domingo, 27 de outubro de 2024

Sonhos que cabem num par de tamancos

Quantos anos tinha quando trocaram

Meus tamanquinhos pelos chinelos de dedo?

Eram tenros anos

Em que o sapatinho de ir à escola,

No final da manhã, 

Ao retornar à casa,

Era trocado pelo calçado caseiro,

Que esperava na porta da cozinha. 


Um ritual de saudades,

Impregnado de memórias 

Onde imperava a simplicidade.

Nunca me pareceram desajeitados

Para o que fosse necessário,

Nas atividades de estudar ou ajudar na casa

Ou brincando pelo que era o início da minha rua,

Ainda rodeada de matos,

Pequenos sítios e campinhos,

Predominando maricás e gravatás.


Talvez, por desconhecimento de outros calçados,

Sempre pareceram cômodos, 

Marcando os passos no piso de madeira. 

A plataforma recoberta por uma tira de couro

Fazia o tic-tac que, se para uns irritava,

Para nós soava como música. 

Os pés sem meias no verão 

Eram protegidos e aconchegados no inverno. 


Andando na poeira das ruas

Ou no barro das estradas,

Não importava. 

Eram os rumos dos sonhos.

Tudo era possibilidade,

No aconchego e segurança de uma família.

Andávamos nas nuvens, 

Na pobreza de quem pensava que tinha

Uma fortuna nos pés. 


A impressão é de que se 

Perdeu alguma coisa pelo caminho.

Um mundo de possibilidades 

Não significa um mundo de felicidades.

A simplicidade das roupas repetidas

E dos calçados que precisavam durar

Guardavam a doçura de uma vida plena:

Sem precisar saber, se vivia em

Um universo de afetos em que 

A razão do amor era o próprio amor,

E os sonhos cabiam perfeitamente

Num par de tamancos…


Nenhum comentário: