terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Uma tragédia chamada “omissão”


O Brasil é pródigo em criar e se omitir diante de problemas. São muitas partes de uma história confusa e recheada de interesses escusos. Poderia se fazer um capítulo inteiro (se não uma obra) da capacidade de tolerar desigualdades. Mas aqui interessam dois eventos que, para os desavisados, parecem não ter nada em que se relacionam: a queda da ponte pênsil, entre Torres (RS) e Passo de Torres (SC), e a tragédia anunciada nas encostas do litoral de São Paulo, que já vitimaram mais de 60 pessoas.

A madrugada era de festa, com muita gente circulando de ambos os lados, mas com forte concentração sobre uma ponte que, já está comprovado, não tinha conservação adequada e sequer uma fiscalização efetiva do seu uso. O que podia acontecer, aconteceu. Numa noite de Carnaval, pelo acúmulo de passantes e falta de senso de responsabilidade de alguns usuários (educação, mesmo) e dos agentes públicos, desabou, ferindo a muitos e tirando a vida do jovem Brian Grandi. Foram dias de busca.

O corpo do rapaz acabou sendo encontrado já fora do rio Mampituba, na praia Azul. Sua mãe foi vê-lo encoberto sobre a areia onde, possivelmente, tenha passado com a bicicleta, que era uma das suas paixões Ela, infelizmente, ainda alimentava a esperança de que o jovem estivesse desnorteado, perdido em algum lugar e que, ao menos, o encontrariam com vida. Foi vítima da imprudência de alguns companheiros mais exaltados e da irresponsabilidade de quem deveria ter previsto os riscos.

Em São Paulo, as fortes chuvas recentes (que não são novidade, nesta época) desnudam a segregação das populações expulsas dos espaços urbanos com infraestrutura e jogadas em zonas de risco. O que deveria ser obrigação das autoridades municipais – mapear áreas de perigo e impedir sua ocupação – mostrou mais uma vez o desleixo, visível na ocupação urbana das periferias. Entre mortos, feridos e desabrigados expõe-se a chaga que joga para longe (debaixo do tapete) o indesejável cheiro da pobreza.

É preciso levar em consideração: o processo de urbanização acelerado e desordenado; o êxodo rural; a falta de planejamento urbano; a ocupação e construção em áreas de risco, como morros e várzeas; a impermeabilização do solo por asfalto; o descarte inadequado do lixo, assim como as drenagens que se mostram aquém do que seria necessário. As mudanças nos fatores climáticos também precisam ser levadas em consideração. A ação do homem provocou mudanças que ainda não estão suficientemente esclarecidas.

Amargando uma seca em Pelotas, não se pode esquecer que ela passa. Se vive em meio às águas, tendo acabado com parte dos escoamentos naturais: as sangas e os banhados. A (ir)responsabilidade de agentes públicos deve tornar transparente o que é feito e o que se pretende fazer. Fiscalizar equipamentos à disposição, assim como mapear áreas de risco, é elementar, mas precisa ser cobrado. Infelizmente, tragédias mostram, sim, que se tem cidadãos de primeira, segunda, terceira e, quem sabe, quantas classes a mais...

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Passou o Carnaval, agora tem a Páscoa...

Passou o feriado de Carnaval? Qual é o próximo? Creio que muitos de vocês estão pensando assim: aposentados, como eu, já não têm esta preocupação... E é curioso observar os mais novos já se programando para a Semana Santa, no início de abril. Confesso que a suspensão das atividades continua, mas duvido que grande parte da população se importe com o sentido da data. Parecido com as festas de Momo, quando também uma parcela quer liberar geral, mas grande parte aproveita para descansar.

Infelizmente, mesmo muitos que se dizem cristãos/católicos (meu caso) não têm a menor noção do seu significado. Mas não vou discutir princípios religiosos e, sim, liberar as boas memórias deste feriadão que era considerado as “férias de Páscoa”. Para mim, primeiro, foi no Seminário, quando, na quinta-feira Santa éramos liberados depois do almoço para deixar o internato e ir para casa. Já prevendo que, naquela noite, com ao menos parte da família, se tomaria parte da Missa do Lava-Pés, seguido de vigília.

