Ainda do livro "Remendos e Arranjos"
Encontrei o pequeno garoto em
frente de uma janela. Olhava para a praça que havia do outro lado da rua. Perguntei:
- Pequeno menino, o que te
chamou a atenção na praça?
Levou algum tempo para
responder. Estava com as mãos postas embaixo da túnica e a única indicação que
tive foi que direcionou o olhar.
- Mestre, vê aquelas crianças?
Porque elas não têm as mesmas chances que a gente tem?
Voltou-se para mim. Havia
angústia. E uma tristeza silenciosa naquele olhar.
- Porquê? Deus não é Pai? E se
é Pai, como é que deixa que crianças fiquem abandonadas assim?
Segurei seus braços e o acolhi
contra meu corpo, direcionando, novamente, o seu olhar para a rua.
- Tu sabes que eu não tenho as
respostas que queres. Sabes também que posso te dizer um monte de coisas que
não são a verdade. Seriam apenas para te enrolar. Mas uma coisa, eu sei. Elas
não estão sozinhas. Deus é pai, é verdade, mas tem muito pai, pelo mundo, que
não soube ser pai à imagem e semelhança de Deus. E somente soube atirar mais um
filho no mundo. Aí não é só culpa de Deus. Mas de fazermos, com nossa
liberdade, as coisas erradas.
- Mas e por que as crianças é
que têm que sofrer com isto?
- Confesso que não sei. Eu
confio que elas têm o seu Anjo da Guarda. Alguns dias atrás ouvi de uma Mestra
que trabalha com crianças que vivem na rua, que eles mesmo se protegem,
partilham o que recebem, vigiam uns pelos outros.
- Mas eles estão indefesos,
nas ruas!
- Às vezes é o mal menor.
Estariam pior ainda em suas casas.
- Mas a situação não pode
mudar?
- Pode. E tu podes ajudar.
- Eu? De que jeito, Mestre?
- Tem muitos grupos
trabalhando, inclusive, com menores abandonados, até aqui no Mosteiro. Porque
não dedicas algum tempo para fazer isto?
- E o que é que eu faço?
- Um trabalho voluntário. Vais
começar a aprender que não basta a gente ver que tem coisas erradas. É preciso
ajudar a mudar.
- E o que a gente ganha com
isto?
Tive que sorrir. Já olhando
bem em seus olhos.
- A alegria de ver que ao
menos alguns meninos saem das ruas, são alimentados, recebem educação, porque
tu te importastes com ele.
- Isto é trabalho?
- Não, mas em muitos casos
pode ser um bom caminho para descobrires a tua vocação.
- De que jeito?
- Lembras que tens duas
orelhas e uma só boca. Então, aproveita e escuta bastante e fala pouco. Vais
notar que, mesmo estes meninos, têm muitas coisas para ensinar.
- O senhor deixaria?
- Com certeza.
Ganhei um abraço. Um beijo. E
saí dali com a certeza de que o pequeno Aprendiz acabara de encaminhar sua
vocação. Não estava mais no mundo das idéias para descobrir qual será o seu
caminho. Tinha já uma pequena estrada concreta para percorrer.
Afinal, será que não é isto
que Deus pede para construir o mundo? Que apenas iniciemos por uma pequena
estrada, que pode ir se ampliando quando respondemos ao seu chamado?
Bem que esta estrada poderia
ser uma alameda. Uma grande alameda de
acácias que pudesse levá-lo até o nascer do sol.
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