domingo, 3 de setembro de 2023

O Mestre e o Aprendiz: o começo do que se chama futuro

O Aprendiz chegou à porta da sala do Mestre e não entrou. Tinha uma mochila nas costas e se mostrava decidido.

- Eu vou embora!

O Mestre brincou:

- Eu também. Posso ir junto?

Mas o menino já tinha se afastado em direção ao portão do Mosteiro. Só então, o Mestre percebeu que a coisa era séria. O pequeno tomou a estrada em direção à vila, no sopé da montanha, utilizada apenas pelos monges, aprendizes, assim como os moradores das proximidades. Todos eram conhecidos, familiarizados com o Aprendiz fujão.

O Mestre recordou que, nos últimos dias, o menino tivera algumas desavenças com seus colegas, por questões que julgou triviais. Pensou que eram coisas de crianças e que era melhor não se meter, que eles mesmo resolveriam.

A estrada era irregular, estreita, passando pessoas, mulas e algumas poucas carroças. Descuidado, o Aprendiz não se deu conta de um buraco e, quando percebeu, ainda tentou se equilibrar, mas foi ao chão. Era muito azar. Agora estava brabo, cansado e ainda sujo. Tentou levantar e não conseguiu. Havia torcido o pé. Arrastou-se até a sombra de uma árvore. Muitos dos que passavam lhe ofereciam ajuda. Não queria, não precisava...

Era quase o fim da Primavera. Um vento quente soprava. Lembrou do Mestre dizendo que eram os ventos dos espíritos da intriga. Dificilmente, nesta época, não haviam desavenças. Tentou lembrar do que o irritara tanto. Eram coisas tão pequenas que já começava a sentir vergonha. Mas não tinha o que fazer. Iria descansar e arrastar-se até a vila...

No final da tarde, o Mestre teve a notícia de que viram o pequeno pisado na beira da estrada. Sem muita pressa, deixou o Mosteiro e, pouco antes do povoado, avistou o menino. Não era a melhor hora para dizer alguma coisa. Preferiu oferecer seu colo para trazê-lo de volta. Embora já estivesse crescendo, ainda era muito magro. Em pouco tempo, chegariam em casa.

O pé precisou ser enfaixado. Só que, agora, ao invés de emburrado, o Aprendiz estava encabulado. Seus colegas não sabiam o que fazer e o Mestre acreditava que era bom dar um tempo. Depois de dois dias, convidou para jantar no refeitório.

Quieto chegou e quieto ficou. Durante a refeição, um a um deram um jeito de ajudá-lo no que precisava. Faziam parte daqueles com quem havia se desentendido.

Depois de um tempo, o Aprendiz apenas baixou a cabeça. Tinha medo de chorar. Olhava para sua tigela onde o arroz chegava a um pouco mais do que a metade. Mas não tinha fome.

Foi quando o Mestre usou o hashi para depositar o primeiro bolinho em seu prato. Na sequência, um a um, os demais companheiros de mesa foram colocando pedaços de comida, num gesto de carinho que não esperava. E que o desarmaram!

As lágrimas foram rolando devagarzinho. Quando levantou os olhos, o Mestre estava junto dele e se aconchegou ao abraço que lhe era oferecido.

Enquanto o burburinho de crianças e jovens voltava ao normal, o Aprendiz deu-se conta de que o Mosteiro era a sua casa. Ali, não precisava ter medo do que lhe poderia acontecer. Seria o seu lugar de partida e para onde sempre poderia voltar. Ainda doía ter que reconhecer, mas seu erro era uma das etapa do seu aprendizado. O certo é que Mosteiro era mais do que a sua casa, era o seu lar.

De longe, o Mestre observava o pequeno com a perna estendida ao lado da mesa sendo paparicado pelos demais. Por quanto tempo ainda estariam por ali? Um dia, cada um deles faria mais do que pegar sua mochila e fugir para a vila. Iriam além, se arriscando no Mundo. A vida que continua... Pássaros que saem do ninho e voam pela primeira vez, certos de que o horizonte é apenas o começo do que se chama futuro!

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