Ainda era muito criança, no interior de Canguçu, quando ouvi falar pela primeira vez da roda dos expostos. Não sei porque, mas sempre tinha a impressão de que também era chamada de roda da esperança. Mas, vamos lá. Uma tia mais velha retornou de Pelotas, que era uma viagem longa, quem sabe como voltar do Rio de Janeiro, hoje, e, entre todas as suas aventuras, havia visitado um parente internado na Santa Casa. Curiosa, quis saber o que era o mecanismo giratório e oco encravado na parede lateral do prédio.
Recebeu com surpresa - para ela e para nós - que ali
eram deixadas as crianças ditas enjeitadas. Não deu outra, como as histórias
sempre se adaptam ao universo de cada ouvinte e quem “conta um conto aumenta um
ponto”, passamos a sofrer ameaças do tipo: “se não te comportares, quando a tia
fulana for a Pelotas ela vai te colocar na roda” ... Ou, quando alguém começava
a incomodar: que não era seu filho e que somente pegara para criar quando
ninguém mais queria uma criança desobediente...
Muitas histórias foram construídas com esta referência, presente na sociedade até o início do século passado. Era um grande número de registros daqueles e daquelas que as famílias não tinham condições de criar por situações financeiras; “um mau passo”, quando nascera antes do casamento ou de um caso extraconjugal; também filho de escravos recém libertos. A Santa Casa de Porto Alegre, que foi pauta de uma matéria para o jornal Zero Hora a respeito, contabilizou mais de 3 mil crianças nesta situação.
O registro em bilhetes que acompanhavam o pequeno
fardo, muitas vezes colocados em cestos ou apenas enrolados em panos, dá a
dimensão do drama vivido pelas mães que colocavam a criança na roda e tocavam
um sino que era ouvido na portaria da instituição hospitalar. Recolhidos sem
maiores explicações, recebiam o atendimento de irmãs religiosas que tinham ao
seu encargo providenciar abrigo e alimentação. O anonimato era mantido e
começava o esforço para pensar no futuro daquela criança.
Durante muito tempo, a própria Santa Casa recebia
apoio dos governos para conseguir famílias que os criassem até uma certa idade.
Começava, então, uma saga em busca de lares que os quisessem adotar. Não sendo viável,
os meninos eram encaminhados para o Arsenal da Guerra, a fim de aprender um
ofício, enquanto as meninas iam para o orfanato, onde permaneciam até os 18
anos. Com esta idade, eram encaminhadas como serviçais em casas de famílias ou
para casar, recebendo um dote do próprio hospital.
Em 1940, o costume trazido por portugueses foi
extinto. A roda dos expostos poderia ter sido chamada de “roda dos enjeitados”,
mas, também, de “roda da esperança”. Pensei no Instituto de Menores e outras
entidades que acolhem crianças em situação de risco. Atendidos por católicos,
evangélicos, espíritas, sem credo, instituições que procuram ser um diferencial
na vida da criança. Ainda se precisa aprender que uma sociedade que não
respeita suas crianças sufoca a semente do seu próprio futuro.
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