domingo, 30 de junho de 2024

Os ternos anos da minha velhice…

Pensei que já era tarde,

Quando aprendi que não

Adiantava reclamar da vida.

Cada problema que acumulei

Tinha a origem e destino em mim mesmo.

Aceitar não é sinônimo de me acomodar

Ou amargurar desilusões.

 

Ao me dar conta,

Já estava no alvorecer da derradeira idade.

Falou mais alto a minha incompletude

E o sentimento de que estava sozinho,

Sem significar solidão.

 

Fazer-me companhia

É valorizar pequenos detalhes

Nos quais não prestei atenção

Nas demais etapas da vida.

Um tempo especial para

Reencontrar comigo mesmo:

 

Caminhar sem destino e sem relógio;

Aproveitar cantinhos da casa;

Ouvir músicas e rememorar outros tempos;

Dormitar abraçado ao ursinho de pelúcia,

Enquanto a televisão tenta atrair a atenção;

Uma leitura sem compromisso

Ou apenas divagar e sorrir enquanto ando pela rua...

 

Quero a paz do meu silêncio.

O tempo de envelhecer chegou com

Uma imagem diferente entre o que idealizei

E o que virou realidade.

Não faz mal.

Recebi as oportunidades certas

Para viver intensamente

Os ternos anos da minha velhice…

sábado, 29 de junho de 2024

No dia em que o Aki veio para casa…

No dia em que o Aki veio para casa (calma, já conto esta história), fazia um tempo de espera no centro de Pelotas entre o fim da Missa no Santuário e a minha irmã Leonice soltar do trabalho. Resolvi conhecer uma loja de varejo e foi lá que conheci o Aki… Já estava na fila do caixa quando uma senhora, que se dizia vinda de Caxias, em poucos minutos fez uma narrativa dos seus problemas mais recentes. Haviam adotado um garoto que criaram e superara as expectativas, se formando e com um bom emprego em Florianópolis.

Considerado um “bom menino”, ficou sozinho e encontrou uma pedra no meio do caminho: o álcool ou dependência alcoólica. Começou como em muitos casos do uso desta droga lícita (assim como o cigarro). Grupos de amigos, festinhas, competição com parcerias… Até se dar conta de que, mesmo em dias em que não se encontrava com a “galera”, precisava da bebida para “desestressar”. Com a desculpa de que “posso parar quando quiser”, relaxou no emprego e “jogou tudo fora", voltando apenas com a roupa do corpo.

Não falava em tom de reclamação. Mas de desabafo. Lembrei da história que já contei da mãe no grupo que ouviu as queixas da outra de que o filho estava saindo de uma clínica de recuperação. Quando terminou, a ouvinte apenas disse: “a senhora ainda tem seu filho, pode buscar na clínica. Eu não preciso mais…” Curiosidade óbvia: “está recuperado?”. Silêncio dolorido e a resposta: “ele não resistiu e morreu”. Triste, mas se perde a razão de reclamar quando se pensa que o nosso problema é maior e o único.

Num tempo tão difícil de se avaliar as condições de alguém que se tornou dependente, também me veio à lembrança a amiga que recebeu o aviso de que o filho estava numa praia, drogado, trancado no carro. Foram buscá-lo e os acompanhei. Fiquei com medo de que fizesse um escândalo, que não aconteceu. Tratou-o com carinho e prometeu que quando estivesse bem conversariam. Descobriram que o garoto tinha medo de não atender às expectativas dos pais. E que estudar nunca tinha sido a sua praia… 

As faltas sentidas são sempre a ausência de quem se gostaria que voltasse para casa… O Aki é um ursinho de pelúcia que encontrei na loja e faz companhia ao assistir televisão. Do desabafo, tive a impressão de que a senhora era uma alma solitária e carente. Formou filhos, ajudou filhos dos outros, mas vive a síndrome do ninho vazio, que se torna mais difícil com a idade, quando se precisa do companheirismo da família e dos amigos. Transformar amargura em doce saudade é arte que se leva um bom tempo para aprender…

sexta-feira, 28 de junho de 2024

O sabor divino das palavras

Perco-me na conjugação dos verbos.

