terça-feira, 6 de outubro de 2020

Prevenção: garantir a dignidade na saúde


Analistas das questões relativas à saúde começam a montar um quadro do que realmente aconteceu nos últimos meses, envolvendo a pandemia do coronavírus. Ao lado de infectados e, especialmente, dos que morreram, existem números comprovando que um bom grupo que positivou acabou se recuperando. Despertando o interesse por delimitar o quadro de quem é susceptível ao contágio e, num estágio avançado, pode fazer parte das estatísticas de morte.

Há um dado comprovando que durante todo o inverno se teve menos casos de pessoas contaminadas por gripes comuns. Muitos contam que atravessaram estes meses sem nenhum sintoma. Tem a ver com a corrida quase que desesperada que a população mais idosa - assim como aquela que se encontra em situação de risco - fez aos postos de saúde tão logo percebeu que a situação ia ficar feia. Mesmo com o alerta de que ainda não havia vacina que prevenisse ou curasse o vírus que se instalava.

Mas também o fato de que muitos - no susto - se recolheram às suas casas e um bom número fez, efetivamente, isolamento social, reforçado pelo uso de máscaras e da assepsia de mãos e roupas. É bobagem pensar que se consegue conscientizar toda uma população. Mas existe um percentual que é capaz de estancar o efeito da laranja podre... A maior parte das pessoas aderiu à máscara, mas sempre se encontra quem não usa ou acha que ela deve proteger o bolso, o queixo, apenas a boca ou a testa... 

O alerta é para quem relaxou exames e consultas de rotina para acompanhar diagnóstico ou tratamento. Aqui o problema aparece com mais seriedade: de um lado, aqueles que não estavam dispostos a se submeter ao perigo de uma infecção nos consultórios e laboratórios. De outro, profissionais que se afastaram, por estarem em grupo de risco ou por decisões político/administrativa que cancelaram o atendimento em locais de referência para a saúde. E deixaram a população desassistida...

Cantado por alguns, criticado por outros, o sistema único de saúde é o que temos. Arrefecendo a pandemia, com o caixa quase raspado, não se pode permitir que se volte ao que era antes: atendimento precário em todos os sentidos, desde a disponibilidade de profissionais, passando por estruturas, até o básico na distribuição de medicações e acompanhamento domiciliar. Os serviços desta área tem que fazer jus ao princípio da universalidade de acesso à saúde, que todo o brasileiro tem.

Segurança, saúde e educação são diretos que garantem a dignidade. A maior doença está em quem glamouriza a pobreza e a transforma em massa de manobra. Uma cultura da cidadania precisa trabalhar uma adequada rede de informações sobre a saúde, que inicia pela família. E passa pela escola e uma sociedade que aprende no tranco que paga caro - até com vidas - quando relaxa no que é básico: a prevenção!

domingo, 4 de outubro de 2020

O que a estrada oferece pela frente

Quando estava saindo de cirurgia para extinguir um câncer de próstata tive que focar em coisas que gostaria de fazer de forma prática, já que, ainda, com resquícios da anestesia, não conseguia concentrar em leituras e estudos. Das muitas "loucuras" que comecei a idealizar - enquanto aposentado - estava de encontrar miniaturas de carros que já tive, assim como de brinquedos que fizeram parte da minha infância e início da juventude. Claro que veio à mente o primeiro carro, que efetivamente comprei, um chevetinho ano 77, seguido do clássico de praticamente todos nós, o fuquinha...

Mas aí havia um engano. Puxando pela memória fui lembrar que não foram os primeiros meios de locomoção tanto da família, quanto das lides do seminário, para onde fui a partir dos meus 11, quase 12 anos. O primeiro veículo era uma charrete, que servia muito bem para todas as lides do "Bar e armazém Raulin", do seu Manoel, mas também para os passeios que se faziam nos domingos à tarde, depois que o pai fechava o boteco, ao meio-dia, e tirava sua sesta. Eram locais próximos, especialmente no verão, onde houvesse uma sombra e alguma água para a família se refrescar...