Sexta-feira Santa era o dia de fazer a memória da morte de Jesus Cristo, em cerimônia na Igreja da Santa Teresinha, seguida de procissão pelas ruas do bairro. Pouca coisa se fazia no dia santo, mudando o cardápio para peixes e complementos. Não sou muito de frutos do mar, mas, naquele dia, gostava muito do peixe cozido em molho que o pai preparava. O mesmo molho que iria ser ingrediente do que mais gostava: o pirão feito com farinha e pedaços de peixe. Não podia faltar, é lógico, um bom vinho de garrafão.

As festas noturnas voltavam de sábado para domingo, com a celebração da ressurreição de Jesus. Domingo de Páscoa era o dia dos presentes de doces. Ainda não se haviam popularizado os chocolates, então eram feitos com açúcar e, muitas vezes, arranjos com amendoim torrado e caramelizado. Não podia faltar o churrasco de almoço. Na segunda, voltar às aulas ainda com sobras das guloseimas, que a mãe havia acondicionado num embrulho e que iam para o fundo do armário para reforças a sobremesa...

Melhor ainda eram as “férias de Páscoa” na faculdade. As aulas eram interrompidas na quarta e somente voltavam na terça-feira seguinte. A folga de segunda-feira era chamada de “pascoela”, por um simples motivo: como, naquele tempo, ainda as viagens eram bem difíceis e, muitas vezes, necessárias baldeações, sendo grande parte dos alunos de outros municípios e até de outras regiões, era o dia de retornar de viagem. Como ninguém é de ferro, nós não ficávamos brabos em “descansar” mais um dia.

Este é um privilégio da comunidade escolar que o comércio, por exemplo, não tem. Exceções, como setores públicos, têm como “mordomias” que mostra um calendário confuso, como boa parte de nossas atividade sociais. Num processo de secularização, uruguaios usam o período como semana do turismo. É preciso agregar significado mesmo às atividades tradicionais. É bom lembrar de um tempo em que qualquer espaço livre era motivo para alterar a rotina e festar. Ficaram boas lembranças e muita saudade!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Me ensina a amar?

Por favor, não precisa me dar definições

Do que seja o amor. 

Basta, apenas, contar histórias em que

Sentiste que ele se fazia presente,

Os momentos em que foi intenso,

Fazendo a diferença em tua vida.

 


Pode ser como na doce lembrança

Do pai que recorda a ocasião em que

Disse ao filho: “eu te amo!”

E ameaçou apertá-lo contra o peito

Com a pretensa fuga e a sensação

De que ambos gostariam de

Ocupar o mesmo espaço que

Entrelaçava seus espíritos e, depois,

Restou apenas o sentimento de saudade. 

 

O amor é sentimento que transborda as palavras.

Precisa de todos os sentidos

Para que se vislumbre uma centelha.

Não admite cercas e barreiras

Necessita da liberdade em que as lágrimas 

Tornam-se densas no desejo de que

O ser amado alce seus próprios voos.

 

O amante ou a amada que já não

Consegue penetrar em nossos mundos,

Sente-se confuso com os longos tempos

De ausência e de espera.

Deseja apenas um espaço em que possa

Depositar seu coração, abrigar a sua alma,

Sentir-se aconchegado, acolhido.

 

O amor não diferencia pais, filhos, amigos, amantes.

É presença não dita, que, repetida,

Torna-se, perigosamente, rotina,

Com o alerta de que se transforma no frio

Que atormenta o espírito

E aumenta o sentimento da ausência...

 

Quem não renova seus sentimentos,

Crendo que não precisa mais dizer

Palavras que parecem tão simples,

Empedernece, adoece,

Precisa de uma fagulha de luz

Que rompa a sua escuridão,

Desperte novamente o insaciável

Desejo de encontrar

A luz que emana do olhar de quem se ama.

 

É o mesmo que clama por um abraço,

Um afago, um beijo, um carinho.