Também não faço

Uso adequado dos substantivos.

Aquilo que escrevo sempre deixa o gosto

De que poderia ser mais...

 

O sabor da linguagem é

O caminhar numa jornada poética.

Aventurar-se na alquimia das palavras,

Experimentando

Um banquete dos sentidos.

 

Conjugar verbos

É temperar com especiarias exóticas,

Que aglutinam palavras com aromas e texturas.

Substantivos podem ser frutos deliciosos

Que deixam marcas na boca e nos lábios,

Com sabores marcantes.

 

Para além da gramática e da semântica, 

Escrever é a busca pela essência,

A essência da alma de qualquer escritor.

Onde os significados transcendem a lógica e

Vertem a doçura que seduz e inebria.

 

Degustar cada nuance da linguagem

Onde o aroma está

Em refinar a conjugação dos verbos;

O sabor dos substantivos realçando o paladar;

Na textura das palavras que se entrelaçam,

Enriquecidas e grávidas de possibilidades...

 

Experiências sensoriais

Que exploram

Um mundo que se reinventa.

Onde a musicalidade

Cria textos para serem experimentados,

Quando as emoções abrem mão da lógica,

Ao serem verbalizadas.

E as palavras tornam-se sensíveis e ranzinzas:

Querem ser saboreadas como o vinho

Que percorre cada canto da boca

Até estar no ponto de ser degustado.

 

Há um universo mágico

No que as palavras oferecem,

Quando os significados 

Ainda não foram alcançados.

Ditas têm

O puro gosto de expectativa.

Imergir no seu mundo é o jeito humano

De viver um pouco da criação de Deus!

domingo, 23 de junho de 2024

Com o gosto de muitos sonhos…

Eu ouço vozes.

Não te preocupes,

Elas não me atormentam.

Tenho as que falam no presente

E as que emergem do passado.

A sensação de ouvi-las ou lembrá-las

Tem o sabor do que 

Foi doce e sacia o paladar.

 

Do passado, ressoa a confusão,

Na algazarra de gritos infantis.

O falar apressado 

Suplicando que alguém ouça,

No sentimento de urgência

Em busca por parcerias de vida.

O desejo de equilíbrio e serenidade

Na expectativa por uma família.

 



Vozes que, por sentimento da memória, 

Retornam à vida.

A leveza do tempo em que

A idade torna tudo mais devagar,

Assegurando que muitas delas

Nos alcançam da Eternidade.

 

Já esqueci do traçado de muitos rostos,

Mas, nunca, de uma voz.

Hoje, nem o vento e sequer a brisa

Assopram os timbres de quem amei.

São sussurrados nos recônditos

Em que se abrigam as minhas lembranças.

 

Vozes que ressoam pela memória e

Ludibriam os sentidos.

Tornam-se preciosas

E se transformam nas minhas verdades.

Quando as almas silenciam os sons,

Transbordam os sentidos: 

Abraçam a finitude do tempo 

E dão à vida um gosto de muitos sonhos…

sábado, 22 de junho de 2024

A triste morte de um jornal

Sou do tempo antigo (sei que alguns já me classificam como jurássico). Em minhas lembranças, ainda ouço o barulho do leiteiro deixando uma garrafa de leite na soleira da porta. Quando o padeiro parava a charrete, contornava a casa para deixar um saco de pães, que pendurava na cerca para o pai abastecer o armazém. Em seguida, trabalhadores e estudantes vinham, a partir das 6 horas, buscar ingredientes para o café da manhã. O despertar de uma jornada era com as características destes serviços, então, essenciais. 

