sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Posso segurar a tua mão?

A criança inicia a vida

Explorando as próprias mãos.

Se apropria do sentido das coisas,

Desenhando com elas a sua forma, 

Descobrindo cores e texturas.

Precisa-se delas para sentir o carinho,

Aprender as formas de interação, 

Receber os primeiros fluidos do amor.

 

No ocaso da vida, encontra-se o idoso

Que ficam longos períodos

Erguendo as mãos ao Sol,

Gravando detalhes que o tempo

Cinzelou na articulação dos dedos,

Escureceu num dorso judiado

E escondeu na palma

O traçado de um destino…

 

Se hoje seguro as tuas mãos,

Chegará o momento de prenderes as minhas.

Elas são capazes de atrair,

Assim como manter afastado 

Ou, quem sabe, demonstrar indiferença.

Nos momentos de cansaço,

Preciso que coloques as tuas em meus ombros,

A energia que recarrega o meu coração.


Nascemos e nos firmamos na vida

Guiados pelas mãos dos pais;

Aprende-se a valorizar 

Aquelas que se tornam amigas;

E se espera viver

A parceria com a pessoa amada,

Que redesenhe o mapa dos nossos corpos.


Dói pensar que a carência das mãos 

Faz com que se perca o brilho no olhar,

Quando o entardecer da existência

Preocupa e muitas vezes assusta.

Todas as partidas têm um aceno de mãos.

A lonjura e o afastamento

As tornam mais lentas.

Precisam secar os olhos

E mirar mais distante a própria esperança…


Ao perceberes que estou de partida,

Coloca tuas mãos sobre as minhas.

Não haverá razão em pensar ter sido o fim,

Apenas um momento de passagem.

Quando, novamente, se encontrarem,

Saciarão o desejo da eterna busca 

Por amores que preenchem o sentido 

De cada instante da existência…

terça-feira, 27 de agosto de 2024

A ira que não vem de Deus

 Os recentes acontecimentos climáticos no Rio Grande do Sul motivaram comentários de pessoas com conhecimentos técnicos e bem intencionadas, assim como "achistas" e distribuidores de notícias falsas. Recentemente, encontrei nas redes sociais comentários de supostos religiosos a respeito do que motivou as catástrofes que se abateram sobre o estado. Infelizmente, um bom número de brasileiros (e gaúchos) faz parte da "massa ignara", transformando-se em rebanho conduzido por lobos disfarçados de pastores. 

Foram muitas mensagens falando a respeito dos supostos "pecados" cometidos pelos gaúchos e que teriam despertado a "ira de Deus". Não sou teólogo e falo a partir da minha crença como cristão/católico. Quem propaga a "ira de Deus" não conhece os Evangelhos que estão na Bíblia e a pregação de Jesus. Homens e mulheres que se dizem religiosos, mas defendem o uso de armas, assim como a supressão da liberdade de expressão de seus adversários (à direita e à esquerda)... estes não entenderam a mensagem do Nazareno!

Se a população está se afastando das religiões tradicionais (e agora até das neopentecostais), é muito provável que a responsabilidade seja daqueles que se acham administradores, intelectuais, mas esquecem de ser pastores, cuidadores do povo. Homens e mulheres que fazem Deus refém de interesses. Despejam suas frustrações em pragas que servem para amedrontar e afastar quem já está repugnado com crenças que negociam um espaço nos céus. Sem a preocupação de possibilitar um melhor lugar onde viver na Terra.

Há profetas que suplicaram a tolerância de Deus com cidades supostamente pecadoras, pela existência de um pequeno número de pessoas boas. E foram poupadas da aniquilação. Nas localidades afetadas, agora, existem muitos homens e mulheres de boa vontade em diversos credos religiosos. Os cristãos acreditam na misericórdia de Deus. Existem muitas coisas que não se entende e este é o motivo de se basear a crença em um Ser Supremo na própria atitude de fé. Eis o motivo pelo qual a vida é o caminho de todas as utopias. 

O que estamos passando é a ira que não vem de Deus. Vem da irresponsabilidade humana no cuidado com nossa única casa: o planeta. Querem encontrar culpados? Procurem também dentro do magistério das igrejas cristãs tradicionais que, hoje, se omitem em trabalhar a consciência social de seus seguidores. No barro e nas dificuldades da estrada se constrói a esperança que tem no leigo o protagonista da educação, política, comunicação e todas as áreas que fazem do mundo um lugar que deveria antecipar a Eternidade…

domingo, 25 de agosto de 2024

O doce sabor das palavras

Falar, sussurrar,

Quem sabe ouvir a melodia de uma canção?

As palavras navegando pela imaginação 

Na procura por um sentido.