Há momentos em que apenas um sorriso torto

É capaz de reestabelecer a energia

Que faz com que os sentidos

Contemplem o universo da saciedade e do prazer,

Capaz de dobrar os joelhos,

Deixar cair uma lágrima,

Estender uma súplica,

Reconhecer que amar é superar a solidão,

Deixar o escuro da noite

Que aperta o peito, com alguém

Que resgata o nosso próprio abandono...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Fraternidade, fome e dignidade humana

A Quarta-feira de Cinzas (22/02), num calendário tradicional, seria o final dos festejos de Carnaval. Tempo de iniciar a Quaresma, os 40 dias que precedem a Páscoa. Nestes tempos confusos, em que as festas momescas se estendem por praticamente todo o ano, ainda assim, a Igreja Católica Romana mantém e lança a sua já tradicional Campanha da Fraternidade. Este ano, a proposta de conscientização traz o tema “Fraternidade e fome”, sugerindo como desafio o lema evangélico: “Dai-lhes vós mesmo de comer”.


Entre grupos organizados, sugere celebrações penitenciais, via-sacra (com estudantes, familiares e educadores), contextualizando seus roteiros a partir do fenômeno da fome física, mas também da fome de Deus e, porque não, a fome pela justiça e a paz. Tanto na internet quanto em opúsculos físicos, pode ser encontrado um texto-base da Campanha da Fraternidade 2023, que atua no que a instituição julga essencial: despertar o espírito de caridade e de compromisso naqueles que se propõem a seguir Jesus Cristo.

A Associação Nacional de Educação Católica do Brasil respalda trabalho da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Busca conscientizar seus quadros e, também, a sociedade para o flagelo da fome sofrida, hoje, por uma população que, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, no país, é de 33,1 milhões de pessoas. O escândalo é que, somente no ano passado, 14 milhões de novos brasileiros entraram em situação de fome, fruto da ausência de políticas públicas e a pandemia.

A temática é concreta, já que a “caridade” faz parte do tripé que sustenta a crença católica, junto com a “fé” e a “esperança”. As discussões em grupos desafiam as comunidades a assumir responsabilidade diante da fome que persiste no país, assim como se revelou durante os últimos tempos em grupos organizados que prepararam e distribuíram sopões, quentinhas, cafés, roupas e material de higiene. Em casos diretos de atendimento a famílias, assim como minorando o sofrimento de moradores de rua.

É um confronto com o aumento da parcela da população que entrou na linha da pobreza e, especialmente, da miséria. Dados de institutos sociais comprovam o acirramento do desemprego (com retorno gradual em que salários são achatados) e pessoas sem condições de colocar na mesa da família um número mínimo de refeições. Flagrante contraste de uma economia que já vinha mal das pernas antes da pandemia e que não encontra equilíbrio entre atender ao capital (sua prioridade) e a população.

Além do atendimento por católicos, evangélicos, umbandistas, espíritas, voluntários de atividades sociais, haverá, em 2 de abril, Domingo de Ramos, abrindo a Semana Santa, uma Coleta Nacional de Solidariedade. Certos de que a cobrança ao poder público por políticas sociais que atendam esta população é elemento chave. Mas, também, passa por processo de educação política. Sem o direito de se omitir quando existem condições de tornar concretos o cuidado e a atenção que resgata a própria dignidade humana.

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Um dorama de Carnaval: sem medo de ser feliz!

Não creio que este seja o maior dos meus pecados, mas confesso: estou apaixonado pelos doramas (ou k-dramas), as novelinhas asiáticas (agora, especialmente, as coreanas) que tomaram conta do streaming e assisto pelo Netflix. Neste tempo de Carnaval, em que aqueles que não são muito de festas de rua ou de salão e preferem maratonar séries na televisão, resolvi meter o bedelho e dar a minha sugestão com histórias gostosas, levinhas, bem humoradas, que dá pra assistir sozinho ou em família.

Para quem quer adrenalina com doses de romance e uma pitada de comédia, a sugestão é O Curandeiro (Healer). Ação, com uma dose de machismo, em que a história é bem construída e não se preocupa em apresentar personagens que surgem naturalmente ao longo da trama. Jornalista novata, um jornalista veterano e um “protetor” nas sombras se envolvem num antigo caso de assassinato em que há uma história de família unindo os três e é difícil proteger os mais frágeis, no caso a mocinha, e trazer a verdade à luz.

