Na medida em que os restauradores das antigas igrejas, especialmente dos centros históricos de Minas Gerais, avançam em seus trabalhos, defrontam-se com um fenômeno: entre os blocos de pedras das igrejas Católicas, no meio da massa que as une, vão encontrando pequenas imagens das divindades que os negros trouxeram de seu continente.
É a comprovação de que, embora estivessem no templo de seus senhores, reverenciando as divindades dos brancos, não deixava de haver um pouco da religião de seus Orixás, que foram obrigados a deixar, por bem ou por mal.
O fenômeno em que os negros travestem santos de origem Católica - Nossa Senhora de Navegantes, por exemplo, por Iemanjá - é um esforço forte e quase no limite de suas forças, de não negarem as suas origens, de onde foram arrancados à força, transformados em mera massa de trabalho, onde a possível "conversão" era mais um elemento que ajudava a torná-los subservientes.
Este "engano" genial, lembra, de passagem, um outro que também julgo de um humor excepcional: contam que hoje, com as novas iluminações e a capacidade de acesso das lentes fotográficas (além do restauro arquitetônico), leva a que se veja em maiores detalhes as imagens que estavam em lugares onde se vislumbrava a forma, mas não os detalhes. Então era comum que artistas pintassem ou esculpissem seus mecenas - bispos, papas, reis - com o jeito com que se relacionavam: bem tratados, nas feições de anjos; explorados, nos traços de demônios e figuras malignas.
Mas voltando ao sincretismo, ele hoje é presente entre os negros, mas também entre populações que foram mantidas às margens da educação e da cultura. Condená-los ou tentar esclarecê-los é, quase sempre, um esforço inútil. Quando se aproximam das igrejas cristãs, vêm em busca do sagrado, dando uma lição de humildade que muitos de nós, pretensamente religiosos, não aprendemos em muitas e muitas horas de estudos onde sobra a teoria, mas falta a vivência do dia a dia.
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