sexta-feira, 18 de março de 2022

O sentido da derradeira esperança

Sexta com gosto de poesia:

Pela mesma rua, pela mesma calçada,

passam com as suas marcas, como um relógio do tempo…

A criança ainda arrasta os pés no andador.

O idoso precisa de arrimo para não desistir de andar…


Do seu jeito, os dois assinalam a existência:

um principia, o outro já sente que tem direito ao repouso.


A criança olha para a vida como uma grande avenida

por onde ainda vai andar e percebe

que tem muito o que descobrir.

No horizonte, estão sonhos, desejos, sentimento de que

pode fazer cada momento valer a pena…


O idoso já sente que tem pouco o que vislumbrar

e muito o que agradecer.

Já não importa se viveu mal, ou se viveu bem,

apenas que o cansaço da viagem é sinal de

que está próximo de aportar ao seu destino.


Um não sabe o que vai colocar na bagagem.

O mundo é uma imensa vitrine que coloca

aos seus pés todas as expectativas possíveis...

O outro está num tempo em que só precisa

das suas lembranças e da sensação

de que foi marcado pelo caminho.


O idoso sente que não é, apenas,

a projeção do futuro para quem inicia.

Gostaria de falar, mas já nem sabe se precisa,

o quanto a criança é parte do seu passado,

a segurança para o presente e, mesmo que já seja o seu ocaso,

um sentido para o tempo da sua ausência.


A vida é um belo e precioso intervalo entre nascer e morrer.

O desafio é encontrar e dar sentido

a cada ato, cada momento,

cada um que cruza com os nossos caminhos.

Até o fim, a possibilidade de que a última arfada de ar

não tire dos meus olhos o sentido da derradeira esperança!

terça-feira, 15 de março de 2022

Um cemitério de sonhos que se chama guerra

A invasão da Rússia na Ucrânia vem merecendo farto acompanhamento através dos meios de comunicação. Difícil se acionar o controle remoto por canais abertos ou da televisão paga que não se encontre informações a respeito. Num cantinho da Europa, com relativa facilidade de acesso, tendo a possibilidade de transmissões através da internet, consegue mostrar o melhor e o pior das autoridades envolvidas; o melhor e o pior dos interesses econômicos em jogo; o melhor e o pior de um jornalismo que, na busca pela informação, em alguns casos, beira o entretenimento…

O esforço dos correspondentes de guerra é para fazer o “diferente”, que não canse o telespectador, ouvinte, leitor, num autêntico baile de loucos para não perder audiência. A cobertura tradicional não tem o que variar. São, também, conflitos de números e dados oficiais, sem a possibilidade de serem checados. Então, as coberturas se contentam com o que conseguem de imagens e informações dos frontes, mas usam e abusam das matérias que envolvem as emoções de quem fica no país ou daqueles que se transformam em retirantes, numa longa jornada para chegar às fronteiras.

Nesta guerra, em especial, jornalistas envolvidos se deram conta de que tinham nas redes sociais um aliado para gerar imagens de locais atacados e produzir matérias de impacto humano. Confesso que fiquei sensibilizado pela mulher ucraniana que entregou sementes de girassol para o soldado russo, dizendo ser ele um invasor que devia colocar no bolso para quando seu corpo fosse devolvido ao seu país. Ou a do soldado ucraniano que recitou poema antes de partir para o fronte e do russo que mandou mensagem para a mãe, sem entender o que estava acontecendo, antes de morrer.

Emblemático o confronto entre uma mulher sofredora que defende a sua terra e um jovem que pouco entende da situação que está vivendo. Primeiro pelas redes sociais, depois pelos meios de comunicação, deu uma volta ao Mundo. Mas, antes, tornou-se símbolo de resistência e, numa terra rica em produção agrícola, as sementes transformaram-se nos “Girassóis da Ucrânia”. Sendo pedidas para que fossem entregues aos pelotões que já cercam as grandes cidades, assim como enviadas ou deixadas nas portas dos consulados russos, como sinal de resistência.

