Esperançar… O pior havia passado. Seu marido pegou a covid e enfrentou uma luta maiúscula para sobreviver. Resistiu, mas do homem forte, disposto e ativo, restou muito pouco. Seus pulmões estavam comprometidos… assistiam televisão e, no sofá, teve dificuldades em alcançar o copo. Suas mãos se encontraram quando pensou em ajudar. Durante um instante, precisou parar e descansar deste que, em outros tempos, não seria nenhum esforço. O tratamento seria longo e difícil, é necessário reaprender com exercícios básicos de respiração e cuidados com a saúde.
Esperançar… Já não tinham outra saída. Precisavam voltar para a casa dos pais. O casal perdeu seus empregos e aumentaram as dificuldades. Tiveram a luz cortada, o mesmo aconteceria com a água, e o aluguel foi atrasado. Ficaram com os bicos que não seriam suficientes. No quarto de solteiro tiveram que se acomodar, junto com o filho, de quatro anos. O menino não entendia e, à noite, achava um lugarzinho em meio aos dois com seus brinquedos. Antes de dormir, murmurava: “quero voltar pra minha casinha...” Precisavam conter as lágrimas, respirar fundo e, por ele, tocar a vida...
Esperançar… O Bruno levantou os 100 jurados no programa “Canta Comigo Teen”. Ao falar do seu gosto pela música, quase parodiou o filme “A vida é uma festa” ao contar que, morando com a avó que tinha Alzheimer, encontrou um jeito de fazer com que o reconhecesse ao cantar para ela. De alguma forma, os acordes das melodias penetravam em lugares escondidos da memória da velha senhora e a traziam, por alguns instantes, à realidade. Tempo suficiente para receber o amor incondicional do neto. O toque mágico de lembranças que fazem uma ponte com o seu presente...
Esperançar… O menino levantou os olhos da prova e perdeu-se contemplando pela janela. O professor não quis chamar a atenção. Era um dos “órfãos da covid”. Os pais morreram durante a pandemia, o mesmo caso de, ao menos, outros dois na mesma sala. A luta por recuperar conteúdos somente era menor do que a necessidade de buscar arrimos afetivos para adolescentes que perderam familiares tão cedo. Nenhum deles falava a respeito. Haviam mudado o comportamento, tornando-se silenciosos e “na deles”. Se o processo de educar já era difícil, agora tornava-se um desafio...
Em 2022, esperançar é a chave que troca um substantivo pela conjugação de um verbo. Em especial se for declinado na primeira pessoa do plural: “nós esperançamos!” A acusação aos que acreditam na Utopia é de que não percebem a crueza da vida. Para “esperançar”, preciso acreditar que o sonho é possível... A doença de alguém que se ama, o lugar para se chamar de seu, a canção que resgata do silêncio, as lições que doem no aprendizado... colocam cada um numa encruzilhada: viver um novo ano apenas como mais um fardo, ou gastar um derradeiro suspiro para reacender a chama da vida!