Também na madrugada, ouvia o barulho da bicicleta do entregador de jornais, o jornaleiro, que os atirava pela grade para junto do portão da garagem, onde os "amigos do alheio" não pudessem alcançar, sumir com ele, ou apenas fazer a primeira leitura… Muitas vezes, no café ou no chimarrão do meio da manhã, era o jeito de entender um pouco da cidade e do mundo. Folhear o jornal, ficando com os dedos escurecidos pela tinta que rescindia das páginas impressas durante a noite. E procurar os colunistas e os assuntos preferidos.

De leitor, passei, por mais de 20 anos, a colaborador semanal do Diário Popular, com mais de 1.200 textos publicados. Ali, canalizava uma compulsão por escrever que me permitiu opinar sobre política, economia, educação, religião, costumes (o Jorge Malhão vai dizer que ainda bem que não falei de futebol)… Com as redes sociais, o jornal me lincava com o blogspot (textos) e o YouTube (vídeo e áudio). Foi difícil precisar os públicos de interesse, no entanto, alcançava significativo número de formadores de opinião na região. 

Semana passada, o Diário Popular fechou as portas. Uma morte anunciada num tempo em que o impresso mirra em detrimento do digital. Tristeza, surpresa, espanto... Sentimentos conflitantes, pois, quando morre o jornal de uma cidade do interior fenece um pouco da sua cultura e da sua alma. Como sempre aconteceu na história, uma nova tecnologia ocupa o lugar e não precisa ser incensada, mas entendida e colocada a serviço do leitor. O desafio de descobrir a medida em que o “antigo” precisa conviver com o “novo”.

Especialmente nós, os mais velhos, estamos mais pobres e órfãos. Em tempos de transição, educadores de todos os setores precisam se dar conta de que ler é mais do que entretenimento. Educar sensibilidades possibilita novos voos, pela imaginação e reflexão. Isto o Diário Popular fez ao longo da sua história. Morre o jornal, mas não morre seu espírito, pois deixa, além da saudade, o sentimento de que precisamos nos reinventar, para sobreviver num tempo em que a comunicação abre infindas possibilidades…

sexta-feira, 21 de junho de 2024

O Universo conspira para que sejas feliz

Quedo-me admirando os céus.

Sinto o pulsar de um coração 

Que não se preocupa com as distâncias

Ou os sons que não se consegue compreender. 

De lonjuras infindas movem-se 

Astros e estrelas de todas as magnitudes,

Numa grandeza em que mais do que assustar,

É um encanto aos olhos,

À compreensão humana e à própria fé.


A imaginação dispensa foguetes e espaçonaves.

De um lugarzinho remoto, 

Uma rosa espera 

Por seu Pequeno Príncipe,

Até o trigal, em que 

O Sol ilumina os cachos do seu cabelo,

E onde uma raposa divaga

Sobre amores e amizades.


Ou pode ser uma gaivota singrando 

Os ares na busca pelo voo perfeito,

Sem ter a preocupação do seu bando que 

Correr atrás de um cardume de peixes.

Diante do céu que sinaliza o Universo,

Desaparecem as vaidades,

Contentando-se em

Levar a vida simples de alguém 

Que vive intensamente o momento.

Ou de quem se angustia

com o sentido da existência…


Embriagados pela magia de 

Uma obra de arte que aconchega, 

Durante o dia ou na calada da noite,

É preciso

Guardar um tempo para erguer os olhos.

Se ainda não vês nada,

Fecha-os e sincroniza o coração 

Com as energias que 

Vêm de onde não imaginas.

Distâncias insondáveis e 

Ecos de vozes de todos os seres celestes.


Onde estão os limites dos céus?

O manto azul que te abraça é 

A infinitude do espaço que se torna mistério.

Manter o olhar apenas no dia a dia 

Impede que outros horizontes sejam desbravados.

És vocacionado ao Infinito. 

