domingo, 3 de janeiro de 2021

Vilas e vileiros, olarias e saudades…

Mesmo um texto que tentou entender a distribuição urbana e suas consequências para quem, especialmente, mora em certas regiões por longo tempo, não fica isento de despertar outras – e porque não dizer – boas lembranças. Mexe com o baú afetivo das pessoas, num encadeamento de sensações que mistura o que é lembrado com as marcas de quem esteve conosco, às vezes de forma tão tênue que a saudade é capaz de trazer a sensação de que, em momentos da vida, não alcançamos a plenitude das recordações ou o lembrado não é absolutamente fiel ao que se viveu…

Falar das olarias que existiam na vila Silveira renderam mensagens pelas redes sociais e também o encontro com antigos moradores nas ruas e o desejo de recontar (já que não se pode reviver) as situações passadas em família, na maior parte das vezes, como parte das nossas infâncias. Os moradores eram pobres, como se dizia então: alguns remediados, mas não se tinha a sensação de diferença de classe, porque ainda não estava presente um espírito consumista. A preocupação dos pais era pela sobrevivência e, de alguma forma, o objetivo era dar um rumo na vida dos filhos...

Um dos núcleos de apartamentos mais recentes da vila Silveira se chama Granada. Ao lado, corria uma vala que dava vazão às águas acumuladas pela chuva. Beirando este canal, se ia em direção a uma das olarias. No início da década de 60, já estava abandonada, sem nenhuma atividade comercial, mas restou a estrutura, ainda com moldes para a produção de telhas e tijolos. No entanto, o caminho que levava até lá tinha ao menos quatro moradias que lembro: do seu Jorge, seu Bernardo, seu Surdo (juro que até hoje não sei o seu nome real) e a dona Maria (a mãe do Zezeca).

Os moradores antigos não existem mais, mas muitos filhos e netos ainda se encontram na vila. Quem olha para o antigo lugar das moradias não vê nem sinal da vala, substituída por tubulações e as trilhas foram sendo fechadas pela construção de uma casa e, o resto, a natureza recuperou o seu destino original… Era a ladeira de uma barranca, tendo, à direita, um paredão criado pela retirada do material necessário para a produção. Ao invés de um “laguinho”, uma ampla área onde, mais tarde, uma empresa passou a depositar restos de pêssego, assim como, de casca de arroz.

A encosta servia para os menores fazerem um “tobogã”, utilizando as valas criadas pelas chuvas como lugar para se acomodar e descer, aos trancos e barrancos... e os maiores aventuravam-se pulando dos lugares mais altos, já se exibindo para as meninas que andavam na volta e recebendo a admiração dos piás. Sobravam roupas rasgadas, arranhões e contusões que precisavam ser curadas até o dia seguinte, assim como as mães colocarem algum remendo para que se voltasse com os mesmos trajes, para se retomar as brincadeiras e as exibições…

Alguém disse que o vileiro pode sair da vila, mas que a vila não sai do vileiro… Verdade, é parte de nossa história, sem necessidade de saber se foi bom ou ruim, certo ou errado. Pessoas alimentando sonhos e esperanças… tristezas e alegrias… desejos e decepções. Gente humilde buscando um rumo e perspectiva, o norte para a fé, um caminho para a esperança… direito de remexer na caixa de afetos, querendo, apenas, ser feliz… Risos e vozes que ecoam por causos e histórias e, quando o presente é difícil, onde se aconchegar para não se esquecer, nem sepultar o próprio passado…

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