quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Sensação

Dona Braulina, Hélio, Janete, Santos, Iolanda, Paulo. Nomes desconhecidos para a maior parte das pessoas, mas personagens que fazem parte do universo da Vila Silveira, que encontro na minha primeira caminhada das 10 horas. Os personagens podem variar, o caminho é sempre o mesmo, como também é a mesma sensação: acolhida, respeito, consideração.
Moramos na Vila Silveira há 56 anos. A sua "evolução" fez dela um conjunto de condomínios. No entanto, a parte central da vila se conservou com praticamente os mesmos moradores, mantendo hábitos semelhantes, mas usufruindo de bem mais serviços... e bem mais problemas.
Toda a vez que me incomodo com barulho, descaso de motoristas, má educação de quem não respeita o silêncio da noite, lembro que, embora não sendo impossível, teria que refazer os laços que tenho por aqui se quiser reconstruir relações em outro lugar.
O vileiro é conservador. Gosta de manter aquilo que tem, sem se meter muito na vida dos outros, mas com a preocupação (e não é só por fofoca, não)de saber de seus vizinhos.
Compramos comida ao meio-dia da Gilse e da Léka. Já é hábito chegar próximo às 12 horas, bater um papo e retornar para casa. Mas, no meio do caminho tem a Helena. Uma vizinha da Gilse, que teve um AVC, bom papo, torcedora do Pelotas e que mostra preocupação dizendo: "tu não veio ontem"!
A Beatriz (Pininha) disse que o "vileiro pode sair da vila, mas a vila não sai do vileiro". Creio que a expressão é bem mais ampla. Não é somente a questão do espaço físico da vila. Mas o seu significado na história de cada um. A Iolanda disse que saiu da vila, por questões de proximidade com o trabalho e que agora está de volta. E não se arrepende. Não creio que deva se arrepender, nem de ter ido, nem de ter voltado. Cumpriu um ciclo, é bom viver bem o novo que está atravessando.
Ficar ou sair da vila vai depender do quanto os laços criados ao longo do tempo que ali permanecemos estabeleceram raízes. Não que estas pessoas sejam aquelas que um dia, na necessidade, irão cuidar de nós. Necessariamente, a coisa não funciona assim. Mas sabemos de sua preocupação, da sua atenção. Uma pequena caminhada nos dá a sensação de pertença. É aqui o meu lugar. Com todos os seus problemas, com todas as suas perdas, a vila ainda nos dá momentos de alegrias, sorrisos e espaço para energizar nossas outras caminhadas.

Liberdade poética: um coqueiro semelhante ao da foto existia no meio da rua, quase entre a casa da dona Braulina/Neida e dona Gisela, lugar de brincadeira para as crianças. E ponto de assombração num tempo em que não havia energia elétrica instalada.

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