Para alguns suspiros, cai bem Amor rural. A série acontece quando dois “jovenzinhos” (dos coreanos que a gente nunca sabe a idade, por seus rostos de bonequinhas de louça – sou antigo, viu? – muita malhação e maquiagem) eles se reencontram, sem que, ao menos um deles reconheça o outro. Num ambiente fofoqueiro de vila (e é bom!), um veterinário da cidade grande se muda para o interior a contragosto para substituir o avô. Acaba conhecendo uma policial que guarda doces e bons segredos dos seus passados...

Apaixonante e com uma bela fotografia (comum entre as séries coreanas), Missing: the other side conta a história de um vigarista que possui um grupo de amigos que o apoia nas suas mutretas. Depois de uma “fria” é perseguido e foge, encontrando uma vila sobrenatural onde os espíritos de pessoas desaparecidas ficam até que seus corpos sejam encontrados. Descobre que seu rancor faz com que os veja, precisando ajudar, inclusive sua mãe, para que a polícia resolva seus desaparecimentos e descansem em paz.

Agora se, de fato, estiver a fim de dar bons e gostosos suspiros, veja Something in the rain. Atente para a trilha musical que é uma preciosidade. Numa Coréia preconceituosa com relação à diferença de idade, uma mulher (na faixa dos 34 anos) reencontra o irmão mais novo (creio que com 23 anos) da sua melhor amiga e se enamoram. Num ambiente de família e de trabalho, custam a superar seus próprios preconceitos e criar coragem para mostrar que uma “velha” e um “gurizinho” podem ter muito em comum...

Embora não sejam filmes “cabeça”, atendem à expectativa de ter ação, romance, suspense e discussão de preconceitos arraigados, ainda hoje, também na sociedade brasileira. Contei a amigos que não tenho mais paciência para filmes intelectualizados. Não sou muito das novelas brasileiras que, creio, esgotaram suas receitas. Diversão, um pouco de emoção, algumas lágrimas e a sensação de que foi um tempo bem gasto. Então, descanse no Carnaval, assista a um dorama e não tenha medo de ser feliz!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

O espanto e o encanto da cartola perdida

Ali por onde passa a brisa

Em que a noite escura aconchega o silêncio,

Quebrando o breu que apenas dá contorno às casas.

Sob a luz de um lampião de rua, no chão,

Que começa a ser forrado pelas

Folhas e flores que insinuam o Outono,

Há uma cartola de mágico perdida,

Sobre pedras que fazem o leito do passante.

 

Na espera da bruma da manhã

Passos cansados e informes marcam

A procura por quem a deixou para trás.

Num momento, a gente pisca os olhos

E pensa que ela vai desaparecer

Ou fazer surgir algum daqueles encantos

Que ficaram em nossas saudades.

 


Mas não, foi deixada para trás,

Esconde sentimentos que somente

Se pode auscultar com o coração.

No sonido que desperta o passado,

A banda ainda embala as palmas que

Incentivam o cortejo que acompanha

O artista envolto em seu mistério.

Os olhos se prendem às mãos e aos gestos

Que brincam com o imaginário

E colocam um brilho no olhar.

 

Não é tempo de pensar.

É tempo de se encantar.

O circo resgata brincadeiras de infância,

Sonhos deixados na esteira

De épocas idas em que se idealizava

Ser protagonista,

Ter uma bela assistente,

Chamar a plateia para se divertir.

 

A cartola abandonada no leito da rua

É também o tempo que passou

E foi se desprendendo do encanto.

Momento de deixar o picadeiro e tomar

Um outro caminho:

As lembranças nos dão

O sentimento de que a felicidade

Deu o gosto de viver plenamente um instante.

 

A magia do ilusionista necessita

Dar lugar à magia da vida.

O brilho no olhar,

O inusitado que arranca aplausos,

O susto que faz com que se leve a mão ao peito...

Já não está mais no grande palco.

 

A cartola que dança ao sabor do vento

Precisa encontrar um coração

Que não perdeu a capacidade de se

Surpreender com a magia do instante presente.

