domingo, 7 de maio de 2023

O Mestre e o Aprendiz: "Eu não tenho mãe?"

O Mosteiro das Nuvens fica a meio caminho entre a planície e o topo da montanha. Ali moram monges e aprendizes, com muitas crianças abandonadas pelos pais, que ganham abrigo. Naquele ambiente, vivem em paz, estudam, aprendem uma profissão e, quem sabe, tornam-se um religioso como quem as acolheu.

A única referência feminina é a empregada que trabalha na cozinha. Cuida de todos, mas, em especial, dos órfãos. Foi apelidada de "O Espírito que faz barulho". O motivo é que, à tarde, depois do almoço, senta-se à mesa, repousa a cabeça e, literalmente, ronca!


O Aprendiz chegou ao Mosteiro com quase um ano. Com oito, era desenvolto, inteligente, sagaz. Sempre que possível estava na volta do Mestre, questionando. Para o Mestre, motivo de um sorriso preocupado. Para os demais, um riso debochado (discretamente), pelas perguntas estranhas e cabulosas que formulava.

Depois da sesta, o Aprendiz entrou na sala e, sem dizer uma palavra, começou a andar ao redor da mesa de seu Mestre, que fez de tudo para mostrar que estava ocupado. Mãozinhas cruzadas nas costas, ainda pigarreou para chamar a atenção. Até que ouviu:

  • Pequeno menino, o que aconteceu?

Fez-se de rogado, esperou um pouco e disparou:

  • Mestre, o "Espírito que faz barulho" é minha mãe?

A aproximação do Dia das Mães levara a que se falasse a respeito, já que havia aprendizes que vinham da vila próxima e conversavam sobre o que iria acontecer em suas casas. Nunca fizera perguntas a respeito. Mas teve que responder:

  • Não, meu menino, o "Espírito que faz barulho" não é tua mãe (deu-se conta de que até ele usava a expressão jocosa que os garotos tinham para a colaboradora).
  • Então, Mestre, eu não tenho mãe?

Sabia que não poderia dar uma explicação que não fosse a verdade, pois ele, certamente, perceberia. Respirou fundo e tentou explicar:

  • Eu não sei se ainda tens mãe. Como te contei, nós te recebemos num entardecer de Outono, quando o frio já se fazia sentir e as estradas estavam largas e vazias. Alguém te deixou sentadinho no degrau da calçada. O Monge Porteiro disse que tu eras como uma benção da estação, a folha mais bonita que caiu de uma árvore à nossa porta.
  • Meus pais nunca me procuraram? Eu não tenho família?
  • Não procuraram. E eu não sei. O certo é que não eram de alguma vila próxima, senão acabaríamos sabendo. Mas não procuramos descobrir, porque eles já tinham seus problemas e nós te acolhemos como se fosse da nossa família.

O Aprendiz silenciou e ficou de costas olhando pela janela:

  • Eu queria ter uma família, especialmente, eu queria ter uma mãe...

O momento de festas comemorando o Dia das Mães fez com que as palavras cortassem fundo no coração do velho Mestre.

  • Filho, eu não posso te dar uma mãe, mas tentamos te dar uma família...

Depois de algum tempo, o menino voltou-se para o Mestre enxugando as lágrimas que corriam por seu rosto, com a manga do seu hábito. Era um sorriso dolorido e triste:

  • Eu sei, Mestre querido. Eu sei... Vou pedir ao Ser Supremo que a possa enxergar numa das tantas estrelas que a gente vê nos céus.

O Mestre recordou que numa ocasião, conversara com os meninos durante a noite no pátio e dissera que "as estrelas são o jeito que o Ser Supremo tem de manter as mães sempre junto da gente. Elas brilham como se fossem beijos que dão em nossos corações".

O menino saiu para o pátio. Com seus botões, o Mestre pensou:

  • Que motivos tinha o Ser Supremo para lhe entregar aquela pedra tão especial que se lapidava a cada dia e lhe deixava a sensação de que oferecera a oportunidade de, na dor e na ausência, criar sentimentos que compensassem laços humanos tão fortes, sem que, de alguma forma, tivesse perdido a ternura...

 

Queridas amigas e mães. Esta noite, olhem para os céus e procurem a estrela que as acarinhe por aquelas que lhes fazem falta e o lugar onde gostariam de estar para continuar amando seus filhos!

Que o Ser Supremo as abençoe, hoje e sempre!

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