Sou do tempo antigo (sei que alguns já me classificam como jurássico). Em minhas lembranças, ainda ouço o barulho do leiteiro deixando uma garrafa de leite na soleira da porta. Quando o padeiro parava a charrete, contornava a casa para deixar um saco de pães, que pendurava na cerca para o pai abastecer o armazém. Em seguida, trabalhadores e estudantes vinham, a partir das 6 horas, buscar ingredientes para o café da manhã. O despertar de uma jornada era com as características destes serviços, então, essenciais.
Também na madrugada, ouvia o barulho da bicicleta do entregador de jornais, o jornaleiro, que os atirava pela grade para junto do portão da garagem, onde os "amigos do alheio" não pudessem alcançar, sumir com ele, ou apenas fazer a primeira leitura… Muitas vezes, no café ou no chimarrão do meio da manhã, era o jeito de entender um pouco da cidade e do mundo. Folhear o jornal, ficando com os dedos escurecidos pela tinta que rescindia das páginas impressas durante a noite. E procurar os colunistas e os assuntos preferidos.
De leitor, passei, por mais de 20 anos, a colaborador semanal do Diário Popular, com mais de 1.200 textos publicados. Ali, canalizava uma compulsão por escrever que me permitiu opinar sobre política, economia, educação, religião, costumes (o Jorge Malhão vai dizer que ainda bem que não falei de futebol)… Com as redes sociais, o jornal me lincava com o blogspot (textos) e o YouTube (vídeo e áudio). Foi difícil precisar os públicos de interesse, no entanto, alcançava significativo número de formadores de opinião na região.
Semana passada, o Diário Popular fechou as portas. Uma morte anunciada num tempo em que o impresso mirra em detrimento do digital. Tristeza, surpresa, espanto... Sentimentos conflitantes, pois, quando morre o jornal de uma cidade do interior fenece um pouco da sua cultura e da sua alma. Como sempre aconteceu na história, uma nova tecnologia ocupa o lugar e não precisa ser incensada, mas entendida e colocada a serviço do leitor. O desafio de descobrir a medida em que o “antigo” precisa conviver com o “novo”.
Especialmente nós, os mais velhos, estamos mais pobres e órfãos. Em tempos de transição, educadores de todos os setores precisam se dar conta de que ler é mais do que entretenimento. Educar sensibilidades possibilita novos voos, pela imaginação e reflexão. Isto o Diário Popular fez ao longo da sua história. Morre o jornal, mas não morre seu espírito, pois deixa, além da saudade, o sentimento de que precisamos nos reinventar, para sobreviver num tempo em que a comunicação abre infindas possibilidades…
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