domingo, 30 de julho de 2023

Carrinho de rolimã: aventura com gosto de saudade

Recentemente, foi realizado na fronteira com o Uruguai um encontro de pessoas que tinham uma paixão em comum: andar em carrinhos de rolimã. Certamente, os mais novos não conhecem e é preciso explicar: para quem viveu a infância ainda no século passado, era um pedaço de tábua colocada sobre duas “barras” de madeira, suportadas pelas mais diversas enjambrações de rodados. Parei diante da televisão, vendo o produto das memórias, agora feito por pais (e mães) que desejavam ter um gostinho de passado.

Também apresentavam aos filhos um tipo de diversão que consumia muito tempo de preparativo, gasto em pregos, tombos e reprimendas. Mas, fazia parte. No entanto, os carrinhos de rolimã de agora são mais modernos: já com rodados em que se utilizam rolamentos de metal, freios, capacetes e apara vento. Também chamado de carrinho de lomba (hoje está na Wikipédia e é vendido pela internet), mudou de figura. Satisfaz as boas lembranças e parcerias de pais que, por muito tempo, brincaram em ladeiras.


No nosso caso, raramente se conseguiam os rolamentos, então, era preciso de criatividade e gastar pregos e a ponta dos dedos. As rodas de madeira não resistiam muito tempo. Descobrimos, então, que se podia garimpar pedaços de lata e encontrar um maior, ou um adulto, que cortasse e ajudasse a fazer a cobertura dos rodados. O fundo das casas - o pátio - era o lugar das oficinas. Quase todas as casas tinham um galpão e, nele, um armário onde o pai guardava seu material de pequenos serviços.

Junto com as ferramentas, havia um “tesouro”: uma caixa de pregos, que, com o martelo, viravam a ocupação de toda uma tarde, até que alguém gritasse: “a mãe tá chamando”. E como as sirenes que avisam o final do expediente, íamos ouvindo uma a uma gritar por seus filhos e tomarmos o rumo das casas. As aulas eram pela manhã e, à tarde, se voltava às lides. Uma sensação maravilhosa quando a “máquina” ficava pronta para chegar às ruas e podermos exibir que, agora, também estávamos “motorizados”.

Minha rua era de chão batido e tinha uma descida próximo de onde agora está o bairro Quartier, com um engenho desativado na baixada. Havia outra na avenida 25 de Julho, mas, por ser de muito movimento, não nos era permitido sair da vila. Então, nos revezávamos em puxar o carrinho, com “tração de moleque”, enquanto um de nós dirigia. Como “pra baixo todo o Santo ajuda” era uma festa! Descíamos até parar, no que se considerava em “alta velocidade”. Sem freio, um erro podia pôr tudo a perder...

A gente não se importava com joelhos e cotovelos esfolados, roupas sujas ou rasgadas, embora soubesse que a bronca viria. Não lembro de meninas participando. Fiquei feliz ao ver homens e mulheres revivendo suas memórias afetivas. Sozinhos ou com filhos e filhas, despertaram a curiosidade de um novo/velho brinquedo. Nos braços do pai ou da mãe, seus olhos brilhavam. Ficou o carinho da partilha de memórias e a adrenalina, que não se importa com a idade, em meio a uma aventura que deixa o gosto de saudade!

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Tomar o rumo do Infinito...

Eu queria um lugar para rezar.

Entrei na Tua Casa,

Recolhi-me a um cantinho, na penumbra.

Senti que me esperavas

E o quanto eu ansiei por encontrar Contigo,

Num lugar em que o silêncio é pleno de significados...

 

Em cada ser humano,

Há um sentimento de incompletude.

Procura-se por respostas.

A sensação de que estás aqui,

Mas não consigo te alcançar...

 

A busca parece sem sentido,

Às vezes me sinto desnorteado,

Eu preciso Te buscar

No que colocaste de mais íntimo em mim.

E toda a ocasião em que procuro por explicações,

Meus questionamentos me deixam mais distante...

 

Amar é oportunidade de amadurecer relacionamentos.

Também Contigo.

O tempo de busca

Não significa que se entenda tudo,

Mas que se aceita a mão que acalenta

O próprio destino!

 

Não estás no conjunto da obra,

Mas no detalhe que, todos os dias, fazem-Te presente.

Precisei da minha fé para não perder o Teu rumo

E fiz dos meus passos a Tua religião.

 

Bebi a minha confiança de pessoas

Que não tinham conhecimentos de Teologia,

Mas que partilhavam da Tua intimidade.

Na gratuidade de quem não pede,

Mas se entrega, se consagra.

 

Tu me seduziste antes da minha concepção.

O espírito que habita em mim

Precisava de um corpo para entender a saudade do Infinito,

Humanizou-se para que eu não perdesse o caminho da volta...