Não é o passar do tempo que mata o fascínio,

É quando se perde o sentido do encontro,

Superar os desencontros e a eterna busca

Pelo reencontro, no espanto e no encanto

Que não distingue o menino do ancião!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Eduardo e os pés da Princesa

A posse dos governadores trouxe, no Rio Grande do Sul, uma agradável surpresa: pela primeira vez acontece a reeleição de quem estava no cargo, no caso, o filho da Lica e do Marasco, o pelotense Eduardo Leite. Em qualquer lugar, fato comemorado já que um filho da terra atinge lugar de destaque social e na política partidária. Tendo enfrentado a primeira eleição bem difícil; a seguinte, especialmente no segundo turno, transformou-se numa polarização que o consagrou, hoje, como referência política nacional.

Com a máquina pública sucateada (raras exceções) e a folha de pagamento em atraso, enfrentou o coronavírus quando, destoando das políticas nacionais, fez parceria com a ciência e profissionais que trabalharam incansavelmente para controlar a pandemia. O desgaste foi grande, mas a forma honesta e corajosa de enfrentar o problema levou-o a fazer opções, sabendo que os recursos eram poucos e as demandas muitas. A formação humanista que bebeu em família resultou no trato generoso para com a sociedade.

Em janeiro, iniciou seu segundo mandato, quando reafirmou compromisso com a educação, no básico: dar condições materiais aos professores de ensinar e aos alunos de aprender. Ressaltou na sua posse que “tudo tem importância, mas não fará o Estado mais competitivo se não tivermos gente qualificada para este mundo cada vez mais complexo.” E deu ênfase à formação de professores (tão reclamada e tão necessária), ampliando o número de bolsas para aqueles/as que aceitarem se qualificar.

Embora não se possa dizer que passou a época das vacas magras e o período em que foi criticado por estar preocupado com outras demandas (como os salários em dia e a situação do seu partido político, em nível nacional), garantiu investir na qualificação da merenda escolar (ele mesmo disse que “criança com fome não aprende”), transporte, capacitação dos professores, estrutura física, material pedagógico, aumento das gratificações de diretores e vices e a reestruturação da secretaria da Educação.

O processo de queda da educação não é recente, reflexo do que acontece em nível nacional. Num universo de cerca de 800 mil crianças e adolescentes e de um quadro complexo de professores e servidores, é uma das máquinas que foi colocada de lado e somente se volta a discutir no período eleitoral. Os políticos sabendo que não existem milagres para resolver. Desta vez, o importante é que, em início de mandato, se coloca para a sociedade uma discussão que não pode ser apenas dos gestores públicos.

O sonho é que a escola se torne referência para, especialmente, moradores da periferia urbana. Eduardo teve boa escola política, para além da família, como o ex-prefeito Bernardo de Souza. O desempenho no Estado é fundamental para suas pretensões. É hora de abrir mão dos ciúmes provincianos e reconhecer e apoiar uma liderança que se solidifica. Em meio às “raposas” da política, incluindo Getúlio, Brizola, Ulisses e Tancredo, volta-se a um cenário em que é possível que a Princesa tire os pés da miséria...

domingo, 12 de fevereiro de 2023

O reencontro e o tempo da partida

O Cântico dos Nomes (Netflix) é um filme diferenciado. Classificado como drama musical, a obra do canadense François Girard é trama necessária para se compreender o Holocausto, especialmente dos judeus, durante a 2ª Guerra Mundial. Sem ser baseado em fatos, mesmo assim, transmite um sentimento necessário de veracidade, dando credibilidade a personagens que se envolvem na magia da música, tratando com delicadeza e respeito a fé religiosa, a família, a amizade e a linguagem musical.

Inicia quando o violinista Dovidl Rappaport desaparece exatamente no dia em que deveria dar o seu primeiro concerto público. Durante mais de 30 anos, Martin Simmonds, que se tornou “irmão” pela morte dos familiares do primeiro em campo de concentração, o procura. Para quem acredita, o destino vai colocando evidências de que poderá encontrá-lo. Mas a coisa não é tão simples: embora tudo indicasse um surto de vaidade, o que vai se descobrindo é que Dovidl fez um reencontro com o seu passado.


