Era o fim da década de 70. Fazíamos um curso de extensão na Escola de Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Porto Alegre, como internos na Vila Betânia. Aos fins de semana, muitos voltavam para suas cidades, quando próximas. Não era o meu caso. Além da distância, os pilas eram curtos... Restava umas voltas pela capital e, quando havia sobra, ir ao Beira Rio para um jogo do Internacional. No resto, nos dividíamos entre as teorias na própria casa e a prática em veículos de comunicação, como a então Rádio e TV Difusora, pertencentes aos freis Capuchinhos.
Num fim de semana, estava com a carteira um pouco
menos vazia e me convidei para ir à casa de um dos grandes amigos que fiz no
Seminário Diocesano, em Muçum: o João Carlos Dal Magro. A viagem já era uma
aventura, num tempo em que se fazia baldeação e, antes de chegar, uma escala em
Estrela (eu creio, ou foi Lajeado?). Depois iniciar as andanças pela serra que
eu via pela primeira vez. Fui me encantando com as pequenas cidades que
margeavam o rio Taquari, formando o vale do mesmo nome.
Não sou bom em geografia (e ainda pior de
lembranças), mas também acho que era uma pequena rodoviária tipo parada de
ônibus (sem ofensas!). Dali conhecer a família e a casa, próxima ao rio.
Visitar a cidade, então, era relativamente fácil: uma rua principal e muitas estradas
para o meio rural. O acesso ao viaduto 13, um dos mais altos das Américas (a Rodovia
do Trigo), fazendo ligação de Roca Sales a Guaporé. À noite, com muito frio, no
aconchego da família, tomar chimarrão com polenta e pinhão na chapa...
Já conhecia muitos meninos de descendência italiana que
estudaram no Seminário. Mas uma imersão na família e estilo de vida é impactante
pela simplicidade de quem trouxe da Itália a cultura, religiosidade, valores e
referências, desbravando uma região inóspita. Não era apenas um amigo perdido
do “Jonca”, parecia um velho conhecido retornando ao convívio familiar. Nunca
mais fiz uma experiência assim. A cidade que corria à margem do rio havia
passado a correr, também, pelas minhas lembranças...
Imaginem, então, ouvir autoridades dizerem que “a
Muçum que vocês conheceram não existe mais!”. Lógico que, hoje, depois de quase
50 anos, eu não a reconheceria como a vi daquela vez. Mas fiquei triste em
pensar que uma cidade que me deixou tão boas lembranças havia morrido... As
imagens que os meios de comunicação passaram e depoimentos de quem perdeu
familiares, casas, bens, é um soco no estômago de quem tem na memória a placidez
de águas correndo tranquilas e o verde que emoldurava o rio.
Por lugares onde o frio achegava ao fogão, idoso
passou a noite tentando prender a mão da esposa para não desistir. Na região,
rapaz não conseguiu segurar a mulher e os filhos, levados pela correnteza. As
marcas físicas são pequenas diante do que resta no peito. Depois de
um tempo, sobram memórias. Desconfiados, machucados por um fenômeno climático
com muitas explicações e poucas soluções. Triste: muitos serão enterrados às
margens (quem sabe na curva) do mesmo rio que um dia lhes tragou a vida...
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