Já no seminário, desde que me conheço por gente, havia a "kombi do padre Guerino", que tinha a serventia de carregar mantimentos, transportar material de uso da casa, mas também para levar e buscar um grande grupo de meninos. Ainda não haviam regras tão rígidas de transporte como hoje e, então, em certas ocasiões, quando começavam a descer - e se fosse contar - facilmente passavam dos 10, faceiros por ir até a praia do Laranjal, pelo lado do Carmelo, ou vestir as fatiotas e participar de alguma cerimônia na Catedral de São Francisco de Paula.


Quando o pai iniciou a casa onde hoje moro, construiu uma garagem que abrigaria uma charrete. Depois que deixou de usar e passei a comprar carros, fui percebendo o quanto era estreita, ou, dito de outra forma, o quanto o motorista era ruim, já que, em todos os carros, ficaram as marcas de arranhões nos espelhos retrovisores, assim como nos para-lamas, especialmente dianteiros. Não sei quantos carros tive, alguns mais modernos, outros nem tantos, mas os que deixam marcas são aqueles que importam...

Por exemplo, o astra que cuidava por ser novinho e dotado de muitos recursos e conforto. Numa ida a Porto Alegre, tinha a intenção de ficar na capital e liguei para um amigo que saiu de Pelotas comigo. Percebi que não estava bem e combinamos retornar juntos. Próximo a Tapes tinha muita água na pista e o carro aquaplanou... Embora não lembre - minha última memória continua sendo passar por trás do mercado ainda em POA - paramos embaixo do último rodado de um caminhão. No frigir dos ovos, saímos ilesos, mas do carro sobraram a chave e o acionador de alarme que o Renan localizou em meio aos restos da preciosidade que virou sucata...

Com a minha amiga Jânea e o saudoso Vinícius aprendi a gostar das caravans. Aquilo não era carro, era uma casa ambulante! Servia para as atividades pessoais, viagens e os serviços da agência que tinha, então. A cachorreira era a alegria da criançada. Tinha espaço para que fossem à vontade, assim como mantinha sempre algumas almofadas no banco de trás que era a "cama" para meus sobrinhos quando, regularmente, ia a Porto Alegre e um deles, assim como um de meus pais, me acompanhavam.

Consegui ficar com a traseira do chevetinho presa em arames na estrada do Laranjal... ataquei uma coluna na rodoviária... bati num outro carro sobre uma ponte na Cascata, em direção a Morro Redondo, sem haver mais nenhum veículo na estrada... Mas também senti os opostos ao subir a serra: a vastidão dos seus vales, assim como a solidão da cerração... O encanto dos serros em direção a Bagé, com as suas curvas perfeitas e seu desenho do verde que se perde na paisagem... O nascer do sol por sobre pequenas lagoas na br 116, com a neblina evaporando no inverno e mostrando um espetáculo mágico de energia e da graça de Deus! 

Gosto de viajar com outros, mas também de percorrer estradas sozinho... sozinho, não: a certeza de estarmos eu e Deus. Uma ida para a serra, por exemplo, tem um ritual próprio. Cedo cair da cama, tomar café no Grill, passear e almoçar em algum shopping da capital ou de Canoas. E não ter pressa. O importante no passeio é encontrar situações que dão prazer e pessoas que amamos. O carro é o instrumento que ajuda a fazer caminho, este sempre novo "desconhecido", com o desafio da atenção e sorver o contorno de cada curva como se vive a própria vida: encantados e gratos por tudo o que já se recebeu... e o que a estrada oferece pela fr
ente! 

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Suicídio: "me estende a tua mão"


O depoimento do religioso foi carregado de tristeza. Especialmente quando contou o caso do rapaz que praticou suicídio e sua congregação não queria permitir que o corpo fosse enterrado no cemitério da pequena localidade. Aos que diziam: "o senhor não pode!" ele respondia: "não sou eu que vou negar a chance deste infeliz chegar às portas dos Céus, lá, vai ser entre ele e Deus!" Já não haviam argumentos, mas sobraram corpos e mentes destroçados. De alguma forma, sentia-se responsável por não ter entendido aquele "grito silencioso por socorro".