Zhenya Perepelitsa deixou a esposa, filhos, amigos e o cachorro para defender seu país. Quando conversou com um repórter, recitou o poema persa do iraniano Hamid Mosadegh, “quem lhe dará a notícia da minha morte?” E partiu para o fronte… Na guerra de versões, foi divulgada mensagem de um soldado russo a sua mãe: “estou na Ucrânia. Há uma guerra de verdade acontecendo aqui… disseram que os civis iriam dar boas-vindas a nós, mas eles não nos deixam passar, nos chamam de fascistas, isto é tão difícil”. O garoto teria morrido poucas horas depois da troca de mensagens.

A guerra é, sempre, um cemitério de sonhos. O Mundo nunca saiu melhor dos grandes conflitos. Ficaram ressentimentos nas relações internacionais, especialmente para os perdedores. Infelizmente, a História não fala de quem passou fome ou ficou desassistido, o heroísmo anônimo de quem vê no fruto da própria terra um elemento agregador, ou a vitalidade de meninos transformada em bucha de canhão. Para os senhores da guerra, apenas um efeito colateral. Para as famílias que vivem o luto, um rosto, um jeito, um sorriso... E, na dor de um corpo recebido, a morte de uma esperança…

domingo, 13 de março de 2022

Estão faltando avós do jeito antigo...

Nas coxilhas de Canguçu e de Camaquã, de então, próximo ao rio que leva o mesmo nome, formou-se o casal do seu Manoel e dona França, meus pais. Desde cedo, aproveitei o convívio com as avós: por parte de mãe, a dona Jovita, e por parte de pai, a dona Saturna. Embora próximos, os roteiros de chegada eram bem diferentes. O primeiro se dava pela própria cidade de Canguçu, numa jornada que levava praticamente um dia; o segundo, em direção a Camaquã, desembarcando no paradouro do Grill e começando uma caminhada, por estradas quase sempre desertas, pelo Passo do Sapato.

A rotina era bem diferente da que se tinha na Vila Silveira: deitar cedo, acordar mais cedo ainda; nos chamavam para apojar as vacas e conseguir uma caneca com leite quente e espumante; correr pelos pátios atrás das galinhas, para garantir o almoço; ajudar em coisas adequadas para a idade, tanto na horta, quanto nas lavouras; ir até a cacimba para buscar a água que servia para a higiene e alimentação, tomar banho nas sangas... No jeito simples de uma vida pobre, o reencontro de meus pais com irmãos e suas mães propiciavam um sentido muito forte do que eram laços de família.

Falo das “avós” porque não convivi com os avôs Eduardo (paterno) e Claudestino (materno). Morreram com pouco mais de 60 anos. Para as condições de então, eram considerados “velhos”, o que tinha a ver com poucos recursos e condições de saúde. Formaram famílias numerosas que precisavam subsistir com a dificuldade de terem poucas terras e nenhuma assistência que os tirasse da miséria (como meu pai dizia que viviam) para a pobreza (que uma vez chegou a contar, no que se transformara a vida de migrante que os retirou do interior para as periferias da cidade).

Estas memórias vieram quando uma vizinha passou por mim numa tarde que chegava ao minimercado para buscar pão. Com máscara, óculos escuro e chapéu de palha, parecia personagem de faroeste pronto para um assalto ao trem pagador. Quando me reconheceu, sorriu e brincou: “estava achando que era o seu Manoel (meu pai) quem estava chegando!”. Já não era a primeira pessoa que dizia algo semelhante, especialmente no jeito de andar, já um pouco arqueado, e no uso do chapéu, porque o pai não usava óculos escuros e nem conheceu as máscaras contra o covid.

A ocasião seguinte em que as memórias se fizeram presente foi ao conversar com as atendentes do salão onde corto o cabelo e uma delas disse que o filho sentia falta de um avô. Contei como seria a presença do seu Manoel junto às crianças que hoje estão na faixa dos 5 a 9 anos, na quadra. Brincalhão, era comum, quando alguma estava provocando estresse, reunir uma turminha e levar para campinhos próximos, onde, segundo ele, podiam “escramuçar e pastar à vontade”, gastando energia e voltando para casa, muitas vezes, prontos para banho, temas de casa e um bom sono.

