que o princípio republicano não se desvirtue, é imprescindível que detentores do poder político sejam designados pelo povo, com mandato certo. A marca republicana de governo é a eletividade, pelo povo, de chefes do Executivo e o Poder Legislativo.

Princípio básico que foi mote da primeira administração do prefeito Bernardo de Souza e se encontra estampado no plenário da Câmara de Vereadores de Pelotas: “Todo o poder emana do povo”. Exercido por representantes eleitos, nos termos da Constituição. O preceito republicano, portanto, implica na necessária legitimidade popular do Presidente da República e dos Governadores de Estados. No caso atual, reconhecido pelo próprio presidente, assim como governadores e lideranças políticas e jurídicas.

Então, o que há para questionar? Houve eleições em que prevaleceram os fundamentos da democracia, ou seja: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político. As situações em que estes princípios foram prejudicados estão sob investigação de quem tem (ou deveria ter) competência para tal. O resto, infelizmente, mesmo através de atos previstos pela própria Constituição, é choro de perdedor, com tintas que beiram ações criminosas.

Bloqueios de estrada (direito de ir e vir) são atos em que se mostra o pior daqueles que estiveram alijados do poder e acreditavam mantê-lo de qualquer forma. Já praticamente sanado este problema, na segunda-feira da semana passada circulava o boato de que, naquele dia, o país “iria parar”. Não parou. Agora, corre a boca pequena que, depois do feriado, caminhoneiros (de novo) vão estacionar em postos de combustível impedindo o trânsito de cargas e prejudicando o abastecimento de todo o país. A quem isto interessa?

O melhor a fazer pelo Brasil fragilizado é voltar ao trabalho. A crise financeira, a pandemia, os poderes constituídos que não respondem à necessidade da população podem – e devem - se transformar em desafio para a iniciativa privada exercer o papel de motor para o desenvolvimento. Investindo em educação e real renovação política que mude o quadro atual. É triste pensar que brasileiros confrontando brasileiros são atiçados uns contra os outros, enquanto Brasília continua sendo a Ilha da Fantasia...

domingo, 13 de novembro de 2022

Com gosto de... vizinhança!

Dona Leonida mora com a filha numa casa pequena, na periferia da cidade. A cerca foi trocada pelas grades, mas não abre mão de ter os seus verdes e as suas flores no recuo entre a calçada e a moradia. Já não são muitos os vizinhos que as procuram e como a filha trabalha de plantonista, são diversas as ocasiões em que a senhora fica sozinha. Diz que não tem medo: entrega a sua confiança a Deus, seu Anjo da Guarda e Nossa Senhora. Como reforço, passa a chave nas portas e abre, apenas, as janelas gradeadas.


De vez em quando, aparece uma viva alma que chama do portão. Já é motivo para dona Leonida resmungar que “esta gente não sabe que tem campainha?” Era uma das vizinhas que não queria entrar, mas saber notícias da mãe e da filha. Conversaram por longo tempo, uma na rua, a outra do lado de dentro da grade. Ao se despedirem, a senhora tinha um sorriso no rosto e uma nova disposição. Quando a filha retornou, reparou que tinha acontecido alguma coisa e diz que quase se arrependeu de perguntar...

“Ô, mãe, tu viu passarinho azul!” Com cara de indiferente, a idosa respondeu: “que nada, o estorvo da vizinha apareceu só pra jogar conversa fora. Vê se tenho tempo pra isto? Ficou uma hora de lero-lero na frente da casa.” A filha sorriu e brincou: “mas a senhora gostou da visita?” De bate pronto, a resposta: “me respeita. Cheia de serviços e tendo que atender a uma desocupada.” Mas, durante os próximos dias, em meio às conversas sempre aparecia a citação de algo dito pela visitante que ficou na calçada.

Já falei das experiências que são feitas em condomínios populares que refazem relações que eram comuns nas experiências de moradores de vilas. Recentemente, ouvi histórias de quem reside nestes conjuntos a respeito da festa de Halloween. Tirando a discussão de que é uma “importação” cultural, fico com a ressignificação mais simples: motivação para que as pessoas circulem no ambiente em que moram, a aproximação das pessoas e das crianças, assim como a oportunidade para a festa e a convivência.

A festa acontece na vigília de Todos os Santos e precede o dia da memória dos mortos. Ganhou força na divulgação americana, mas que existe em várias culturas, envolvendo motivações religiosas e gastronômicas. Recuperadas em novos ambientes urbanos, infelizmente, já tem pouco da tradição religiosa, mas manteve o aspecto da festa e da gastronomia, assim como o fato de que se dá na noite em que o imaginário é fértil em recuperar histórias que transitam no limbo entre os vivos e os mortos...

A palavra comum nas histórias é vizinhança. Conceito meio esquecido, mas importante de se recuperar para humanizar as relações sociais. Morando em casa ou apartamento, ninguém é uma ilha, cercado pela humanidade. Estender pontes pode ser parar em frente a uma grade e chamar, estimular vizinhas a vestirem fantasias e participar da algazarra dos filhos. Quem sabe, sorrir, dar um bom-dia, no corredor do condomínio... Pequenos gestos de gentileza, capazes de deixar o dia mais leve, com gosto de... vizinhança!

