domingo, 21 de janeiro de 2018

Um sentido para viver e morrer

O médico tivera sensibilidade. Seu pai passou duas semanas na UTI. 93 anos, saúde debilitada, definhara. Foi transferido para o quarto. Ali podia ter companhia quando despertava de seus sonos. Semiconsciente, perguntava por pessoas que já tinham morrido. Seus olhos sossegavam e fechavam quando sentia a presença do filho.
Sentado ao lado sabia que era o tempo de esperar. E de lembrar. Cerca de um mês atrás estavam na praia e tinha achado estranho ver o pai com um e seu neto com outro andador. Somente então entendeu quando ele dizia que a vida era um intervalo entre nascer e morrer. E que dependia de cada um o jeito como a preencheria.
Na semana que passou diversas pessoas conhecidas deixaram esta vida. Em algum momento fizeram parte da rotina do meu dia a dia e, mesmo estando longe, por diversos meios, ainda conseguia acompanhá-las, sabendo que a velhice ou a doença já anunciavam seu fim. E que outros foram surpreendidos.
Depois de uma certa idade, os números começam a se igualar: os que partiram são tantos quanto os que iniciaram a vida conosco e acompanharam na juventude. Na maturidade vem o afastamento. Trabalhamos e nos divertimos com grupos mais restritos, mais próximos, quando não se aprende a fazê-lo praticamente sozinho.
Ao notarmos que o tempo passou vêm as reclamações. Em especial: "quando jovens éramos dispostos e sem recursos. Agora, temos recursos e não temos disposição". A Natureza é caprichosa e oferece múltiplas oportunidades, em especial de que não é o tempo que nos magoa, mas as opções de vida que cada um tomou.
O problema está em aceitar que já não somos jovens, que muitos com os quais convivemos já se foram e que também no horizonte começa a se prefigurar a hora da própria partida. O senhor que me contou a história disse que ao despertar de suas lembranças sentiu que a mão do pai já não segurava mais a sua.
Fez uma concha e abrigou as mãos que lhe fariam tanta falta. Não mais embalariam netos, não fariam pequenos concertos na volta da casa, não dariam o carinho necessário para situações difíceis. Porém, mesmo na partida, nas pequenas coisas, havia uma lição: não se entende a morte se não se encontrou um sentido para viver!

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