Arrepiante, quando se descobre que o título remete ao ato de ler em voz alta todos os nomes de judeus que perderam a vida em Treblinka, no formato de uma oração, entoada por um rabino, remexendo uma ferida sem cicatriz. Na noite em que se perdeu para a família inglesa, descobriu uma comunidade judaica que cultiva a memória de seus mortos... e o embalo doloroso da sequência de nomes dos que foram apagados pela barbárie e cobra a mudança de quem, antes, havia renegado a fé e a própria religião.

Como num chamado de sangue, sente que tem que fazer isto em forma de uma peça musical para um instrumento que conhece bem: o violino. É uma longa jornada que o leva ao campo de concentração e saldar a dívida com o pai de coração que morreu à sua espera. A apresentação tão desejada e o retorno à Israel. O irmão que o procura acredita que valeu a pena esperar 35 anos, num tempo curtido pela dor e pela angústia, que iniciou pelo embate entre duas culturas e fez uma parceria na infância e na juventude.

Tendo como pilares a temática religiosa (o Judaísmo) e a amizade (um judeu e um inglês), o filme é profundo sem ser piegas ou se preocupar com lições morais. Existem questões que o tempo apaga e outras que a própria sociedade tem que se esforçar para que não sejam esquecidas. Depois da segunda grande guerra ficamos com a impressão de que a humanidade havia aprendido a lição. Foi um engano. Os mesmos interesses que levaram ao confronto ainda existem e vendem armas nos embates menores e locais.

Nenhuma guerra se justiça. Nenhum povo, nenhum grupo social merece sequer a especulação do seu extermínio. Como todas as feridas que a sociedade cria com suas disputas mesquinhas, sem a capacidade de curá-las, faz da vida um reencontro e, novamente, o tempo da partida. Chegar a Treblinka, onde morreram seus pais e sua irmã, e se apresentar no auditório onde a plateia ficou esperando, o amadurece para “desaparecer”, novamente, imerso no seu destino e na busca da sua própria identidade.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

O tempo de voltar para casa...

Hoje, não importa se as minhas mãos


Estão enrugadas, muitas vezes trêmulas,

Ou se, repousando em meu colo,

Demonstram todo o meu cansaço.

Estendo-as, diante de meus olhos,

E cada sulco é uma marca,

Traz um registro de todos os meus tempos.

 

Já contei o tempo que passa.

Hoje, me deixo envolver por ele.

Não é mais o tempo do relógio

E sim o tempo das Estrelas,

Brincando com o olhar

E enganando os meus sentidos.

Pode ser o instante em que a borboleta

Acaricia as flores,

Na cumplicidade de renovar a vida.

O tempo em que as marés

Acenam com seu ruídos fortes na distância

E depois vêm beijar a orla da praia,

Mansas e serenas como quem mira

Para além do fugaz momento.

 

Custei para entender

Que a coisa mais importante

Que alguém pode me dar é

O seu próprio tempo.

E quanto me foi ofertado ao longo da vida.

A prova de amor a tque não precisava ser pedida,

Por ser disponibilidade,

E, como não soube compreender,

Roubei uma fagulha pensando

Que estava juntando um pouco da tua felicidade...

 

O tempo passou pelo esfarelar

Do espelho quebrado que

Multiplicou a imagem de quem o agrediu.

Nele, eu via as estações mudarem

Sem me importar com o frio ou com o calor;

Me permiti revirar baús,

Reencontrando anotações

Em que brotam lembranças e sorrisos tortos;

Bilhetes em meio às páginas dos livros,

Acompanhados de fotos

Que acaricio no esforço da lembrança

Em cores que também esmaecem.

 

O tempo é a morada dos espíritos.

Na espera pela manhã,

Permite que se estenda a mão

E acaricie o sonho.

Conforme traça o destino,

Vai deixando sombras

Exatamente no chão por onde

As estrelas ainda teimam em traçar caminhos.

