domingo, 7 de novembro de 2021

O caminho depois do luto e da orfandade

Com o avanço do processo de vacinação já se consegue ter uma ideia do que será o pós-pandemia. Mesmo que cientistas e pesquisadores ponderem que, graças ao desiquilíbrio causado pelo abuso com a Natureza, novos problemas semelhantes podem acontecer, em espaço de tempo menor. Recentemente, passamos pelo dia de Finados, 2 de novembro, quando se reverenciaram os mortos. Ocasião para se falar a respeito do luto e de todas as facetas que possui a perda de um ente querido, no que é um sentimento pessoal, que precisa de consciência, resiliência e ressignificar a vida.

Mas não é somente o luto, em si. Têm-se outras consequências, como, por exemplo, a orfandade, que pode ser entendida literalmente: perda dos pais, ou de um deles; também de forma figurada: um amigo, vizinho, companheiro de trabalho, de estudos… Passou a ser “normal” acompanhar as estatísticas mostrando centenas de vítimas e, quando a morte era próxima, deixando a sensação de que se poderia ser a próxima vítima. Muitos grupos foram desfeitos (familiares, de relações afetivas e sociais) pela ausência definitiva, mas também pelo afastamento temporário e o receio do retorno.

A pandemia ainda causa efeitos colaterais, que serão sentidos nos próximos anos, em especial, no que se refere aos pulmões, coração e células cerebrais. Vive-se num tempo em que ainda é preciso procurar pelos corpos com vida em meio ao campo de batalha. Mas virá o momento em que passado (mas não superado) o pior, é preciso tratar as feridas do corpo e da alma. A “cura” do coronavírus ainda é etapa em observação para se fazer um diagnóstico adequado da situação. É comum que as pessoas passem um tempo e apresentem problemas respiratórios ou, até mesmo, de memória.

Há uma sofreguidão em deixar os “abrigos” que protegeram durante este período, ainda que não tenha sido por ação de todos. A persistência de quem usou (e usa) da máscara, do álcool gel, do distanciamento social, mostrou-se fundamental para que se vislumbre uma luz no fim do túnel. Quando alguns raios começaram a passar pelas frestas das janelas e das portas, a tendência foi de se escancarar tudo e sair para a rua, em busca de um ar menos saturado. Este tem sido um caminho perigoso, tomado sob pressão por países mais avançados, que acabaram retrocedendo.

A arrogância de que “tudo se pode” ou de que “não vai acontecer comigo” levou muita gente para os hospitais e as tristes e temidas entubações. Dos que conseguiram retornar com vida, encontrou-se aqueles que tiveram a humildade de voltar atrás e reconhecer o furor do vírus e o desespero de quem recebeu uma quase sentença de morte. Mas ainda restaram pequenos grupos negacionistas que preferiram politizar a luta contra o coronavírus para defender seus políticos de estimação ou pretensos direitos individuais, que tentavam se sobrepor aos interesses da coletividade.

Cem anos depois da Gripe Espanhola, aprendem-se velhas e surradas lições: é fundamental cada um cuidar de si, sem esquecer de quem está à volta. Sendo assim, para religiões, psicologia, assistência social, não é suficiente tratar o luto se, depois, não se alcançar a perspectiva de que a vida continua. E de que, mais do que viver e resolver o momento da dor, é preciso alimentar a esperança. Abrir todas as frestas por onde a luz possa entrar e tratar da perspectiva do caminho… afinal, como diz o poeta espanhol Antônio Machado, “caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar!”

Nenhum comentário: