domingo, 24 de outubro de 2021

O “Brasil honesto” e o “Brasil solidário”

Uma das perguntas que se faz em tempos turvos de política e políticos que esquecem as origens e a sua real função é: o Brasil tem jeito? Parece apenas um jogo de palavras, mas confesso: não sei se o Brasil tem jeito... mas sei que o brasileiro tem. Como consequência creio que, mesmo com dificuldades - e precisando de muita dedicação ao processo de recuperar referências morais e éticas - o país também pode retornar ao seu eixo. Das estatísticas que preocupam, avança o desemprego e o número de quem não alcança o mínimo necessário para se alimentar, já na casa dos 20 milhões.

Terça-feira, o jornalista Nílson Souza publicou sua coluna em Zero Hora, com o título “o Brasil honesto”. Contou o caso de Rodeio, em Santa Catarina, onde funciona um comércio sem atendente para o controle. Embora o ceticismo de muitos, quase o total da população, especialmente de baixa renda, que recorre ao “mercadinho”, paga as suas compras. Ainda deixa uma lista dos produtos que leva para casa, facilitando a reposição dos estoques. O comércio foi batizado de “Dr. Honesto” e faz parte do trabalho da Assistência Filantrópica Vida Nova, que atua na acolhida a moradores de rua.

Se a atividade já era digna de louvor e de apoio, ficou ainda mais interessante quando os repositores revisaram as listas e encontraram um recado: “vim através deste bilhete informar que peguei algumas coisas para o café com meus filhos. Mas não vou roubar. Quando tiver (dinheiro), prometo devolver. Obrigada”. E as iniciais da mãe preocupada em conseguir alimento para os filhos: dois pães, pote de doce e pacote de “cuecas viradas” que, somando, daria em torno de 30 reais. Uma iniciativa em que as pessoas tomam o que precisam, mantendo a dignidade do anonimato.

Se parasse por aí, a história já seria interessante. Mas ficou mais ainda quando o episódio foi divulgado. Como escreve Nílson Souza, o “Brasil honesto” despertou o “Brasil solidário”, pois compradores habituais passaram a deixar dinheiro a mais que o valor de suas compras informando que seria para compensar o que a mãe pegou para alimentar os filhos. A consciência de que a iniciativa do pequeno comércio, que beneficia muitos dos que estão no degrau mais baixo do consumo, pode ser capaz sensibilizar e provocar a partilha até do pouco que ainda lhes resta…

Duas atitudes: a mãe que usou da honestidade ao confessar a sua situação de penúria, “pagou com a moeda da sinceridade”. O bilhete era um grito silencioso do desespero de não poder oferecer aos filhos aquilo que é o trivial na maior parte das casas: alimentos básicos para uma refeição. Por outro lado, as muitas respostas em forma das minguadas quantias que eram a possibilidade de seus doadores, fazendo de seu gesto de desprendimento o apoio necessário para que a mãe não desista, insista e se mantenha firme, buscando todas as formas de fazer o seu amor pelos filhos valer a pena.

Tendo visto tanta coisa acontecer, é provável que algumas pessoas torçam o nariz e digam: “isto é exceção!” Pois são as exceções que abrem brechas nos sistemas para fazer as mudanças. O “Brasil honesto” inicia com pequenos gestos, que não aparecem nos meios de comunicação, em meio aos escândalos do dia a dia. São vistos por estradas, ruas e becos… onde um brasileiro ainda afirma: “a educação foi tudo o que meus pais me deixaram”. No mesmo arcabouço onde mora a honestidade e o sentido de que se possa ter à mesa “dois pães, um pote de doce e um pacote de cueca virada”.

(íntegra do texto de Nílson Souza em - https://www.pressreader.com/brazil/zero-hora/20211019/281573768890384)


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