Estão faltando avós do jeito antigo... O distanciamento físico, diferentes compreensões de educação, transformaram a cumplicidade entre gerações em ausência e o sentimento de que ambas perderam. Têm direito à parceria, presença e aproveitar do carinho de quem, descobrindo o Mundo, encontra alguém disponível. Avós são mais do que uma ligação física: são laços que, perdidos, atrofiam a sensibilidade e a capacidade de entender o que é o carinho de alguém que é pai ou mãe por duas vezes, o vovô ou a vovó, que descobre, no olhar da criança, o sentido da vida que já percorreu…

sexta-feira, 11 de março de 2022

A música que abraça a vida

Deixa que eu caminhe devagar…

Já andei como andas, correndo atrás de projetos;

buscando as satisfações do dia a dia;

com inúmeras preocupações a resolver.


Deixa que eu pare quando julgar necessário…

Não é mais o teu tempo, em que a pressa

te faz querer chegar a lugares que não queres;

fazer coisas que não te agradam;

iludir-te que estás mudando de vida.


Deixa que eu pare diante do espelho…

Meu sorriso é sulcado pelas marcas do meu tempo,

que garantem o direito ao silêncio.

Deixei vaidades, diminuíram anseios,

já não preciso de muito

e encontrei valor naquilo que ainda me resta.


Deixa que eu ande devagar…

Já não tenho pressa, transformei o passar

das horas em cúmplices: eu não corro, nem elas me

iludem com janelas para futuros que somente

foram realidades na minha imaginação.


Deixa que eu dormite encostado na poltrona…

É quando revejo o passado, acomodo-me ao presente

e sinto que o futuro ainda se esconde em devaneios.

Sou apenas um velho senhorzinho que não desiste da vida,

amparado pelas batidas dos corações daqueles

que me envolvem com o seu carinho.


Sem pressa, talvez tenha demorado,

mas o olhar que me abraça

ensinou, afinal, que amar – e ser amado - é a música

que faz a vida valer a pena!

terça-feira, 8 de março de 2022

Quaresma com jejum do egoísmo

Desde a Quarta-feira de Cinzas até a Semana Santa (Páscoa), os cristãos vivem a Quaresma. Para aqueles que frequentam alguma das igrejas cristãs, a sugestão é de que seja tempo de introspecção (reflexão) e de algum tipo de sacrifício, como o jejum de carne, por exemplo. Por diversos motivos, este costume está sendo deixado de lado, mas bem que se poderia pensar e assumir o espírito deste tempo. Quando se fala tanto de que é necessário se reinventar ou reciclar, a preparação para a Morte e Ressurreição de Jesus pode ser um momento diferenciado para um “desapego” mental e espiritual.

Ao simples jejum, o papa Francisco propôs 15 ações do dia a dia que qualquer um pode viver: “cumprimente sempre e em todo lugar; dê graças (mesmo que não acredite que deva ou deseje fazê-lo); lembre aos demais o quanto você os ama; cumprimente com alegria as pessoas que você vê todos os dias; ouve o que o outro tem a dizer, sem prejulgamentos, com amor; pare para ajudar; esteja atento a quem precisa de você; anime alguém; comemore as qualidades e os êxitos do outro; separe o que não usa e doe a quem necessita; ajude quando necessário para que o outro descanse.”

Mas tem ainda mais: “corrige com amor, não cale por medo; tenha boas relações com quem está perto; limpe o que usa em casa; ajude outros a superar obstáculos; telefone para seus pais, se ainda tiver a felicidade de tê-los.” Já seriam indicativos suficientes para, ao menos, pensar. Não diz respeito somente aos cristãos de todas as denominações, mas de como humanizar um tempo em que se valoriza a individualidade sobre a capacidade de sermos solidários/cuidadores, não de forma distante e teórica, mas com quem está ao lado, no apagamento de um pretenso olhar social...

Como se não bastasse, acrescenta: “jejue de palavras ofensivas e transmita palavras gentis; jejue de descontentamentos e se encha de gratidão; jejue da ira e encha-se de mansidão e paciência; jejue do pessimismo e se encha de esperança e otimismo; jejue de preocupações e se encha de confiança em Deus; jejue de queixas e se encha das coisas simples da vida; jejue das pressões e se encha de oração; jejue das tristezas e amarguras e encha de alegria o coração; jejue do egoísmo e se encha de compaixão pelos demais, tenha atitudes de reconciliação, de silêncio e escuta ao outro”.

