sexta-feira, 31 de março de 2023

O tempo da própria palavra

Devolve a palavra que roubaste da minha boca.

Não foram tuas mão que afanaram

O que eu desejava dizer.

A melancolia dos teus olhos

Sequestraram os sons

E asfixiaram o meu peito.

 

Tua dor clamava o quanto

Necessitavas libertar o medo

Que te sufocava.

No silêncio, desejavas me preservar,

Guardar para ti aquilo que

Já era um grito arfante,

Manifestado no rictos que desfigurava teu rosto....

Não conseguias compartilhar o que sentias

E tornavas reféns os meus sentimentos. 

 

Teu "diálogo" prescindia das minhas palavras.

Virou monólogo, esquecido de que

Amar é verbo transitivo:

Na dor e no prazer,

Na presença e na ausência,

No afago e na saudade...

 

As palavras fazem eco aos pensamentos,

Que precisam se diluir nos sentidos

Para desabrocharem em significados.

Meu silêncio reivindicava o desejo de que

O balbucio que escorreu por meus lábios

Não se perdesse com os muitos sons

Que o queriam abafar,

O burburinho de outras palavras

Que me afastavam de ti.

 

A espera que havia silenciado

No olhar que se alonga e não consegue

Ultrapassar o momento presente.

Conforma-se, descobrindo

Que a essência não está no que foi dito,

Nos sons articulados,

Mas nas omissões, nos silêncios,

No que se guardou.



No desejo angustiado do reencontro,

Na certeza de que ainda existe algo

Que não se alcança

Sem fechar os olhos e descobrir que

O espírito precisa vagar por outras paragens,

Até que encontre o tempo da própria palavra...

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