Inezita. Este é o nome que vou dar para a senhora que, no fim da conversa com grupo da terceira idade, resolveu me contar um pouco da sua história. Tinha tempo e a sala havia ficado quase vazia. Não parecia chorar as mágoas, mas das dezenas, centenas, milhares de idosas e idosos que apenas pedem um momento de atenção. Dispor de um ouvido e de um olhar amigo que seja receptivo, gaste um tempo, permita que extravasem o que, na maior parte das vezes, fica recluso na vida de um apartamento ou de uma casa.
Dona Inezita é viúva. Para os padrões de hoje, seu marido morreu cedo. A família brincava que ele era exemplo de “velhinho turbinado”. Com pouco mais de 80 anos, um câncer o alcançou e partiu em menos de nove meses. Conta que, do seu jeito, haviam sido felizes. Tiveram dois filhos. Um ainda mora na mesma cidade e frequenta a sua casa aos sábados e domingos. Durante a semana, quase sempre arruma uma desculpa para vê-la. A passadinha que a faz ficar durante um bom tempo espiando pela janela...
O outro trabalha fora do estado. Professor, volta
algumas vezes no ano. Junto com a nora e a neta, ficam na sua casa. É meio
apertadinho, mas sempre dão um jeito de se acomodar, seja no frio do inverno,
quando eles sentem mais e praticamente não saem de dentro da morada, ou em
temperaturas mais quentes quando encontram uma desculpa para ficarem em
família. Disse que valeu a pena cada um dos sacrifícios para bancar os estudos
dos dois. E hoje se orgulha de ter filhos formados e com famílias constituídas.
Seu lugar de responsabilidade era a parte interna da
morada; na garagem, reinava o marido, em especial depois da aposentadoria. E acostumaram
os filhos a cuidarem de seus quartos. O espaço da família sempre foi a casa,
como um todo. Brincou que eram afetivos, sem serem grudentos. As
responsabilidades eram repartidas: o cuidado do jardim, da horta, dos
cachorros, lavar a louça e limpar a casa. Inclusive quando chegaram as
namoradas, que estranhavam serem escaladas para auxiliar a lavar a louça com os
seu respectivos...
A garagem também era oficina. Com paciência, o pai
ajudava a consertarem bicicletas, patinetes, motociclos e pequenos serviços
para o lar. Assim como os quartos, que eram espaços preservados para os
momentos de intimidade. Até hoje, garagem e quartos continuam da mesma forma,
tanto assim que ambos querem ficar nos mesmos locais da infância e
adolescência. Automaticamente, procuram a garagem para consertar coisas para os
filhos. Ali receberam as namoradas... e, por bom tempo, ninaram seus netos.
Recebi um abraço quando nos
encontramos. Não resisti e pedi outro. Não creio que ela precisasse. Eu, sim.
Dona Inezita sabe que, aos 85 anos, o que um dia começou, agora está mais
próximo do fim. Não se arrepende, não acha a casa grande: do tamanho que a vida
lhe deu em momentos de felicidade. Ainda há vozes presentes em sua memória em
busca de recantos perdidos. O que já não tem mais, as lembranças auxiliam a
ficar de bem com o tempo que passou. A doce senhora que andava devagar em
direção à porta é alguém que se apaixonou pela vida... E foi grata por tudo o
que ela lhe deu!