A magia que aproxima dois seres,

Despertando sentimentos,

Abrindo a alma para o encontro,

Intenções expressas no simples ato de dizer.


A palavra emerge com vida própria

Para quem ouve e compreende 

O que deixou de ser expresso em sons.

Sentimentos cravejando cada letra, 

Cada conjunto de significados. 

Os sons que as acompanham

Diferem sentidos na musicalidade 

Com que chegam aos ouvidos.


O dito é entendido na proximidade e

No sentimento de partilha:

Os que nos deixam perdidos em devaneios;

Que trazem música e encanto na voz;

Se ouve sem ficar qualquer marca em nossas vidas...


O passado se apresenta carregado de vozes,

Na intensidade dos sentimentos 

Que se compartilhou. 

Os momentos em que o dizer é desnecessário

E até supérfluo, 

Quando se anseia por uma palavra de consolo

E um abraço emite sons que transbordam no olhar...


O doce sabor das palavras 

Precisa de significados somente

Alcançados por uma história em comum,

Onde se trama a cumplicidade do conviver.

Corpos celestes tecendo seu próprio universo,

Único e singular.

A sintonia carregada de oportunidades.

Quando se entende que

Não se alcança o pleno sentido da interação

Sem vivenciar a dor da própria incompletude…

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Deixa que o mundo continue girando…

Imaginas que o mundo onde vives 

Não se importa com a tua dor.

É da sua natureza continuar girando,

Na imensidão do Cosmos.

A forma de te abrigar quando sorris

Ou nos momentos em que 

as lágrimas são doloridas.

Não para porque alguém 

Ainda não entendeu ser o único abrigo,

Que precisa ser transformado em lar.

 

No eterno ciclo em que

Desce a noite e, depois, ressurge o Sol,

Quando da tua desesperança,

Pode parecer indiferença.

No entanto, é lugar do aconchego…

Naquilo que não entendes,

Girando em torno de si

Ou orbitando em volta do Sol,

Desafia a perder

O medo de conheceres o preço da felicidade…

 

Argonautas do Infinito,

Somos vocacionados a arriscar,

Que não é apenas enfrentar perigos,

Mas a razão de ser no planeta,

Na renovada esperança de voltar 

A abrir os olhos todos os dias.

Nas voltas do seu destino, o mundo

Não causa infelicidades ou sucessos,

Apenas continua o seu caminho…

 

Te oferece paisagens encantadoras ou

O pântano dos pensamentos entristecidos.

Permite que o amor desabroche

Sem que se sucedam as estações do ano.

Gravita no coração que absorve a energia

De um Universo presente,

Pronto para te oferecer um novo dia.

 

Deixa que o mundo continue girando…

Desperta teus sentidos para

As engrenagens do Cosmos

Que não vês e perpetuam a existência.

Enquanto procuras o sentido da vida,

Há uma procissão inimaginável de

Planetas, estrelas e corpos celestes,

Que fazem um clamor surdo, apenas

Alcançado por quem ouve com o coração.


A beleza ou a dor do que teus olhos intuem,

Inspiram e encantam 

O espírito que busca um bálsamo

Nos recônditos onde brotam os sonhos

E a imaginação…

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Velhinhos analógicos, jovenzinhos digitais

Em tempos cibernéticos, a minha geração (com mais de 60 anos) pode se considerar analógica. Os que vieram antes poderiam ser chamados de “híbridos”, pois ainda lembram dos tempos antigos, mas já navegam bem nos tempos atuais. E os mais jovens, plenamente digitais. O certo é que vivemos, nesta virada de século, uma das grandes mudanças da história, sendo privilegiados em fazer exatamente esta transição. Por aquilo que nos permitem conhecer na informática, inteligência artificial e realidade virtual.

Sim, “permitem conhecer”, pois se sabe que os resultados de muitos trabalhos apenas vêm a público quando outras pesquisas engatinham na área. Somos surpreendidos por novas possibilidades de uso da informática, por exemplo, como extensão do cérebro humano: ferramenta que deveria melhorar a vida do próprio homem e não lhe causar sobressaltos. Especialmente com a possibilidade de que muitas atividades profissionais sejam extintas sem que haja uma atitude dos governantes por políticas de plena ocupação.

Recentemente, se discutem as implicações técnicas e éticas do uso da inteligência artificial. Iniciou com os primeiros computadores: a necessidade de que o processo de educação seja priorizado sobre qualquer recurso técnico. Isto é, para se ensinar a técnica é necessário, antes, que o aluno ou o profissional tenha um lastro de conhecimento humano e social capaz de não “encantá-lo” com o “brinquedo” que se apresenta, mas sabendo que há uma finalidade em qualificar pessoal e socialmente a sua produtividade.

