Outra lembrança agradável me veio quando ouvia algo sobre “discernir os sinais dos tempos”, a partir da expressão “quando caem as folhas da figueira”. Confesso que não sei quando caem as folhas da figueira. Mas é das frutas pela qual tenho muito apreço. Casal de amigos, dona Filipina e seu Henrique, tinham açougue, na saída da Vila Silveira. Nos fundos, uma antiga figueira. Sendo eu um “protegido” da dona Filipina, reservava para mim, quando estava em férias do Seminário, o direito de usufruir da abundância de frutos que, maduros, chegam a se desmanchar na boca…
Os mesmos figos que, no fim do ano, faziam as safras dos fabricantes de compotas. Não sei bem a ordem, mas recordo que, depois da colheita, até o fim da década de 1970, muitas mulheres de todas as idades dos bairros e vilas conseguiam seu pé-de-meia trabalhando na industrialização das frutas. Havia a safra do abacaxi, morando, pêssego e figo, que eu lembre. A mais forte era do pêssego, de dezembro a janeiro, quando senhoras com tapa pós brancos saiam de casa na madrugada para voltar tarde da noite. O dinheiro reforçava o orçamento familiar e valia o direito à carteira assinada.
As mesmas vizinhas que, antes de irem para as fábricas, organizavam os pátios, com pequenos jardins, onde se multiplicavam as dálias, copos de leite, brincos de princesa e tantas outras que faziam companhia para o jasmim e a dama da noite. As frentes eram protegidas pelas cercas de arame, com pequenos portões que impediam a passagem de animais. Lugares onde se esmeravam para melhorar a aparência das casas, sempre humildes e discretas. Como cantaria o Chico Buarque: “são casas simples, com cadeiras na calçada e na fachada escrito em cima que é um lar...”
No nosso pátio já se teve muitas árvores, inclusive uma figueira. Porém, as mudanças se fizeram para acomodar uma piscina e espaços para meus pais poderem, na sua velhice, ter lugares seguros para caminhar. O pai gostava de plantar árvores, sempre duas próximas, que suprimi, substituindo por arbustos floridos. Ainda se tem uma laranjeira, limoeiro, caqui e um pé de romã. Mas não sou muito de árvores frutíferas. Conservo pelas sombras que dão aos fundos do terreno, especialmente em dias de verão, quando convidam para colocar uma cadeira de praia e os pés na grama…
Os tempos são outros: o jasmim e o figo têm gosto de belas memórias. Hoje, pela manhã, quando saio para o pátio, o perfume faz parar e vem acompanhado de boas lembranças e os eco das vozes que chegam da Eternidade. Da fruta, o carinho da dona Filipina e da dona Rita, que preparava o figo em calda. Ou das últimas frutas que existiram em meio ao arvoredo e que meus pais recolhiam e guardavam para os netos… Colocar um destes frutos na boca guarda toda uma história que se mistura com os cheiros de primavera, inebria os sentidos e torna menos dolorosa a própria saudade!
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