domingo, 6 de agosto de 2023

“Pai, canta “pra” mim?”

O Aprendiz chegou na sala do Mestre e sentou num canto em silêncio. Como sempre que estavam sozinhos, pediu:

- Mestre, canta “pra” mim?

Era uma velha canção de ninar da sua vila, que o pequeno o ouvirá cantar, quando pensou que estava sozinho. Era cedo e neste horário o menino sempre chegava turbinado. Recostou na soleira da porta, dormitou e passou a murmurar coisas desconexas. O Mestre se aproximou: a criança tremia, suava e estava encolhida. Tocou a testa e confirmou, estava com febre.

Tomou-o no colo e levou para a enfermaria. Foi avisado de que havia muita gente com sintomas parecidos na vila. Em seguida, o Aprendiz ficaria bem. Não pode deixar de notar que, deitado na cama, a criança parecia ainda menor...


Embora todos os cuidados do monge enfermeiro, passaram-se os dias, os demais tiveram alta, mas o Aprendiz não recuperava a consciência. O Mestre se dividia entre o seu trabalho à frente do Mosteiro e, sempre que possível, ficar ao lado do menino.

Num final de tarde, pediu para o monge enfermeiro que desse especial atenção ao pequeno, pois precisava de um tempo para rezar. Dirigiu-se à fonte do Ser Supremo, no recanto mais afastado do centro do Mosteiro. Somente os monges, os aprendizes mais velhos e algumas pessoas da comunidade tinham acesso.

Quando o Mestre chegou, apenas o trinar dos pássaros quebrava o silêncio. Postou-se em oração. Seu coração estava dolorido por pensar que o Aprendiz estava sofrendo. A febre não baixava. Tudo o que haviam tentado não dera certo. Faltava-lhe as palavras. Apenas disse baixinho:

- Meu Senhor, toma em tuas mãos a vida, a dor e o sofrimento deste menino!

Retornou lentamente, com os ombros arqueados, sem conseguir desfrutar das belezas dos jardins naquele fim de Inverno, quase começo de Primavera. Ao entrar na enfermaria, ficou ainda mais triste ao ver o pequeno magro, pálido, com gotas de suor correndo pelo rosto. Inconsciente, tinha o corpo retesado pela dor. Disse ao monge enfermeiro que passaria a noite ali. Foi longa e cansativa. Na maior parte do tempo ouvindo seu balbucio e secando seu rosto. Nos momentos em que as lágrimas banhavam o rosto do menino também corriam pelo semblante do Mestre...

A manhã já estava raiando quando a febre cedeu e o pequeno dormiu, segurando a sua mão. Levantou para arrumar o lençol sobre o pequeno. Ia abrir a janela quando sentiu que as poucas forças do Aprendiz se concentravam em prender a sua mão. Sussurrou:

- Pai, canta “pra” mim...

Estava tão cansado que não podia ter certeza se realmente ouvira. Cuidara dos meninos do Mosteiro como se fossem seus filhos. E nenhum deles o havia chamado de pai. Mas o Aprendiz sempre fora diferenciado...

Ajeitou o lençol e tentou cantar baixinho a canção de ninar, lutando para que as lágrimas e os soluços não o impedissem. O rosto do menino foi se tranquilizando, até que entrou em sono profundo.

Ainda segurava a mãozinha quando começou o movimento do dia. Iria esperar que acordasse. Afinal, se gerar um filho já era bom, seu peito transbordava de felicidade porque estava aprendendo que ser pai de coração é algo que não tem preço!

Saiu da enfermaria prometendo voltar em seguida. Já era hora da primeira refeição. Mas precisava passar por um lugar... Andou sem sentir que as lágrimas voltavam e se misturavam ao seu sorriso, enquanto caminhava pelos jardins para retornar à fonte do Ser Supremo. Gratidão era a palavra e a sensação que começava a entender, agora que também se sentia como um Pai!

Obrigado, queridos pais: aqueles que geraram e sentem falta dos filhos que partiram... Aqueles que são pais de coração. Aqueles que são pais de corpo e de coração! Deus os abençoe e os guarde sempre!

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