Mesmo que já se esteja no final do setembro amarelo, com a proposta de se afinar os ouvidos para ouvir "um grito silencioso por socorro" é preciso entender que pessoas que chegam a este extremo estão desesperadas por acabar com a dor, não em dar cabo da própria vida. Acompanhou a família, mas tinha muita pena da dor em que passou a viver a mãe do rapaz, que repetia como um mantra: "ele era bom, ele era bom", como se tentasse se convencer de que, numa cultura enraizada no culto à vida, sua criança não havia cometido nenhum crime ou pecado...

Sua tristeza o levou para diante do Sagrado, onde se perguntou porque jovens, pessoas maduras e crianças chegam a este ponto. Recentemente, esta estatística silenciosa foi encorpada por homens e mulheres de religião que talvez tenham dado sinais de que esqueceram da beleza de sua missão para se transformar em empregados do sagrado ou burocratas de algum senhor, tendo perdido por completo o sentido de viver e não encontraram quem os pudesse auxiliar neste reencontro...

O suicídio é a ponta de um iceberg. A Unicamp publicou estudo demonstrando que 17% dos brasileiros já pensou em dar cabo da própria vida. O certo é que, na maioria das vezes, estes sinais são aparentes, sendo possível evitar que os pensamentos virem realidade. O primeiro e mais importante elemento é, com certeza, uma cultura da vida: não ter medo de falar a respeito, quando necessário buscando informações ou apoio de profissionais, já que os números são preocupantes: hoje, no Brasil, 32 pessoas por dia cometem suicídio.

Os números beiram a catástrofe quando se fala da população mundial: a cada 40 segundos uma pessoa se mata, totalizando quase um milhão de pessoas todos os anos. Estima-se que de 10 a 20 milhões tentam, a cada ano. O efeito se transforma em cascata ao se perceber as consequências, especialmente na família: de cada suicida, de seis a dez outras pessoas são diretamente impactadas, sofrendo consequências difíceis de serem reparadas e aliviar pressões de cobranças sociais, culpa, remorso, depressão, ansiedade, medo, fracasso, humilhação...

Especialistas dizem que há um momento em que as marcas da dor são visíveis, mas ainda há resquícios da vontade de viver, resistindo ao desejo autodestruição. A Unicamp recomenda: "quem precisa ajudar não deve se preocupar com o que vai falar. O importante é estar preparado para ouvir". Não é hora de conselhos e apelos religiosos, mas consciência do desejo de dizer "me estende a tua mão!". Ou ser capaz de, juntos, lançar um brado por socorro...

domingo, 27 de setembro de 2020

Santiago dos meus sonhos!

Quem já esteve como peregrino, ouviu a narração ou assistiu documentários e vídeos de viagem de alguém que percorreu os caminhos de Santiago de Compostela (na Espanha), sabe que são necessárias cumprir etapas para as trilhas que duram, em média, de uma semana a um mês, algumas saindo do outro lado do país, ainda na França. Percorrer estradas e caminhos pode ser apenas um exercício físico, uma atividade religiosa, mas também uma parada, um momento de reencontro consigo.

A primeira semana é tempo de acostumar o corpo. Na segunda, vencidos ajustes físicos como as bolhas e o cansaço, enfrenta-se o período mais difícil: a crise - aparecem os ajustes da interação com os companheiros, quando é necessário negociar e ceder, a mente passa a trabalhar as relações humanas e afetivas. Na terceira, se tem a perspectiva da chegada o que intensifica a experiência de grupo. No final das contas, inicia-se a experiência de fé entre você e Deus e um balanço do que já se conseguiu.

