Do meu livro "Remendos e Arranjos"
Os primeiros pingos da chuva
começaram a marcar seu ritmo no telhado. Logo, pequenos filetes começaram a
rendar a cortina que esconderia o pátio. No primeiro trovão, o Aprendiz
encolheu-se e arregalou os olhos. No segundo, correu para os braços do Mestre,
que sentiu contra seu peito o pequeno coração pulsando assustado.
Esperou que ele se acalmasse e
perguntou:
- Você não quer tomar um banho
de chuva?
- Não, Mestre, eu tenho medo!
- Você tem medo da chuva?
- Não, Mestre, tenho medo do
trovão!
- E você sabe onde está o
trovão?
- Onde, Mestre?
- Muito, muito longe.
- E como é que o senhor sabe?
- Enquanto o raio não estiver
perto, o trovão também não estará.
- Mesmo assim, Mestre, eu
tenho medo.
- Mas você gosta do banho de
chuva?
Um sorriso maroto.
- Claro. Claro que gosto.
- Então vamos tomar um.
- O senhor vai comigo?
- Vou até a área. Tire a sua
capa. A roupa íntima será suficiente.
Despiu-se e segurou a mão do
Mestre como uma garra. Ao chegar à área, os primeiros pingos que refrescaram
seu corpo também iam libertando seu espírito do medo. Em poucos instantes,
brincava no pátio do Mosteiro, correndo de um lado para o outro, pulando nas
poças d’água, erguendo a cabeça e deixando a chuva massagear seu rosto,
esgueirando-se embaixo dos telhados.
Quando voltou para junto do
Mestre estava exausto. Mas feliz.
- Mestre, porque é que a gente
tem medo?
- O medo vem daquilo que não
conhecemos, ou que não conseguimos controlar. Quando sabemos o que é, já não há
porque ter medo.
- Então eu posso tomar outro
banho de chuva?
- Só quando você descobrir
porque se deve olhar nos olhos de uma criança.
- Mas eu sou criança, Mestre,
e não confio o suficiente no senhor?
- Como assim?
- Ora, se eu devo olhar nos
olhos de uma criança, o quê é que o senhor encontra quando olha nos meus?
Estava começando a ficar
difícil lidar com aquele aprendiz. Ele chegara num tempo em que não se limitava
ao óbvio e começava a percorrer o caminho do conhecimento. Sinal de tormenta no
horizonte. Mas que depois, em combinação com o sol deixasse surgir um arco-íris
novamente.
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