 

Eu chorei quando pensei que me deixaste sozinho.

Nunca te culpei pelos meus infortúnios,

Só queria entender as minhas perdas,

Meus momentos de fragilidade,

A minha própria solidão...

 

A Natureza é tua criação,

O lugar onde podes te manifestar,

Mas não és Tu!

Nunca vi Teus milagres,

Mas não preciso deles para crer.

 

Minha fé é a minha própria humanidade,

O melhor caminho para Te colocar na minha vida.

Num tempo em que é mais fácil Te negar,

Acreditar é um ato de insanidade,

A insanidade de quem ama.

 

Eu preciso Te buscar...

Para contemplar a beleza do que foge à razão,

Assumir a minha própria existência,

Uma das Tuas mais belas invenções.

 

Talvez eu não entenda as coisas do Alto,

Mas é a minha humanidade

Que faz um detalhe da Criação

Ter o significado de ser o meu sentido e razão:

Realizar o sonho de, um dia, encontrar Contigo...

O sonho de tomar o rumo do Infinito!

terça-feira, 25 de julho de 2023

A injustiça institucionalizada

Na semana passada, acompanhou-se a notícia de que um ministro do Supremo Tribunal Federal teria sido agredido, junto com seu filho, na Itália, onde estava para “palestra”. O chefe do executivo nacional novamente registrou seu descontentamento com o cardápio que é servido, especialmente nos banquetes oferecidos para autoridades estrangeiras. O Tribunal de Justiça do Estado (TJE) tornou pública a sua “necessidade” de atualizar os carros utilizados por suas autoridades máximas, na bagatela de, em torno, 350 mil reais.


A discussão que, parece, teve lance de agressão ao filho do ministro é das situações em que pessoas que erguem a voz, querendo ganhar no grito, perdem a razão. Vivemos esta situação há muito tempo, mas, agora, autoridades travestidas de indignação, querem tornar mais duras as penas contra quem as agride. Infelizmente, a proteção que é dada a elas é negada à população. A afronta a um servidor público, que não pode se diferenciar do seu patrão: o povo. Confirmando-se que “uns são mais iguais do que outros”.

O presidente da República tem reclamado da comida servida no Palácio Itamaraty, onde são recebidos os visitantes estrangeiros. Num dos seus rompantes, afirmou que briga com o Itamaraty, porque “tem dia que a comida não está boa”. O discurso para todo um país onde uma parcela da população sofre com carências alimentares é, no mínimo, falta de sensibilidade. “Sincericídio” é palavra utilizada para quem acha (como o presidente anterior) que pode dizer tudo o que quer e pensa, porque o “povo” gosta disto...

O TJE precisou explicar o inexplicável: vai gastar 1,79 milhões de reais (358 mil, a unidade) para comprar cinco carros que atendam seus dirigentes. A justificativa é mais difícil de entender: “são gastos com recursos do próprio poder”. Um poder que está dentro de um conjunto do Estado que tem grandes dificuldades de manter serviços elementares, exatamente pela falta de recursos. Os mesmos que o Judiciário julga-se no direito de gastar como lhe aprouver, sem qualquer prurido de consciência...

Em comum? O afastamento que as classes dirigentes arquitetaram, ao se enclausurar em distantes gabinetes e criando legislações que os beneficiam. Uma injustiça institucionalizada. A agilidade para o trato da causa pública somente acontece quando está em jogo os seus interesses. Embora se diga que se tem uma legislação que pode atender ao cidadão, criou-se uma teia de artimanhas jurídicas capazes de fazer processos mofarem em gavetas ou acelerar para quem pode pagar ou está próximo.

A justificativa é sempre de que tudo está dentro da lei. E é verdade. Mas não custa repetir: há muita coisa que é legal e, mesmo assim, continua sendo imoral. Infelizmente, perdeu-se a sensibilidade social e a capacidade de indignação. Quem defende privilégio com penas “exemplares”, ao ser agredido; reclama do cardápio em público; se dá o “direito” de gastar o que o povo não tem... São concursados, eleitos ou agregados, que se perpetuam no poder, constituindo-se em castas que se julgam acima do bem e do mal.

domingo, 23 de julho de 2023

As cacimbas e os poços d’água

Nos últimos tempos, em termos de clima, fomos dos “8 aos 800” num piscar de olhos. Situação como a de Bagé, a mais difícil, mas também do abastecimento de água em Pelotas, tem sido problema, em especial quando grande parte da população se concentra no meio urbano. Da estiagem com racionamento ao ciclone e acompanhantes - as cheias dos rios - foi um estalar de dedos para demonstrar o quanto a Natureza é “imprevisível” quando se despreza os sinais que dá e as medidas preventivas são apenas promessas.