O marear das lembranças...


Abro uma fresta na porta das minhas memórias.

O tempo mareia as minhas recordações

Que flutuam no embalo das ondas,

Dos sentimentos que insistem em

Jogar na praia os ecos que brincam com

A algazarra de vozes que teimam em voltar do passado.

 

Ao se recolher,

Fazem imergir no silêncio.

Não o silêncio da profundidade

Das águas turvas e revoltas,

Mas das superfícies lisas

Que espelham o céu e o que alcanço do Infinito...

 

Saborear as palavras.

Degustá-las como quem as experimenta,

No prazer de que, ao sorvê-las,

Há algo que não se revela e se mantém no Mistério.

Brincar com as palavras é, também, brincar

Com os silêncios do amanhecer que as ressignificam.

 

Andar pela areia no tempo em que o sol

Costura a alvorada com as cores da eterna primeira manhã.

Quando vozes e palavras são parceiras

Que alimentam memórias e delimitam horizontes,

Em que a palavra sempre está além.

Talvez não a palavra dita,

Mas a que está grávida do silêncio.

Aquela não dita

Que necessita da cumplicidade de quem

Compartilha significados.

 

Leva-se um longo tempo para perceber

Que, muitas vezes, são ecos de rostos

Perdidos nos recônditos das ausências.

O marear das lembranças silencia

Meus lábios e alcança a janela dos meus olhos.

Já não estou em busca de sonhos,

O rumo das águas se

Confunde com as palavras, as vozes, os rostos...

Assim como a lágrima que orvalha o caminho,

Trôpego das minhas certezas,

Certo das perguntas que movem meus passos,

Resgatando segundos que turvam minhas memórias

E são música no compasso da saudade!

domingo, 6 de novembro de 2022

Os doramas e o direito de adolescer...

Amigas e amigos psicólogos, estou urgentemente precisando dos seus serviços. Embora já tenha entrado naquela que é considerada a melhor idade – já contei, estou a caminho dos 68 anos - pasmem, estou adolescendo! Vocês não leram mal, não: nem eu acredito, mas “estou adolescendo!” Estou me dando ao direito de reviver a minha adolescência. Talvez não em todos os sentidos, mas naquela parte em que os sentimentos afloram por qualquer situação mais... delicada. E me vejo assistindo aos “doramas” coreanos.

Emocionado com dramas da idade e enxugando os olhos em diversas ocasiões. O que, diga-se de passagem, não é incomum quando sofre um jovem casal, uma criança ou um idoso. Recentemente, a Netflix jogou nas telas e telinhas uma enxurrada de produções asiáticas com destaque para dramas juvenis, com gosto de aventura, comédia, ficção e a sensação de que se acompanha o que já se viveu de alguma forma. Nostálgico, tenho a impressão de que reconstroem com exímia tecnologia vivências de épocas passadas.


As relações familiares, as relações afetivas, a descoberta do outro, na maior parte das produções têm aquele olhar casto e sensível de um tempo que, para nós, já ficou na saudade. É estranho ver a força do patriarcado, inclusive com agressões que hoje não cabem mais; a submissão da mulher, com expressões como: “eu vou sempre cuidar de ti”; assim como atitudes de intimidade em que beijos, proximidade, toque e o carinho estão longe dos chupões e amassos a que o cinema e a televisão nos acostumaram.

Com rostos que parecem bonecas de porcelana, são atores e atrizes que ganham vitrine no mundo do entretenimento, em contraponto às produções americanas e europeias, assim como de mercados descobertos neste novo mundo das relações pela internet. O realismo muitas vezes cru e angustiante de filmes e séries ocidentais dão lugar a romances melosos (Primeira vez amor) onde também pode estar presente a magia (Alquimia das Almas), bem como sofisticada tecnologia (Memórias de Alhambra).

De alguma forma, captaram o sentimento de que são produtos de entretenimento e, por isto mesmo, não precisam ser intelectualizados, assim como jogados para dentro de casa, onde se assiste de forma relaxada e receptiva. Antes que os politicamente corretos de plantão advirtam, creio, sim, que não existe uma proposta da Coréia do Sul de dominar o mundo com sua máquina de produzir doramas. É produto comercial que encontra comportamentos com reminiscências do século passado, que ainda se mantém.

Se você gastar seu tempo, à noite, e, ao invés de novelas, procurar no streaming estas séries, não se sinta culpado. Muito do que hoje é rotulado de “cultura” já teve época em que foi considerado “subcultura” e, até, desprezado. O passar do tempo sempre foi o melhor filtro para separar - do clássico ao popular - o que é bom e merece permanecer. Enquanto isto, aproveite: encoste-se no sofá, apronte o chimarrão, a pipoca e uma caixa de lenços... No resto, são bons risos, diversão garantida e, quem sabe até, algumas lágrimas!

