domingo, 1 de abril de 2018

Vinte e cinco centavos...

Agora também em áudio.

Em muitas ocasiões, quando estamos sozinhos e auxílio minha mãe, dona França, estendo a mão e digo: "vinte e cinco centavos!". Ela ergue os olhos, sorri, coloca a mão sobre a minha "pagando" o serviço. Um ato de cuidador em que lhe mostro que às vezes pode estar sozinha, sem que se sinta abandonada; triste, sem estar deprimida; nem sempre sorrindo, porém confiante de uma presença amiga ao lado.
Semana passada precisei ir na Previdência Social. Saindo dali, queria ir ao comércio. Resolvi deixar mochila e jaqueta no carro. Quando subia a calçada, não levantei o pé o suficiente e faltou chão... O tombo foi inevitável. Na calçada, tentei recolher meus ossinhos - todos inteiros - e a minha autoestima que escorria pelo meio fio.
Em seguida, parou um carro e a pessoa se identificou como policial. Ficou ao meu lado até levantar. Não seguiu caminho sem antes dar muitas recomendações. Na loja, o rapaz que atendeu, vendo minha mão com sangue, perguntou se não queria limpar e proteger a ferida. Sai com as compras e a certeza de que, num tempo de tão pouca fé na humanidade, uma parcela da população faz o elementar: preocupa-se com o outro!
Minha mãe está me ensinando a envelhecer. Faço parte da estatística segundo a qual hoje idosos cuidam de idosos. No meu último aniversário, brinquei pelas redes sociais de que o próximo presente poderia ser uma bengala... Não precisa mais. Já tenho: herança do meu pai, seu Manoel, depois usada pela mãe e que, um dia, vou usar.
Para alguns, a bengala pode ser símbolo da "burguesia decadente", mas que tem o seu charme, isto tem... Até para dar maior glamour a uma queda! Alerto: não se preocupem, ainda não vou usá-la. Porém, ficou muito claro que o avançar dos anos exige postura diferente - e mais atenta - diante de coisas que parecem simples.
Envelhecer não significa ser descartado, nem que sejamos relaxados. Cuidar o que se faz, especialmente quando se tem pernas preguiçosas. Também saber o quanto é bom sermos cuidados, alguém que não sufoque e dê o direito de tocarmos a própria vida: até para cair... sem o charme de ter uma bengala!
O que não dispensa de outras bengalas: Por "vinte e cinco centavos" - e uma mão estendida - o direito de ser protegido e acarinhado por aqueles com os quais se convive. Neste tempo em que se prolonga a vida, fica evidente a necessidade de ser gentil: alcançar a mão quando se é necessário, sem ter vergonha de pedir uma mão quando se precisa. A certeza de que envelhecer pode ser  um bom tempo para descobrir a quem se amou. E quem efetivamente ainda nos ama!

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