Muito do que se aprende em sociedade leva a atitudes “umbigocêntricas”. Mesmo quem pensa em jejuar o faz porque tem alguma necessidade de saúde ou de estética. Em alguns casos, dependentes do álcool, do cigarro, chocolate... acabam por fazer um tipo de regime. A professora Tininha falou a respeito na live Partilhando, dizendo que para ter significado é necessário consciência de que é uma atitude religiosa e social e, aquilo que se economiza, deve resultar em algum “investimento” em atividade que demonstre o sentido da solidariedade de quem se abstêm com o necessitado.

Francisco é referência para cristãos do nosso tempo. Transforma-se, também, em “guru” espiritual de homens e mulheres de boa vontade que desejam, para além do seu credo religioso, fazer jejum do seu próprio egoísmo. Não há nada contra quem se sinta em condições manter a tradição da abstinência, especialmente da carne. Mas, novos tempos pedem novas posturas e os conselhos vão neste rumo: é preciso uma revolução de costumes, com a revitalização de uma simples palavra, desgastada e judiada, que ressurge em meio a conflitos e angústias: a prática e a vivência do amor!

domingo, 6 de março de 2022

Ainda é tempo para se esperançar

A brincadeira – muitas vezes levada a sério – é de que a semana que inicia é “a primeira semana útil do ano”. Passado o Carnaval que, por incrível que pareça, sem os festejos de Momo, conseguiu ser ponto facultativo com feriadão para o sistema bancário e educacional e o comércio funcionando precariamente, apresenta o Rio Grande do “Sol” atormentando os viventes e, quem pode, saiu em direção a rios, lagunas, mar para encontrar um refresco nos dias abafados e desanimadores. A turma com problemas de pressão achando que São Pedro, por algum motivo, está nos castigando...

Mas o que se pode fazer senão tocar a vida… Na sexta-feira, conversei com a psicóloga Margarete Andreazza, no programa “Bem viver, corpo e mente”, pela TV Cidade de Farroupilha/RS. Leu o texto que publiquei: “2022, nós esperançamos” e queria aproveitar o momento para refletir sobre a temática do seu programa: corpo e mente, acrescentando a necessidade dos cuidados espirituais. Em tese, é simples, talvez na prática seja mais difícil - ninguém consegue cuidar do outro: marido, esposa, filhos, pais, sogros, amigos, se não tiver uma rotina de cuidados consigo mesmo.

Bato seguidamente numa tecla: em momentos de tranquilidade ou na crise, é preciso se preservar espaços de sanidade mental. A pandemia trouxe dificuldades de se fazer isto em grupos – reuniões comunitárias, almoços em família, chopinho das sextas-feiras, futebolzinho com amigos, a noite das meninas, enfim, o jeito e as desculpas que se dá para encontrar com aqueles que são mais próximos. Mas… antes é preciso que a gente se encontre consigo mesmo: rezar no silêncio do quarto, ouvir música no cantinho preferido, ler as mensagens que procuram dar um “up” na vida de cada um.

Não me julgo uma pessoa que seja exemplo de relacionamento social. A culpa não é do coronavírus que somente acentuou o jeito de ser que se tinha antes, com virtudes e defeitos. Talvez tenha ajudado a explicitar o lado mais humano, que no agito do dia a dia fica velado. O jeito de se fazer uma autoavaliação e tomar consciência de que, além da idade, a “ogrice” de quem se esconde nos seus “pântanos” não é simplesmente “não gostar de alguém”. Fica mais parecido com o fato de que a rotina, a casa, as flores, as comodidades e os serviços são uma prefiguração da casa final…

Ainda acho que uma das boas metáforas que se pode utilizar a respeito da vida é a do livro. Muitas brincadeiras: um livro fechado, com páginas em branco, com elas arrancadas, enfim, as coisas que se diz para não tomá-lo nas mãos e sentir que, por aquelas páginas já amareladas, passou uma existência… A releitura não é com a intenção de reescrevê-lo, isto não existe, ou negar o passado de cada um. Viver plenamente o hoje exige que se assuma acertos e erros, especialmente, que se tome ciência de quem efetiva (e afetivamente) esteve ao nosso lado durante todo este tempo.