Sou ainda do tempo em que se usavam cacimbas e poços como reservatórios de água. Não creio que as pessoas fossem mais previdentes, mas era menos gente, com hábitos diferenciados de consumo. Banhos, por exemplo, eram em menor número. As cacimbas eram poços mais superficiais, escavados, normalmente, de forma manual, para uso doméstico, sempre na proximidade das casas. Os poços usam equipamentos capazes de fazer perfurações mais profundas, alcançando águas mais internas na Terra.


Ao chegarmos em Pelotas, 1959, lembro de duas cacimbas que já não eram exclusivas, mas auxiliavam no caso de falta. Uma ficava na “chácara dos portugueses”, em frente da minha casa, portanto, particular, necessitando da autorização para uso. A outra, ao lado do atual condomínio Granada, que, então, tinha uma sanga. A rede de distribuição era precária. Ainda não existiam recipientes plástico, como hoje, de diversos tamanhos. Então, para nós, crianças, era uma festa juntar baldes, chaleiras, garrafas e ajudar.

Nas casas, os canos que traziam a água da rua passavam para os pátios, onde era instalada uma torneira que atendia a todas as necessidades. Dali saia água para cozinha, banho, banheiro... Alguns ainda vão lembrar dos banhos de “canequinha” ... Por algum tempo, havia resquícios de bebedouros na av. 25 de Julho, que era parte do Corredor das Tropas. Tanques, com uma torneira, que enchiam para saciar a sede dos animais, levados para os abatedouros. Viravam notícia e aglomeração quando apareciam.

Como vim de Canguçu com 4 anos, não lembro de cacimbas no lugar onde moramos. Ao voltar para visita, admirava a da minha avó e da tia Ester, próxima das casas, passando por lavouras e penetrando num mato fechado, sendo que, ao redor do poço, mantinha umidade e o ambiente propício para os cuidados que tinha com as samambaias e avencas. Além de ser um lugar refrescante, também com outras plantas, era onde me encantava com a presença e a diversidade de pássaros da região da Costa do Sapato.

Na passagem do ciclone pela costa gaúcho, quando deu “preferência” para Rio Grande e Pelotas, parece que o setor público foi pego “de calças na mão”. A grita dos usuários pela luz tinha, implícito, um outro grande problema: a falta de água, que faz parte do dia a dia de forma tão natural que nem se percebe a importância. Que bom que se evoluiu para ter estes serviços em casa. Que pena que embora se pague caro ainda se precise mendigar pelo elementar: que não falte e cumpra o papel de ser um serviço público.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

O doce acalento da Primavera


Cada parte do meu corpo antecipa a despedida do Inverno. 

Estendo o olhar para além dos dias frios e úmidos: 

Há sementes que foram colocadas em regos no chão, 

Assim como as que fazem seu ciclo natural. 

Ambas, em seguida, começam a se espreguiçar. 

Quando se sentirem prontas, emergem do leito da Terra, 

Brincando ao escolher cores, formas e perfumes... 

 

O sentimento de que o mau tempo não dura para sempre 

Estimula as sensações,  

Afia o desejo de levantar o rosto  

Para o sol ou para a chuva. 

Na roseira, o broto faz a metamorfose da flor, 

Cumprindo o ritual para chegar à fugaz plenitude. 

 

O tempo dos novos perfumes 

Já se vislumbra no horizonte. 

Com a perspectiva de que o cheiro da grama 

Exale dos primeiros pingos, 

Que se transformam em bênçãos dos Céus. 

As abelhas são as fiadoras da mãe Natureza, 

Assegurando que seu toque de carinho 

Transborde a fertilidade e a continuação da vida. 

Testemunha-se frágeis galhos de flores e ramos  

Que se infiltram por pisos quebrados,  

Rachaduras no asfalto,  

Grades que se sobrepõem aos muros. 

O Inverno é tempo de espera, 

Oportunidade de preparar corpo, mente e alma... 

 

Dê-se ao direito de mudar. 

Esfregue as mãos e 

Esqueça a irritação com o nevoeiro à sua frente.  

No horizonte já vai aparecer uma nesga de sol, 

Tímida, como todos os sentimentos  

Que fazem bem e não têm pressa. 

Quando penetrar pelas janelas do teu corpo, 

Chegar em cada fibra do teu ser, 

Vai aquecer cada uma das sensações 

Que, em ti, anseiam pela nova estação... 

 

Então, é tempo de perder a vergonha. 

Sim, perder a vergonha: 

Dance, eleva as tuas mãos para o alto... 

Primaverar-se é o despertar 

Dos sentidos e dos sentimentos. 

O doce acalento da Primavera,  

A energia que somente tu podes compartilhar: 

A vida que se renova e transborda pelo teu sorriso!