Qualquer ferramenta criada não é, em si, boa ou má. Seu uso, pelo próprio homem, pode causar o bem ou o mal. Infelizmente, governantes de praticamente todos os países investem em usar a informática e seus correlatos para espionagem e a indústria da guerra. Tristemente, as vozes que ainda hoje se levantam denunciando as distorções sequer são ouvidas. Existe uma autêntica lavagem cerebral, buscando convencer que conversar e negociar é inútil e o melhor é impor àqueles que discordam o “meu” ponto de vista.

Não sou saudosista e me sinto privilegiado em viver esta transição. Mesmo quando algumas coisas não dão certo, é preciso reconhecer que os recursos alcançaram para boa parcela da população uma maior qualidade de vida. No entanto, é a velha cantilena: a educação precisa se apropriar não da técnica em si, mas do seu conhecimento, do porquê de seu uso e a destinação social apropriada. Isto é o que se chama de “senso crítico”. Nós, os velhinhos analógicos, gostaríamos de entregar aos jovenzinhos digitais não apenas mais recursos técnicos, mas que estivessem revestidos do melhor que a humanidade pode dar de si… 

domingo, 18 de agosto de 2024

O anjo que te espia por detrás de uma estrela

Aconchego-me na contemplação do Infinito.

Quedar-me ao encontro das primeiras estrelas 

Que aparecem nos céus

É abrir os portões de

Um Universo onde se vasculha o Mistério 

Como quem percorre um sonho...

A busca pela plenitude que

Embarga os sentidos e contempla

A necessidade de aquecer o coração.

 

Quando anjos espiam

Em meio às estrelas, acenando dos céus,

Na procura por almas 

Em que se preserva um pouco da inocência,

Perceberás a cumplicidade da noite.

Coloca em espera o que se pode ouvir,

Na imensidão do que se consegue ver:

Primeiro, com o encantamento nos olhos,

Depois, com a imaginação sôfrega de promessas.

 

O anjo que te espia por detrás de uma estrela.

É peralta, moleque brincalhão e 

Penetra no teu peito.

Sabe o momento

Em que precisas do aconchego de um abraço,

Ou apenas ser motivo para que possas sorrir.

Seres alados que zelam por teus sonhos.

Suspirar ante as estrelas é encantar-se

Diante do inimaginável, 

Quando risos e vozes preenchem o espaço celeste

Do mais puro e doce êxtase.


Silencia diante da imensidão de um azul enegrecido,

Cravejado do brilho que emana da saudade.

Ali onde Eles acompanham 

As almas na derradeira peregrinação.

Quando transpõem os portões do Paraíso, 

Acendem uma nova estrela.

Sinal, para os que amaram,

De terem, enfim, um final feliz:

Estão em paz. Alcançaram a paz!

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

A loucura, a poesia e a felicidade

Enquanto for capaz de sonhar,

Posso acordar como louco ou como poeta. 

Dá no mesmo. 

A loucura e a poesia são cúmplices.

No que se declama e no que se escreve

Tem sempre o desejo de garimpar 

Um gostinho de bem querer...

Um aceno para aqueles com 

Quem a gente se importa em

Compartilhar bons e ternos momentos.


A loucura não nos separa do mundo,

Dos seres que se consideram "normais",

Especialmente, quando

Já não se tem forças para enfrentar a realidade. 

Ela estende a visão até

Onde a poesia tece palavras com 

A angústia da busca por sentidos, 

Mesmo sem alcançar a sensatez da lógica.


Amo os loucos e os poetas.

Não tenho preferência por um ou por outro.

São uma forma de amor não correspondido:

Aquele que se espera de alguém 

Ou o amor próprio que não foi satisfeito. 

Precisando entender 

Que não se deixa de amar alguém,

Apenas se sublima

A incapacidade de cuidar da própria dor.


São os momentos de insanidade e de poesia

Que devolvem o direito de sorrir... 

E de sonhar!

Garimpa-se o tempo em que 

Éramos crianças amando outras crianças...

Foi assim nas amizades, nas paixões

E também quando vieram os filhos.

Buscávamos um estado de espírito 

Que permitisse alcançar e viver em paz.

Nossas ambições contemplavam

Quem ajudava a dar sentido às nossas vidas.


Anestesiados por excessos de sanidade,

Perde-se a noção do que é pura expectativa. 

Ao invés de brincar, sonhar e sorrir,

Corre-se atrás do sucesso, da fortuna e do poder...

É exatamente quando se sufoca

Qualquer uma delas

Que a poesia resiste, insiste

Em dar sentido à própria loucura…