O Universo conspira 

Para que sejas e faças alguém feliz!

terça-feira, 18 de junho de 2024

Artigo da semana do Diário Popular

Bom-dia. Como sabem, na semana passada encerrou-se um ciclo da comunicação impressa em Pelotas e região sul, com o encerramento das atividades do jornal Diário Popular. Minha coluna era sempre às terças, quando também publicava pelas redes sociais. 

A partir de agora, a coluna se mantém no jornal Tradição, que circula na sexta-feira. Portanto, passo a postar o artigo da semana aos sábados,  para manter o “Sexta com gosto de poesia" e o “Inspirações de domingo”. 

Ainda não tenho um nome. Mas pretendo publicar estas "imitações de poesias" às terças-feiras. Aceito sugestões. 



domingo, 16 de junho de 2024

Escolhe ser feliz ao Sol…

O Sol pode ser de inverno.

Mesmo assim, 

Deixa um pouco de calor na tua pele.

Sob o astro-rei, 

Vivem-se romances,

Tira-se um tempo para brincar,

Ou, apenas, se dormita na grama.


Em muitos momentos, 

É o jeito simples de ser feliz.

Impossível de ser roubado,

Em que até se esquece de um sofrimento. 

O Sol que te beija o rosto 

Alimenta árvores e flores,

Dá contorno às cores das borboletas, 

Faz brilhar os olhinhos da criança.


É sob o calor da manhã

Que se desperta para a vida

Sonhando com encontros e realizações. 

Mas é, também, no entardecer, 

Que se repensam atitudes,

Momentos vividos,

Fragilidades e frustrações... 


Hoje, não desiste, insiste.

Quando a brisa te acalentar,

A certeza de que a melhor escolha 

É a de ser feliz ao Sol. 

Ele pode não ter aparecido,

Mesmo assim, te assegura

O retorno e a sua cumplicidade.


Alberga-te na doçura do único raio de Sol

Varando as nuvens e acariciando teu rosto. 

Quando se ergue a face e fecha os olhos,

O calor vindo dos céus é o

Carinho que seca a lágrima, 

Num silencioso afago de consolo!

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Quando a estrada vira lembrança

Viver é peregrinar. 

No dilema de engatinhar ao amanhecer;

Sobre as próprias pernas, ao meio-dia;

Com uma bengala no ocaso da existência.

Então, quando puderes, 

Apressa o passo, mas não corre.

Aproveita o que a paisagem oferece.

Degusta os detalhes preciosos que

Se valoriza quando viram lembranças...

 

Esquece o resto,

Para andar mais lentamente no entardecer.

Depois que se passa,

A estrada continua a mesma.

Porém, cada um muda conforme a viu,

Sentiu e entendeu

As marcas que ela deixa.

Mesmo que restem apenas tuas pegadas,

Fazem parte do universo de todos os andarilhos.

 

Olha para a frente.

A única coisa que importa é não desistir.

No sonho de uma alameda de cerejeiras,

Quando a chuva de flores

Deixa rastros pelo caminho.

Ou, na estrada, em que um túnel de acácia

Asperge com perfume

Os peregrinos de todas as matizes.

 

Não existem caminhos proibidos.

As dificuldades

Dão a noção da capacidade de cada um.

Nos momentos mais difíceis,

Numa estrada enlameada ou esburacada,

Onde as pedras e os solavancos

Tornam mais difícil dar um passo após o outro.

Mesmo assim, sem desistir, sem se entregar,

Mantendo a cabeça erguida

E o olhar no horizonte.

 

Andar, andar e, enquanto puder, ainda andar.

Na serenidade do tempo que enruga a face

E ameniza traços que tornam

Marcantes o riso e o sorriso.

Sem pressa,

O calendário e o relógio 

Tornam-se preciosos aliados.

A melancolia já não traz a dor,

Cada passo tem 

A ternura de quem espera alguém,

Compartilha um olhar de carinho,

Na eterna busca 

Do sentido em não desistir…