segunda-feira, 10 de julho de 2017

Com o gosto de domingo

Um dos meus sabores com gosto de infância e juventude é o do mocotó. Meu pai e minha mãe iniciavam a limpeza e fervura das partes do boi usadas no preparo ainda na madrugada de sábado, para servi-lo domingo ao meio-dia. Somente mais tarde fui saber sua origem: comida de escravos, pois os senhores ficavam com a carne e deixavam para a "gentalha" aquilo que, possivelmente, iria fora.
No Inverno, meus pais preparavam uma iguaria vendida para reforçar as finanças. Tempero verde, picar ovos cozidos, dosar pimenta e sal. Numa ocasião, a mãe colocou pimenta e meu pai, sem saber, acrescentou mais uma dose. Não houve jeito de salvar o mocotó! Mas, quando tudo dava certo, ir à mesa, acompanhado de vinho, pão de casa quente, ou " de padaria" recente. Difícil ficar num prato só.

Foi do que lembrei almoçando no Seminário São Francisco, onde a turma organizou um mocotó buscando recursos para financiar sua Romaria, em agosto, ao Santuário de Aparecida. Ali estava uma das coisas boas da minha vida: comida que sempre dá vontade de esquecer talheres e mergulhar o pão no molho e, no fim, com o mesmo pão, limpar o prato. Sensação de sentar à mesa dos deuses!
Cheguei cedo pensando que minha função seria servir chimarrão. Mas me vi envolvido pelos rapazes, a Rose, a Queca e a dona Florinha, colocando lenha no fogão, mexendo e sorvendo a delicia em que se transformavam os ingredientes. Uma equipe - trabalhando, brincando, agitando - sabendo que mais do que os recursos que angariavam, viviam um momento de integração, de carinho e cumplicidade.
Antigamente se dizia que a cozinha era o coração da casa. Para vivenciar este dito é preciso ir para a volta do fogão, onde, embora cada um tenha uma tarefa, não é a individualidade que faz o resultado, mas o conjunto do trabalho, a harmonia da equipe, o sentido de pertença a um grupo. O resultado transborda para que outros sintam o quanto algo feito com dedicação pode ser, ao mesmo tempo, saboroso e compensador.
Os homens e mulheres nas senzalas sabiam que o mocotó era a "sustância" para continuar seu trabalho. Na atualidade, é tempo de convívio e conhecer pessoas. As mesmas coisas - ontem e hoje - tem sabor especial porque entre a preparação da comida e a satisfação de quem passou momentos agradáveis à mesa há um encontro. O gosto de viver um domingo de celebração da vida, de ser feliz na partilha - de um pedaço de pão ou de um simples prato de mocotó!

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