Na certeza de que também tem um tempo

Em que é necessário pensar em voltar para casa...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

À espera da face de Deus

A morte do papa Bento XVI não pegou ninguém de surpresa. Interessante acompanhar sua carreira eclesiástica (sim, literalmente, uma carreira dentro da Igreja Católica). Homem inteligente, um intelectual preparado, esteve presente no Concílio Vaticano II, ainda jovem, com um futuro promissor, que se confirmou. Sem detalhar currículo, vale a pena destacar que foi convocado por João Paulo II, que também pode ser chamado de papa pastor, mas que foi, realmente, um papa político, na plena acepção da palavra.

Ao lado, precisava de alguém que conhecesse os meandros do Vaticano, especialmente da Teologia e a chamada Tradição da Igreja. Homem de confiança, respaldou a atuação de um papa preocupado em retomar o que, considerava, haviam sido desvios, como foi o caso da Teologia da Libertação. Embora cardeais, arcebispos e bispos neguem de pés juntos, foi preparado para suceder João Paulo, no único caso das escolhas recentes em que a maior aposta entre os candidatos confirmou-se no “habemus papa!”

Também vai se negar, mas era límpido que o cardeal Ratzinger tinha no seu horizonte a possibilidade de assumir a Sé de Pedro. Talvez tenha sido um erro de cálculo, pois o papado de João Paulo II se estendeu por 26 anos e o cardeal já estava com 78 anos ao assumir. Para quem gostava de boa música, companhia dos livros, orações e tempo para teorizar, devem ter sido longos 8 anos em que descobriu que uma coisa era atuar nos bastidores e, a outra, lidar com as tempestades que já se anunciavam na Igreja.

Havia escrito a seu respeito. Em especial, lembro da visita aos campos de concentração na Alemanha, onde sua figura já alquebrada era um triste tributo de reconhecimento dos pecados da sociedade e da organização que dirigia. Mas passou a ter o meu maior respeito quando resignou (aposentadoria), num discurso feito em latim que grande parte dos cardeais e da imprensa que cobriam o evento, naquele momento, sequer chegaram a entender. Mudam os tempos, quebram-se as tradições... E o Mundo continua girando...

Vaticanistas, que analisam as ações da Igreja Católica em Roma, insistiram em dizer que não havia preparação para tal evento. Ora, a Santa Sé tem uma máquina política que funciona não somente “intra” muros, mas também nas relações internacionais, tendo sido, em mais do que um momento, chamada a mediar conflitos. O fato de que o papa Francisco passou a pedir orações por Bento XVI era sinal claro do seu fim e anunciar que teria o tratamento funerário de um papa não é algo pensado de supetão.

Nas disputas internas da Igreja Católica, ficou claro que grupos tentaram jogar o papa aposentado contra o atual. Embora Bento anunciasse que se recolheria, sempre haviam visitas que se achavam “porta-vozes”. Mesmo para ele que sempre foi figura pública, devia ser difícil silenciar. Novamente, se tem motivo para admirar a paciência, o carinho e a prudência com que o papa Francisco administrou o que poderia ser um conflito. Como se disse: o respeito por quem estava “se apagando. À espera da face de Deus”.

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Expedição Faróis: mais próximo dos sonhos

O ano iniciou, no Jornal do Almoço da RBS TV, com uma série que me chamou a atenção: o repórter Arildo Palermo (Pelotas) acompanhou, junto com o experiente cinegrafista Pierre Schlee, a Expedição Faróis. Podem ter certeza, não é para os fracos. Saíram da praia da Capilha, no Taim, interior de Rio Grande; seguiram pela beira da Lagoa Mirim; cruzaram a BR 471, até a faixa de areia; alcançaram o farol Sarita, o farol Albardão, já em Santa Vitória do Palmar; e a barra do Chuí, ponto mais ao sul do Brasil.

Aventura a pé, por 190 quilômetros, em oito dias. Interessante acompanhar a expressão facial do Arildo entre a gravação na saída: descansado, curioso, motivado; no percurso e o sentimento da chegada. Um companheiro registra que um dos primeiros desafios da vida é caminhar e eles têm uma trilha de longo curso em área de preservação, dunas em meio aos campos, em muitos momentos, como registrou: “só horizonte, só céu azul”, descobrindo que “não é o quanto tu caminhas, mas o quanto tu expandes...”