“Tô sentindo a tua falta”, dito de forma física (meios de comunicação, mensagens) ou para quem já partiu, em espírito, é a forma de não perder laços que as muitas e mal traçadas linhas registraram e, seguidamente, afloram nas lembranças. Jeito de mostrar que não importa que já se tenha vivido mais do que o que vai se viver pela frente. Ainda é tempo para se esperançar e fazer valer a pena a história já escrita, valorizando o “presente” de cada um. A consequência do que se fez e se plantou: o “presente” é um mimo, um regalo, único e intransferível nesta aventura que se chama vida!

terça-feira, 1 de março de 2022

A velhice, a inutilidade e o silêncio da morte

 

A notícia - Marinella Beretta morava em Prestino, na Itália. Seu corpo foi encontrado mumificado em uma cadeira, dois anos após a sua morte, reacendendo o debate sobre a solidão na velhice. Sem parentes, a polícia chegou à sua casa para verificar denúncia de árvores mal cuidadas que poderiam colocar em risco a população. Os vizinhos acreditavam que tivesse se mudado no início da pandemia, que atingiu fortemente o norte da Itália, a partir de fevereiro de 2020.

A Crônica - Marinella arrumou a mesa onde sentaria. Não lembrava bem do que tinha pensado em fazer para gastar o tempo. Mas, também, não importava muito. Havia ficado sozinha, sem família que a procurasse ou que ela achasse que valia a pena procurar. Os vizinhos até que eram respeitosos, mas não eram muito acolhedores. Afinal, era apenas uma velha senhora que morava sozinha e cada um tinha seus afazeres, entre os quais não estava se responsabilizar por alguém que não era familiar e sequer tinha privado do seu convívio.

Teve tempo de fechar toda a casa. Quando arrumou a cadeira e sentou, acariciou a toalha da mesa e tentou não se preocupar. Fora uma vida vazia e já estava cansada. O lugar não era dos piores, ninguém a incomodava, mas a solidão era sua única companhia, sem demonstrar interesse por quem estivesse fora da sua moradia. Vivera o suficiente para saber que já era chegada a sua hora. Não se preocupava em morrer, queria apenas apagar como tantas vezes fizera com as velas que acendia em frente ao seu pequeno santuário.

Ouvira muita coisa a respeito de idosos e da velhice. Quase sempre eram doutores e especialistas que deitavam falação sobre a melhor forma de chegar a uma idade avançada. Sempre sorria para a televisão e se perguntava: será que esta gente vai saber envelhecer? Lembrou da mãe que dizia que conselhos, se fossem bons, não deveria se dar, mas se vender… Todos tinham casas, uma família para a qual retornar, mas e quando tivessem que voltar e encontrar a porta fechada, o silêncio angustiante, a ausência que entristece?

Porque viver tanto tempo? Quem havia se preocupado em procurá-la e cativá-la? Isto já era a história daquele Pequeno Príncipe que falava: “tu te tornas eternamente responsável por aqueles que cativas!” Não fora cativada, sequer tivera uma mão estendida ou abraço que juntasse e curasse suas muitas feridas… Conhecia os personagens que a televisão mostrava, mas não conseguia identificar vizinhos que moravam próximos. Mesmo quando precisava sair, baixava os olhos e fazia seu percurso sem cumprimentar ninguém.

Alguém a encontraria. Falariam sobre como os idosos são tratados nestes tempos em que a comunicação de massa deixou de lado o cuidado com as pessoas; de que muros estavam sendo erguidos, mesmo nas pequenas comunidades, isolando os mais debilitados, doentes e velhos. Sabia que o número de idosos morando sozinhos já era um alerta de que há um problema social que os discursos não resolvem. Tinha a impressão de que saíra andando por uma estrada e, numa curva, deixou de ser vista e também de que sentissem a sua falta.

Cruzou as mãos sobre o colo e sentiu-se triste por perceber que a morte chegava. A memória brincou com lembranças de infância, juventude e idade madura. Era uma questão de culpa? Podia ser responsabilizada porque não soubera viver? Quando a inutilidade bateu à sua porta e se estabeleceu em seu corpo? Já desaparecera para os outros há tanto tempo que não faria diferença. Encontrariam o que restara dela. Não sabia para onde iria, mas queria descansar: a morte era simplesmente o fim para todas as suas preocupações…