terça-feira, 12 de setembro de 2023

Enchentes: as lições a serem aprendidas

Andávamos no interior de Santa Catarina quando a guia falou a respeito dos primeiros migrantes que chegaram ali e negociaram com os índios o uso da terra. Pretendiam fazer uma povoação às margens do rio. Estranharam que não houve resistência. Os nativos preferiam ficar nas colinas. Acreditaram terem feito um bom negócio, já que as águas eram as estradas de então. Isto, até que chegasse a primeira enxurrada. Aprenderam da forma mais dolorosa que o caudal não se importava se eram indígenas ou estrangeiros...

A lembrança veio pelos noticiários a respeito da enchente do Vale do Taquari, afetando municípios como Muçum, Roca Sales, Lajeado e Estrela, entre outros. Visitei o primeiro a cerca de 50 anos e conheci a rua principal num ponto mais alto. Depois a área urbana se expandiu para as margens do rio, a causa da tragédia daquela localidade e em outras que acompanham os fluxos de água. Acabou sendo uma das cidades mais afetadas (estima-se que cerca de 85% das casas foram pura e simplesmente arrastadas).

 


Olhando para o que já aconteceu com populações ribeirinhas (inclusive aqui em Pelotas) é impossível não se entristecer com o fato de que é um filme que já se viu em outras ocasiões (com menor intensidade e efeitos não tão devastadores). As imagens e depoimentos mostram o dia seguinte como um estado de guerra. O rio Taquari subiu o que não fazia desde 1959. O resultado é a perda de imóveis, mobiliário, lavouras e, sobretudo, vidas humanas. Além do terror de quem passou pela espera por socorro.

É hora de salvar vidas sem perder a perspectiva. Ainda olhando para os céus em busca de nuvens carregadas, populações castigadas limpam as áreas para, só depois, pensar na reconstrução. Quem sabe, agora, nas regiões mais altas, já que os eventos climáticos ciclicamente se repetem, seja com a seca ou a enchente. Contar as perdas é quantificar valores financeiros, acreditando que para a outra – dos entes queridos – apenas restam as lembranças do que se fez ou se deixou de fazer para que sobrevivessem...

Uma outra coisa que chama a atenção é a linguagem do jornalismo nas longas intervenções que são feitas, especialmente por televisão. Com raras exceções, tem se tratado como espetáculo trágico, bem mais do que a real e necessária prestação de serviços. Contar histórias para humanizar a dor e provocar pressão política e a indignação, não significa a necessidade de repetir clichês para que as vítimas cheguem às lágrimas ou incentivar a indignação com os setores públicos envolvidos.

Este é um fenômeno novo? Pela opção dos índios em não ficarem às margens dos rios, parece que não. Faltou aprender a lição e, para quem insiste, a legislação e fiscalização que preservem os vales das correntes de água. Tudo é recente e mesmo os voluntários, muitas vezes, sentem-se perdidos... Paciência. Não se pode é tolerar o turismo da catástrofe. Já existem cidades montando barreiras. Nada mais justo. Este é um dos ensinamentos a ser aprendido: a desgraça nunca pode ser transformada em espetáculo!

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