O telhado de uma das alas do Mosteiro foi parcialmente destruído por um ciclone. As constantes chuvas já tinham feito bastante estragos. A estrutura antiga era uma preocupação. Os trabalhadores estavam fazendo de tudo para se antecipar às tormentas comuns na estação que se aproximava. O Mestre resolveu subir até o local, num horário em que os pedreiros descansavam, e visitar as obras. Ficou ainda mais preocupado com a extensão do que era necessário ser feito.
Por sobre algumas estruturas que pareciam seguras, andou durante algum tempo, vendo o que julgou ser preciso fazer. Porém, foi num instante que se descuidou e resvalou na parte em que ainda não haviam recolocado as telhas. Sentiu que perdia o chão e em seguida, o vazio. E o silêncio...
Contaram que o Aprendiz foi o primeiro a
encontrá-lo. Quando chegaram, o pequeno estava sentado no chão com a cabeça do
seu Mestre no colo. Embalava o religioso desmaiado e chamava baixinho, repetidamente,
pelo seu nome. Tiveram muito trabalho em mover o corpo porque o menino ainda
não conseguia entender porque o seu amigo não respondia e não falava com ele!
Na enfermaria, deram-se conta de que não haviam recursos
suficientes para atendê-lo. Decidiram remover para o hospital da Vila. Ali, crianças
não podiam entrar. Foi com bastante dificuldade que contiveram o garoto em
casa. Com o passar dos dias, o Aprendiz ficava cada vez mais horas sentado à
porta da sala do Mestre. O Prior, preocupado, atravessou o pátio e foi sentar
ao seu lado. Para distrai-lo, perguntou:
- Pequeno Aprendiz, o que queres
ser quando crescer?
Levou algum tempo para responder:
- Quando eu crescer, vou cuidar
do Mestre... Ele sempre cuidou de mim!
A conversa não se alongou porque o menino não respondeu
mais.
O Mestre ficou emocionado quando chegaram as
notícias com a preocupação dos monges, aprendizes e da sua comunidade. Mas seus
olhos marejaram quando detalharam a reação do Aprendiz, nos últimos dias,
andando como um zumbi pelas dependências da casa e comendo muito pouco.
Passado quase um mês, ficou sabendo que teria alta.
Quando viu chegar o Monge enfermeiro teve a certeza: estava mais próximo de
voltar para casa. O religioso entrou no seu quarto devagar, como sempre andava,
com as mãos dentro das mangas do hábito. Mas foi quando uma pequena cabeça
apareceu por detrás do Monge que seu coração quase parou. Ali estava o Aprendiz.
Sério, ainda mais magro, com seu olhar intenso. Encostou o rosto no peito do
amigo e murmurou devagarinho, segurando as lágrimas:
- Eu vim te buscar. Não vou te deixar sozinho. Eu
vou cuidar de ti!
O Mestre fechou os olhos, ainda se sentindo cansado.
Sentiu a mãozinha apertar o seu ombro.
- Por favor não dorme. Senão não
me deixam te levar para casa!
Segurou a pequena mão, colocou-a de encontro ao
peito e sorriu. Finalmente encontrava alguém que cuidaria dele. Estava
envelhecendo e sempre tivera medo de que se tornasse alguém que dependesse dos
outros. Ficara o mais próximo possível dos monges que se tornaram idosos e depois
morreram, sempre tentando fazer com que se sentissem parte de todas as
atividades da casa.
Sempre ouvira o provérbio de que “não se aceita a
velhice se não for capaz de agradecer pelo caminho”. Que tempo restava? Não
sabia. Nem precisava. Ainda haviam vidas a regar na estrada. Ao se aproximar o
anoitecer, não teria medo do ocaso. Na despedida, queria estar tranquilo
sabendo que o legado do Ser Supremo tinha sido bem cuidado. Dera-lhe o caminho
e agora entendia que os filhos de coração eram anjos que voavam como pirilampos
e lhe davam o sentido do que é, realmente, viver em plenitude!
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