A primeira semana - quando o corpo se acostuma com a jornada - pode ser o objetivo do percurso. E não tem nada demais para quem não se sente em condições de buscar respostas para a sua fé ou amadurecer para vencer mais uma etapa na vida. O segundo caso é mais complicado: pessoas de todos os credos enfrentam um tempo de busca pela identidade. Não são somente cristãos/católicos, mas respostas que o dia a dia não oferece pelo fato de que caímos na rotina das nossas relações ou no cumprimento de "deveres" religiosos que sufocam a capacidade de desafiar os próprios limites.

O exemplo citado por muitos caminhantes, na primeira semana, é um pouco da transição que se espera para a jornada: "a mochila passa a ser integrada no corpo", natural para quem cumpre jornadas de trabalho, convivência educacional, de estudos ou religiosos e sabe que, ao passar do tempo, nossas tendências serão sempre estas: vamos incorporando "penduricalhos" físicos ou psicológicos que formam o peso e dificultam o caminhar, mas não sabemos como nos livrar deles ou resumi-los ao essencial.

Tempo de se aprender o desapego do supérfluo e a ausência de pessoas queridas são capazes de nortear diferentes perspectivas. Mais ainda para quem deseja reencontrar referências religiosas. No momento de silêncio, longe dos templos conhecidos e desafiados pela natureza do entorno ou do próprio corpo, sobra o sentimento de que há outros caminhos e outras perspectivas. Especialmente, ao encerrar a jornada, na celebração da acolhida, participando do momento do desapego...

O "Santiago dos meus sonhos"? Gostaria de fazer um "pequeno caminho" comparado aos 800 km que iniciam na França. Caminhada entre amigos (antigos e novos vizinhos, "jovens" do "Em Busca de um Novo Sol" e outros que a vida trouxe). Não teria preparo físico para todo o percurso. Poderia se fazer por "estações". Os que estivessem melhor iniciariam em Pelotas, mas os mais "velhinhos", como eu, começariam ao pé da serra onde fica o Santuário e Pousada de Guadalupe. Com direito a pernoite e, na volta de uma fogueira, percorrer os cadernos de músicas da Lucinha e da Hilda, contando as muitas histórias que ainda guardamos... Ôh, e que histórias!

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Aposentados, mas não mortos 4


A discussão dos últimos dias a respeito de como pagar a conta da pandemia colocou na sala um bode e já despertou reações: a equipe do governo federal vazou a informação de que os burocratas da economia pensavam em diminuir os índices de reajustes dos proventos dos aposentados, assim como, voltava-se a acenar com a possibilidade de que a sua atualização não fosse mais vinculada aos índices com que também se tenta recuperar a capacidade de ganho do salário mínimo.

Percorrendo o Brasil, especialmente em lugares onde sua popularidade não alcançou o que julga ideal para tentar um novo mandato, o presidente apareceu na televisão esbravejando e se fazendo de perdido em meio à papelada e números, afirmando que não tiraria dos pobres para alcançar aos miseráveis... Bravata que gerou, em seguida, reação dos economistas, que voltaram atrás e informaram que não foi o ministro o ameaçado de receber cartão vermelho, mas é certo que alguma cabeça irá rolar...

Engraçado é que, nos mesmos dias, o Congresso anunciou o fim de uma ajuda de custo (correspondendo a um salário), quando os deputados se mudam para Brasília ou saem de lá. Mesmo se reeleitos, recebem novamente o recurso e, se morarem na capital federal, também vão ser agraciados. Este é só um dos muitos exemplos de penduricalhos - mordomias e benefícios - que os políticos se dão ou, pressionados por altos escalões dos três poderes, distribuem como mimo entre seus pares...

Uma das maiores excrescências se chama "auxílio moradia", distribuída às custas do erário público com critérios, no mínimo, duvidosos, legalizados às custas de lobismo no Congresso, onde sua capacidade de "convencimento" é altamente comprovada. Pergunta: a lei não é "igual para todos"? Então, porque para alguns ela parece ser "mais igual"? Se os recursos são públicos (para todos), porque alguns se beneficiam, enquanto a população é arrochada e busca um jeito de não cair na miséria?