E os horizontes são muitos: o próprio físico, o tempo, as emoções, o aprendizado do convívio... Quando é necessário beber do “ânimo das parcerias”, ao contemplar a natureza que oferece árvores em plenas dunas, que “formam uma paisagem de cinema”. Na biomassa dos pampas, encontrar figueira de 800 anos onde descansam e comem pastel ou atentar para as capivaras que circulam tranquilamente. Depois de um certo tempo, “tu já não sabes se o mundo ainda existe lá fora...”

O sorriso simpático do garoto/repórter é afetado por noites mal dormidas, dificuldades que tentam em desistir, as intempéries que não poupam o andante. Atento ao que outros mais experientes lhe dizem, mantém-se disposto a aprender, não apenas para fazer a reportagem. Em momentos mais difíceis, com o semblante cansado, não impede que sorria e se encante com o canto dos pássaros, quebrando todos os protocolos das redações jornalísticas, quando motiva a quem assiste: “vamos embora, meus queridos!”

A gente sofre junto com o repórter naquilo que é mais simples, como olhando o que ainda tem que percorrer e reconhece que a areia mais fofa é mais difícil de caminhar. Mas que a jornada está enrijecendo os músculos e o espírito: “dá pra curtir mais quando a gente acostuma”. Para em seguida descrever o que está no horizonte da noite, quando chegam ao acampamento e podem descansar com a “Lua cheia e lenha na fogueira”. Desafio de cada dia, com descrição das dores e as pequenas (e necessárias) conquistas.

No caminho, recebem tecidos para escrever palavras que representem a jornada. O repórter estropiado, querendo apenas cama e sinal de celular, deposita no varal das orações: “resiliência, fé, paciência”, num momento de silêncio e gratidão. Arildo reconhece: “não tem como não se emocionar... tá louco!” Uma companheira resume: “a questão não é o quanto tu caminhas, mas o que aproveita do caminho”. Vencer, transpor limites, se emocionar com a vida e as parcerias... O que faz valer a pena o início de cada jornada é o passo cansado que faz a gente ficar mais próximo dos sonhos!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

A lagarta que rasga o sonho

O escultor que desperta na pedra a forma adormecida 

Também a espanca sem saber

Qual o golpe lhe deu o contorno imaginado,

Quando se convence de que se tornou seu criador.

A pedra guardou todas as suas possibilidades

E muitas foram as batidas que antecederam

Até chegar, enfim, ao seu desvelar.

 

O momento em que o cinzelador

Acreditou poder dizer, imitando a arte: "fala!"

Um longo tempo em que o olhar se deteve

Sobre o que todos consideravam elemento bruto

E, ouvindo a respiração da vida,

Que potencializava e inspirava a arte,

Sentiu a força vital emergindo.

 

O instante etéreo que esteve aguardando,

Precisando das mãos humanas e o sopro Divino,

Em diversos níveis de cumplicidade,

Acariciando a imprecisão da imagem.

Não temendo o tempo que passa.

No entanto, temendo o tempo perdido,

Que apenas escapa por suas mãos...

 

Ou o instante em que o cinzel danifica a pedra

Sendo necessário respirar fundo, reiniciar,

Com a possibilidade de reduzir a um material menor.

Uma nova chance de refazer cada corte,

Recomeçando do que parece ser o nada,

Mas com as marcas do que já se fez.

 

A intuição do feitio.

A mesma potencialidade da rocha,

Que ainda não encontrou quem a vai esculpir,

E conforma-se em aguardar no silêncio.

A estocada que fere seus veios, onde está

A esperança de alcançar a configuração sonhada.

 

O malho que dá forma ao ferro,

O marceneiro que dá feitio à madeira,

O oleiro que dá formato ao barro.

Possibilidades de vida que desabrocham,

Na perfeição do tempo

Até que, finalmente, surja no

Protagonismo de uma cumplicidade.

 

O medo do desastre somente menor

Do que o receio de não ser compreendido...

E não entender o que se passou.

Como a lagarta que rasga o sonho.

Vence a dúvida e a dor da espera

Para se transformar em borboleta.

Aspergida por todos os sentidos,

Na superação da angústia da gestação

E as dores do parto...