Seu Armando perambula pelas ruas durante a manhã. Na casa, onde vive com o filho, esposa e netos, não encontra sossego. Depois que o filho sai para o trabalho, começam os problemas. Para “cuidar” da casa, a mulher faz com que se desloque diversas vezes, utilizando, como expressão mais carinhosa, a pecha de “velho inútil”. Acaba na praça onde dá um descanso para o espírito. Não quer incomodar. Prefere silenciar quando está em casa, em família. Tem medo de que, se irritá-los, o coloquem num “asilo”.
Especialistas dizem que o caso do seu Armando não é
isolado. Em tempos de pandemia, muitos foram negligenciados em detrimento do
núcleo mais próximo; passaram a sofrer de algum tipo de demência ou perda de
memória, tipo um apagão “conveniente” para não causarem mais problemas para os
outros; recolheram-se ao isolamento, inclusive com claros sinais de depressão
e, o que é mais triste, acentuou-se o receio de que os ataques com palavras,
como as repreensões, se transformem em agressão física.
O problema maior não é a violência que acontece nas
ruas, mas aquela que se dá dentro de casa, especialmente nas áreas psicológica
e financeira. Alguns são de expressão verbal, como no caso, mas outros são mais
sofisticados, numa tortura que visa provocar desconforto com a sua presença
através do menosprezo, desprezo, preconceito e discriminação. Num tempo em que,
em muitos casos, a necessidade de carinho aumenta, são palavras duras que
conseguem aterrorizar, humilhar e restringir a liberdade.
A constatação de que já possuem renda fixa é um
chamariz para pessoas interesseiras, inclusive membros da família, quando
passam a ser responsáveis por suas contas com o intuito de explorá-los. O leque
se amplia quando há a apropriação ilícita de patrimônio por aqueles que são
próximos, mas também por “profissionais” e instituições. Existe uma autêntica
indústria da “aposentadoria” com informações de dados pessoais, que deveriam
ser sigilosas, sendo vazadas, e começa uma autêntica caça aos aposentados.
Em junho, no dia 15, a Assembleia Geral das Nações
Unidas alertou para o Dia Mundial da Conscientização da Violência Contra a
Pessoa Idosa. A pandemia confinou pessoas em suas casas e exacerbou muitos dos
problemas sociais, como a violência doméstica, onde se inclui o idoso. Considerado
assunto privado das famílias ganha evidência assim como a violência contra a
mulher e a criança. Que somente não se tem a sua total dimensão porque o medo
ainda impede que se animem a fazer qualquer denúncia.
Para que envelheçam com dignidade, há dois elementos:
um é de polícia. Quem usa algum tipo de violência com idoso não pode ser
tratado como “cuidador e responsável”, mas agressor, sujeito às penas legais. A
outra é social: problemas econômicos distorcem valores, especialmente para quem
se equilibra na busca pela sobrevivência. Quando se veem idosos bem tratados em
grupos familiares se tem noção do que perde seu Armando andando pela rua, carente
do elementar: o direito de terminar a vida em paz...
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