O Brasil é pródigo em criar e se omitir diante de problemas. São muitas
partes de uma história confusa e recheada de interesses escusos. Poderia se
fazer um capítulo inteiro (se não uma obra) da capacidade de tolerar desigualdades.
Mas aqui interessam dois eventos que, para os desavisados, parecem não ter nada
em que se relacionam: a queda da ponte pênsil, entre Torres (RS) e Passo de
Torres (SC), e a tragédia anunciada nas encostas do litoral de São Paulo, que já
vitimaram mais de 60 pessoas.
A madrugada era de festa, com muita gente circulando de ambos os lados,
mas com forte concentração sobre uma ponte que, já está comprovado, não tinha
conservação adequada e sequer uma fiscalização efetiva do seu uso. O que podia
acontecer, aconteceu. Numa noite de Carnaval, pelo acúmulo de passantes e falta
de senso de responsabilidade de alguns usuários (educação, mesmo) e dos agentes
públicos, desabou, ferindo a muitos e tirando a vida do jovem Brian Grandi.
Foram dias de busca.
Em São Paulo, as fortes chuvas recentes (que não são novidade, nesta
época) desnudam a segregação das populações expulsas dos espaços urbanos com
infraestrutura e jogadas em zonas de risco. O que deveria ser obrigação das
autoridades municipais – mapear áreas de perigo e impedir sua ocupação –
mostrou mais uma vez o desleixo, visível na ocupação urbana das periferias.
Entre mortos, feridos e desabrigados expõe-se a chaga que joga para longe
(debaixo do tapete) o indesejável cheiro da pobreza.
É preciso levar em consideração: o processo de urbanização acelerado e
desordenado; o êxodo rural; a falta de planejamento urbano; a ocupação e
construção em áreas de risco, como morros e várzeas; a impermeabilização do
solo por asfalto; o descarte inadequado do lixo, assim como as drenagens que se
mostram aquém do que seria necessário. As mudanças nos fatores climáticos
também precisam ser levadas em consideração. A ação do homem provocou mudanças
que ainda não estão suficientemente esclarecidas.
Amargando uma seca em Pelotas, não se pode esquecer que ela passa. Se vive em meio às águas, tendo acabado com parte dos escoamentos naturais: as sangas e os banhados. A (ir)responsabilidade de agentes públicos deve tornar transparente o que é feito e o que se pretende fazer. Fiscalizar equipamentos à disposição, assim como mapear áreas de risco, é elementar, mas precisa ser cobrado. Infelizmente, tragédias mostram, sim, que se tem cidadãos de primeira, segunda, terceira e, quem sabe, quantas classes a mais...