O Aprendiz voltou emburrado ao mosteiro. Tinha ido apanhar milho com o monge da dispensa. Era uma longa caminhada pelas trilhas, até chegar à lavoura, na encosta da montanha. De um lado a mata e, do outro, por sobre as árvores, a vastidão do horizonte. Quando estava ativo, brincava pelas trilhas, perseguindo borboletas ou se encantando com os pequenos animais que subiam pelos galhos. Nos dias em que estava mais contemplativo buscava os espaços acima das copas, onde podia ver um mar de nuvens.
O menino tinha seus humores. Naquele dia, em
especial, quedou-se encantado vendo a neblina que ocultava o vale e parecia
flutuar escondendo a parte baixa da estrada que chegava até o Mosteiro. Vinha
falando nisto há muito tempo e, neste dia, insistiu com o monge da dispensa de
que queria descer até onde pudesse tocar com as próprias mãos aquilo que,
sentia, estava ao seu alcance. Falara para seus companheiros que as nuvens
pareciam caminhos entre o céu e a terra, só que num lugar onde sempre havia
Sol...
De longe, o Mestre avistou os dois voltando e
percebeu que havia alguma coisa errada, porque o Aprendiz estava na frente sem
a preocupação de ajudar. As queixas vieram de ambos os lados. O monge da
dispensa dizendo que o pequeno não se prestava para nada e o pequeno dizendo
que o monge não sabia nem cuidar de uma criança... O Mestre analisou a
disposição de cada um deles e chegou a esboçar um sorriso, mas quando viu a
carranca do menino e o mau humor do monge decidiu que não era aconselhável
fazer qualquer pergunta.
Já sabia que nestas situações ao invés de tentar
explicar era melhor deixar que o travesseiro acalmasse os ânimos. No dia
seguinte, já mais calmo, o Aprendiz entrou na sala do Mestre e como um Pequeno
Príncipe que veio de um outro planeta e preocupou um aviador no meio do deserto,
não cumprimentou e saiu perguntando:
- Mestre, porque não se pode tocar nas nuvens?
O Mestre estivera bastante envolvido com as contas
do Mosteiro e a sua primeira resposta tendia a ser racional. Mas não saciaria a
sede do menino. Deixou seu espírito voltar ao que era da alma.
- Pequeno, alcançar as nuvens é como realizar
sonhos... acima ainda há um Céu infinito desafiando aqueles que estacionam seu olhar
nas nuvens que, mais cedo ou mais tarde, se dissipam.
- E porque não posso andar sobre as nuvens?
- Os antigos dizem que as nuvens são a casa dos
espíritos. Onde reside o Ser Supremo e todos aqueles que amamos. Quando as
nuvens estão baixas é quando sentem que estamos sentindo falta deles. Não
chegam até nós, mas ficam próximos, e as nuvens mostram que não estamos
sozinhos.
- Meus pais e meus irmãos estão lá?
Era sempre um momento difícil falar da família do
Aprendiz. Chegara ao Mosteiro deixado na porta e nunca descobriram alguém que
tivesse algum ligação com ele. Sequer sabiam se estavam vivos ou mortos.
- Isto eu não sei, pequeno menino, porque não
conhecemos tua família. Mas se o Ser Supremo já a chamou, nos dias escuros,
quando as nuvens parecem estar bem próximas, ele devem estar te acompanhando.
O Aprendiz já estava na porta quando se voltou e
perguntou:
- Mestre, amanhã, quando formos colher milho, o
senhor não quer ir comigo?
Era o típico convite cheio de segundas intenções. Sorriu
e fez de conta que o estava enxotando. Precisava, sim, deixar as dependências
do Mosteiro e andar pelos arredores. Também gostava de ver as nuvens na
encosta. Sempre tivera a impressão de que aquela imensidão que se estendia até
onde a vista não alcançava tinha a mão do Ser Supremo. Mostrando o quanto a
própria vida é mistério que, mais do que entendida, precisa ser apreciada e ressignificada
com “serezinhos” como o pequeno Aprendiz...
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