"Aposentados, mas não mortos" foi uma série de artigos que escrevi mostrando o quanto a categoria dos aposentados dá sinais de que se mobiliza e pressiona para evitar perdas nos seus benefícios. Já levou um golpe com a antecipação do 13% salário, gasto, muitas vezes, no apoio a familiares que perderam emprego ou tiveram seus vencimentos diminuídos. Não foi por falta de aviso: foi alertado que este dinheiro irá faltar no final do ano para gastos anuais e movimentação da economia...

O que se precisa, urgentemente, é reformar a máquina pública, preferencialmente, por uma Assembleia Constituinte, onde se faça valer o princípio da igualdade entre todos os brasileiros. Os cofres estão raspados não pelo auxílio destinado aos mais pobres, mas pelo efeito carrapato que sugou os recursos num sistema que se tornou legal, mas demonstra, na parcela da população que jogou na marginalidade, o quanto é imoral!

domingo, 20 de setembro de 2020

20 de setembro: em busca de uma identidade cultural


Este ano, as comemorações do 7 de setembro - Independência do Brasil - e o 20 de setembro - Revolução Farroupilha - estão sendo bem diferentes dos anos passados. Os tradicionais desfiles, em ambas as datas, assim como os festejos, especialmente organizados pelos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), tiveram que apelar para as transmissões pela internet e, claro, não tiveram a mesma graça... Os desafios musicais, de dança e declamações tem muito daquele sabor de pertença que, mesmo que possa ser mal contada, é uma parte da nossa história, ficando ainda melhor quando se veem crianças caracterizadas e até recém nascidos saindo da maternidade com roupinhas típicas.

Um toque de gaita, de pandeiro ou violão num dos ritmos que agitam os bailes e apresentações tem uma chama de identidade. Junto com nossos irmãos do Uruguai e da Argentina, somos os GAUCHOS, mais do que as roupas que vestimos, um sentimento de que ainda mantemos um pouco do nosso orgulho, que foi se deteriorando com tempos em que o próprio Rio Grande deixou de ser referência política, cultural e econômica, entrando em dificuldades bem visíveis quando comparamos com o ranking dos demais estados da federação.

Tristemente, sobrou uma glamourização sem sentido de um gaúcho de representação, em tese "recuperado" a partir de meados do século passado, quando mais se buscaram registros que atendiam a um meio estudantil sedento por criar uma novidade do que representando o então homem do interior, que já sofria com os problemas da pobreza e da miséria e que viveu o êxodo percorrendo estradas difíceis e com muitas dificuldades engrossando a fileira daqueles que já estavam nas vilas e bairros das médias e grandes cidades.

Recentemente, num programa de rádio, lembrei de duas situações que ouvi ou fiz parte. Uma delas era do chimarrão tomado na avenida Bento Gonçalves. Década de 70 e nós, então jovens de grupo da paróquia Santa Teresinha, aproveitávamos o caminhão do pai do Geraldo para juntar a turma e ir passear e chimarrear no point jovem. "Coisa de grosso", como nos diziam, porque ainda não se costumava matear em público. Mas era uma diversão, especialmente andar de caminhão em meio aos carros da garotada que desejava passar, apressadinhos, buzinavam e o Geraldo ameaçava dar ré... e era uma debandada só!

No outro caso, contei que meu pai tinha muitos irmãos - se não estou enganado, ao todo eram 12 - e muito pobres. A farinha comprada para o pão vinha em sacos brancos que eram devidamente lavados e depois transformados em roupas. No caso das meninas, faziam os modelos completos, mas os meninos eram vestidos como um grande camisolão em que se adaptavam o pescoço e os braços, sem usar mais nada... Contava que, quando apareciam visitas eles disparavam em direção aos matos ou às sangas, que ficavam próximos das casas...  Há versões diferentes, mas a do meu pai era esta.

Depois disto, meus pais e muitos dos meus tios e primos foram em direção da cidade... Numa época em que ainda era relativamente fácil conseguir emprego, alugavam uma casa e, sempre com muitos sacrifícios, chegavam a ter a residência própria. Em alguns casos, saíam para servir ao Exército e, já na cidade, de lá não voltavam mais... 

