domingo, 10 de julho de 2022

A bicicleta branca da saudade

A bicicleta sempre fez parte da minha vida. Aprendi a pedalar pelas calçadas da minha rua da forma mais difícil. Tempos antigos, bicicletas de ferro, andando com uma perna por dentro do quadro e, o que pode parecer temerário – e para nós era uma aventura – não sabia travar, precisando diminuir a velocidade e, num lugar mais macio, jogar-se ao chão. Como se dizia: depois que se pegava o jeito, “zuníamos” pelo espaço entre a valeta e a cerca, tendo como resultado, no fim do dia, arranhões e as roupas sujas.

Claro que os tempos são outros, com bicicletas tendo mais recursos e sendo mais leves. Mas, afora quando passam os trabalhadores e estudantes, em horários de pico, ainda é uma algazarra de pequenos grupos que fazem seu alarido no final das tardes ou aos domingos. Como nos velhos tempos, tem o exibidinho que quer levantar a roda da frente; o preguiçoso que segura no bagageiro para não precisar pedalar; o “mocinho” que fica para trás flertando com uma das meninas que acompanha a turma.

Foi com agradável surpresa que voltei a encontrar o que, pensei, havia perdido na minha infância: a possibilidade de que a bicicleta ficasse encostada ao lado da casa, muitas vezes jogada ali, na pressa, já pensando nas brincadeiras em que se ia participar. Hoje, andando pelos passeios de alguns condomínios de casas populares se encontram as bicicletas, bolas e outros brinquedos sobre o gramado, em frente das residências, certos de que os seus donos já partiram para outras atividades e ficarão, ali, a esperá-los.  

No início da manhã e no final da tarde, há uma procissão de bicicletas de quem a usa para se deslocar ao serviço ou à escola. É diferente da passagem da gurizada. São pessoas de mais idade, num ritmo constante, preocupadas com horários e suas responsabilidades. Não creio que pensem nos benefícios físicos, para a saúde, que advém desta prática. O fator que influencia é outro: a possibilidade de economizar no preço da passagem de ônibus, que acaba pesando no orçamento no final do mês.

Também, ao longo do dia, passam ciclistas que fazem seus trajetos pelo prazer de pedalar e em busca de aperfeiçoamento físico. Os desportistas, normalmente, em boas e caras bicicletas, com roupas adequadas, usufruindo dos novos espaços onde podem fazer seus exercícios em segurança. No entanto, também passam casais ou até famílias que passeiam em grupo, com crianças menores em bicicletas também menores, quando não consigo deixar de pensar que, cansadas, naquela noite, vão dormir como um anjo...

Na última semana, chamou a atenção a bicicleta branca estacionada junto a uma árvore, na entrada da minha rua. Cestinho e bagageiro são, agora, o lugar onde as pessoas colocam flores. Um “monumento” à lembrança da dona que sofreu acidente e perdeu a vida no cruzamento. Lugar difícil de se atravessar, já que o interior das vilas há muito tempo espera ser contemplado com ciclofaixas. O sinal que serve como alerta de perigo. A parte que mostra a sentida lembrança e, certamente, uma dolorida saudade...

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