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A flor que rasga o asfalto

Engatinhar, andar ereto, usar uma das muitas bengala.

Faz parte das diversas etapas da vida,

Que se pode chamar de amadurecer

Ou, apenas, de envelhecimento.

É o tempo que passa:

Às vezes, da forma mais difícil,

Intui e tentei compreender

O outro e as suas circunstâncias.

Muitas vezes, pensando em ser “senhor”,

Tornei-me, apenas, escravo da arrogância.

 

A arrogância que se destila sobre a Natureza que agoniza

Enquanto sorvemos doses de vaidades:

- Na árvore ferida, que ainda geme

O seu incompreendido perfume de dor.

- No animal abatido,

Que tem os olhos súplices pelo socorro de quem o feriu.

- No rio em que homens e animais mataram a sede

E agora agoniza no assoreamento e poluição

Que lhe retira o brilho, a graça e a beleza.


 

Meus discursos, muitas vezes,

Não fizeram eco com as minhas práticas.

Convenci-me e tentei convencer

De que tenho as receitas necessárias

Para organizar os “mundos” que, se girarem,

Devem girar em torno a mim...

 

O outro é o depositário dos meus argumentos.

Quero fazer valer:

A prepotência do saber,

A prepotência da força,

A prepotência da cor,

A prepotência do sexo,

A prepotência sobre o diferente...

 

Custei a aprender que

Dialogar é sempre um processo de conversão.

Quando uma semente de sensatez

Rasga o asfalto e produz apenas uma flor.

Talvez não dure,

Possivelmente seja ignorada,

Mas está ali como possibilidade.

 

Preciso reencontrar olhares que não excluam,

Que respeitem, cuidem, acolham.

Para voltar a falar de flores, do tempo,

Das coisas simples que fazem a diferença.

É sempre uma opção:

Dificultar ou não o germinar em que

Vencer o isolamento é também vencer medos,

E dar à luz a possibilidade de florescer novamente...

terça-feira, 1 de novembro de 2022

O sonho de uma sociedade inclusiva

Na semana passada, um grupo de mães de autistas reuniu-se em frente ao Tribunal de Justiça do Estado chamando a atenção para o julgamento sobre a lista de procedimentos da cobertura obrigatória por planos de saúde no Brasil. A definição regula a obrigação em cobrir tratamentos e procedimentos. A mobilização é nacional, já que o julgamento esclarece se tratamentos e remédios devem seguir na lista ou não. Com a perspectiva de impedir atendimentos futuros, bem como interromper aqueles que estão em andamento.

Hoje, a Justiça decide depois que pacientes ou familiares acionam a solicitação de cobertura de procedimentos que não estão na lista. Normalmente, são caros e contínuos, colocando famílias em dificuldades de pagar por um tratamento que propicia o controle, a melhora na qualidade de vida e, em muitos casos, a sobrevivência dos pacientes. Pela lei que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), esta já é uma obrigação constitucional do Estado.


Fiz resumo do texto apresentado em jornais da capital, porque o problema é maior do que esta reivindicação básica. Quem tem familiares ou amigos que cuidam de um especial, seja um autista, um portador da síndrome de down ou qualquer outro fator que o faça diferente, sabe o quanto estas pessoas têm sido incansáveis em batalhar por um lugar ao sol, o seu direito de respirar cidadania. Infelizmente, é peregrinação que se transforma em mendicância, mas que deveria ser o respeito a um direito conquistado.

Como em casos concretos, em especial a educação. Autistas matriculados em escolas particulares ou públicas devem ser acompanhados por monitores especializados. Necessitam de atenção que o professor apenas, em sala de aula, não consegue dar. As escolas particulares tem se desdobrado mas conseguem contratar e oferecer o profissional auxiliar. No caso da escola pública, pais e responsáveis peregrinam de porta em porta sem conseguir, na maior parte das vezes, um atendimento básico e necessário.

Recentemente, acompanhei depoimento de pessoa que falava a respeito do racismo. Fiquei pensando que a distinção de cor é um elemento que não se conseguiu vencer, mas também se torce o nariz para o pobre e o diferente. O preconceito está entranhado na nossa cultura utilitarista, consciente ou não. Não creio que se encontre alguém que, em sã consciência, reconheça, mas é comum ouvir em círculos restritos que “deveria saber o seu lugar”, “foi Deus quem quis assim” ou “é um doentinho, um coitadinho”.

É o sonho de uma sociedade inclusiva, que reivindica o cumprimento da lei. Muitas leis são feitas no ardor de discursos com pretensões político-eleitorais, que não encontram ressonância na prática. Uma injustiça praticada contra o futuro de um ser humano, assim como dos pais que somam ao seu dia a dia uma luta cansativa e inglória. Enquanto a sociedade os segrega, batalham pela consciência de que as crianças que não aprendem da forma convencional precisam, apenas, de carinho para aprender do seu jeito...