Não convivi com todos eles, mas não lembro de alguém dos meus parentes ou dos jovens das vilas terem sido tradicionalistas dos quatro costados. Eram gaúchos de raiz, de lugares onde a mistura se dava com índios, negros, bugres (nem sei se tinham bem ideia de uma definição do que eram bugres). Uma das discussões que sempre faço nesta ocasião é que, infelizmente, a chamada "cultura gaúcha" virou cultura de grupos organizados, mas não é a cultura da população. Que, aliás, hoje, nem se pode dizer que tem uma cultura. 

A pandemia somente acentuou os problemas que já vinham se apresentando e vai tornar mais difícil ainda a arte da sobrevivência... Mas é exatamente nisto que o 20 de setembro, especialmente, pode nos ensinar: a busca por uma cultura que ainda não temos. A revolução de hoje é o sentimento de que "vai passar". O novo normal pode ser, sim, um tempo em que mais gente seja capaz de estender o olhar por sobre as nossas coxilhas, confiantes de que, precisamos plantar a solidariedade... se quisermos colher a a esperança!

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A lição que não aprendemos


A pandemia já está cansando, mas ainda não mostrou por completo suas garras: elas serão a consequência do que irá acontecer a partir do momento em que se tiver uma vacina e estabelecer um marco real de mudanças - o resto são especulações - de como a vida vai continuar no chamado novo normal. Atenção e cuidados com a saúde, a economia que já estava fragilizada tentando se recuperar dos escombros e relações pessoais refazendo um patamar que precisa de especial atenção dos educadores.

O problema é que se misturam "alhos com bugalhos", no caso, agora, eleições com o retorno às salas de aula. Embora se negue, esta pressa em reativar o ensino presencial tem, claro, a pressão de muitos pais que enfrentam problemas para manter os filhos em casa, mas também de autoridades que deveriam tomar a si o ônus da responsabilidade e, literalmente,"bater pé", impedindo que se viva, aqui, as dificuldades que outros já viveram pelo Mundo, quando se deixaram seduzir por argumentações duvidosas...

Verdade, que um dos problemas está nas famílias, onde pai e mãe que ainda têm emprego e precisam continuar trabalhando. Muitos casos onde um deles necessita se atrasar para deixar o filho na escola; em outros, abandonam o emprego para ficar em casa cuidando das crianças; ou perdem o trabalho por se ausentar em turnos em que, de outra forma, deixariam os menores sozinhos. Sentem-se abençoados quando um familiar mora próximo e podem dividir a responsabilidade como cuidadores.

As imagens do retorno às atividades presenciais, de longe, deixam claro que os alunos não estão voltando para as "suas" antigas escolas. O novo normal se assemelha a um ambiente hospitalar, onde imperam cuidados com a higiene, o distanciamento, o uso de máscara. Alegria e folguedo deram lugar a rostinhos que preocupados, pois, se de um lado, gostam das "profes", dos coleguinhas e dos ambientes, sabem que não é aquele ambiente do qual sairam, nem o mesmo para onde pensaram em retornar...

Há uma lição que não aprendemos e, que, infelizmente, não vamos aprender. Um passo adiante na nossa capacidade de empatia seria fazer concessões, apertar os cintos, abrir mão de privilégios, ou, ao menos, simplificar gastos e adiar investimentos. É um tempo de continuar ou entender como lidar com a solidariedade, iniciando em família, passando por quem está em necessidade, também por campanhas de doação de sangue e vaquinhas (vakinhas) arrecadando recursos para tratamento médico.

Não é hora de retornar às atividades presenciais. Assim como não é hora de eleições... A educação é o desafio da pós-pandemia. Reformatar a vida pode, sim, passar por um "ano perdido" na caderneta de notas, porém com o "reforço" na primeira escola que se chama família, onde se dá o básico: a formação do caráter. Então, se for o caso de escolher entre ficar mais pobre ou a saúde das crianças, de fato, não há o que discutir...