Ainda do livro "Remendos e Arranjos".
O Mestre estava
encantado, quando se despediu do pessoal que trabalhava naquela casa que
acolhia crianças. O trabalho era tão intenso, o envolvimento tão evidente, as
pessoas tinham o maior interesse em atender bem aos visitantes, que a tarde
passara sem que notasse.
O caminho em direção ao
Mosteiro foi feito com o Mestre esbanjando comentários, até que percebeu que o
Aprendiz estava em absoluto silêncio. Mais que isto, deu-se conta de que o
pequeno menino permanecera assim durante toda a tarde.
- Pequeno menino, porque estás
tão silencioso?
Percorreram um trecho do
caminho sem que houvesse resposta. Parou no último declive da montanha, de onde
podia visualizar o vale e, por entre as árvores, o Mosteiro - destino de seu
retorno. Estendeu a mão para proteger os olhos do sol.
- É tão bom voltar para casa!
Voltando-se, viu que o
Aprendiz ficara para trás. Foi ao seu encontro.
- Diga, pequeno menino, o que
está te angustiando?
- Mestre, o senhor gostou do
que viu?
- Vi, onde, pequeno menino?
- Naquela casa de crianças.
- Claro. vi que as crianças
são bem tratadas, que as pessoas se preocupam com elas, que são alimentadas.
- Mas falta uma coisa, Mestre.
- Não diga, pequeno gênio, o
que falta na casa?
- Carinho, meu senhor.
- Como assim?
- Aquelas crianças são muito tristes.
- Como tu sabes disto?
- Basta olhar nos olhos de uma
criança para saber.
Pensou elencar uma série de
razões que sustentariam seus argumentos em contrário. Mas uma penca de
argumentos não seria suficiente para confrontar com aquela verdade que ele não
quisera ver: os olhos tristes das crianças denunciavam que lhes faltava
carinho.
- Elas sofrem com a ausência
dos pais e aquelas moças estão ali só para trabalhar. O senhor, por exemplo, em
nenhum momento tomou uma no seu colo, ou conversou com ela. Tudo o que ouviu,
ouviu do que as moças diziam!
Ele parecia profundamente
magoado. Embora o mestre ainda não se desse por vencido, fazia um exercício
para não retrucar e pensar no que o pequeno menino argumentava.
- Eu sei que sou criança. Mas
quando a mão de um pequenino tocou na minha eu senti que ele queria ir embora!
As lágrimas estavam em seu
rosto. Em pouco tempo era um pranto sentido, com um soluço triste.
- Pequeno garoto, pequeno
garoto. – Tomou-o em seus braços e começou a carregá-lo pelo caminho que levava
ao templo. Não havia o que dizer. Havia muito que pensar. Como era difícil
aceita uma lição com humildade! Desde que recebera esta dádiva dos deuses – que
era o seu pupilo – muitas vezes abrira a boca e a fechara, em seguida, para
pensar uma segunda vez nos argumentos que iria usar. Realmente, a vida era
diferente quando vista pelo olhar de uma criança. Muito diferente. E mais bela.
Apaixonantemente mais bela. Os soluços já haviam cessado. O embalo do caminho
quase o fizera dormir. Aconchegado nos braços do mestre, até mesmo um sorriso
já aparecia. Um sorriso que recompensava qualquer ingratidão que a vida tivesse
cometido. Um sorriso que mostrava um ser caminhando ao encontro do chamado.
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